Internacional
Repique em casos e mortes por covid-19 acende alerta pelo Brasil
Números estão em alta em 13 estados, revertendo três meses de queda. Reaceleração começou pelas classes mais altas. Entre hospitais privados de SP, 44,7% registraram alta das internações por covid-19 nos últimos 15 dias
Após três meses de queda lenta e constante no número diário de casos e mortes pela covid-19, diversas regiões do Brasil enfrentam agora um repique da pandemia, o que pressiona os gestores públicos a reavaliar suas estratégias de saúde coletiva.
Nesta quinta-feira (19/11), o número de mortes por covid-19 no país, pelo critério da média móvel dos últimos sete dias, foi de 540 — a contagem estava abaixo de 400 no início do mês. O número de casos, pela mesma metodologia, foi de 28.598, enquanto no início de novembro ficou abaixo dos 17 mil.
Em 13 estados do país, o número de mortes diárias pela pandemia está em alta: todos os das regiões Sul e Sudeste, além de Goiás, Tocantins, Rondônia, Roraima, Amapá e Rio Grande do Norte. E esse é um dado que retrata a evolução da pandemia com atraso, devido ao ciclo da doença e à demora entre a ocorrência da morte e a sua inserção no sistema.
Outra informação relevante é o número de internações por covid-19. Na semana passada, o estado de São Paulo teve alta de 18% nessa variável em relação à semana anterior. Entre os hospitais privados, 44,7% registraram aumento dessas internações nos últimos 15 dias, segundo levantamento do Sindicato dos Hospitais do Estado de São Paulo. A ocupação dos leitos destinados à pandemia ainda está em 43,5% no estado, e é de 49,7% na região metropolitana de São Paulo.
O boletim InfoGripe desta quinta-feira, compilação realizada pela Fiocruz sobre internações por síndrome respiratória aguda grave pelo país, indica que oito capitais têm probabilidade moderada ou forte de crescimento de internações nas próximas seis semanas.
A taxa de transmissão no país, conhecida pela sigla Rt, também voltou a crescer, segundo cálculo do Imperial College de Londres, no Reino Unido, e chegou a 1,1 na segunda-feira, após ter permanecido abaixo ou próximo de um por cerca de três meses. O resultado mais recente indica que um grupo de 100 pessoas infectadas pelo vírus o transmitirão para outras 110, ou seja, que a pandemia está se expandindo.
O percentual de resultados positivos em testes rápidos realizados em farmácia, que identificam se a pessoa já foi infectada pelo coronavírus, cresceu em dez estados na semana de 9 a 15 de novembro, em comparação com a semana anterior, segundo dados reunidos pela Associação Brasileira das Redes de Farmácias e Drogarias.
O aumento de casos e mortes por covid-19 é consequência do relaxamento das medidas de distanciamento social e proteção, única medida eficaz para combater a pandemia enquanto não houver uma vacina aprovada para a doença, aponta Antônio Augusto Moura da Silva, professor de epidemiologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
“Houve aumento do número de contatos entre as pessoas, vários estabelecimentos reabriram, o pessoal voltou a se visitar, fizeram festas, aglomerações, teve a campanha eleitoral com muita atividade corpo a corpo. As pessoas relaxaram e reduziram as medidas de proteção”, diz.
Ele cita como exemplo o uso de máscaras no Maranhão. Em maio, uma pesquisa indicou que 65% da população usava máscara ao sair às ruas, percentual que caiu para 42% em outubro.
Moura da Silva é contra o uso do termo “segunda onda” para explicar o que ocorre no país, pois, ao contrário do que ocorreu na Europa, no Brasil o número de casos e mortes não chegou perto de zero, diz. Segundo ele, há uma “reaceleração” da transmissão em um mesmo momento epidêmico.
A fase da pandemia
Como no início da contaminação por covid-19 no Brasil, agora os primeiros sinais da reaceleração também vieram de hospital privados, que atendem pessoas das classes mais altas. Em diversas localidades, a ocupação dos leitos destinados à doença está hoje mais alta na rede privada do que na rede pública.
A dinâmica atual, porém, é diversa, afirma Moura da Silva. No início do ano, a transmissão começou pelas classes mais altas porque eram elas que tiveram contato mais frequente com pessoas que fizeram viagens internacionais e trouxeram o vírus de outros países para o Brasil.
Quando a pandemia se agravou, porém, as pessoas das classes mais altas tiveram mais condições de se isolar e trabalhar em regime de home office, enquanto os mais pobres, por uma série de motivos, como necessidade de usar o transporte público e condições inadequadas de moradia, seguiram expostos ao vírus.
O vírus infectou proporcionalmente mais as pessoas de classes baixas do que as classes altas. Isso foi comprovado na cidade de São Paulo por meio de um inquérito sorológico divulgado em setembro. À época, o levantamento mostrou que a incidência do coronavírus entre moradores da classe D e E era cinco vezes maior do que nas classes A e B — 18,7% das pessoas de classe mais baixas apresentaram anticorpos contra o vírus, e apenas 3,1% das de classes mais altas.
Por esse motivo, a população das classes A e B está hoje mais suscetível a pegar o vírus, pois tem proporcionalmente menos pessoas com os anticorpos para a doença. “As pessoas da classes mais ricas que ficaram isoladas voltaram para o convívio social, e começou uma microepidemia nesse grupo”, diz Moura da Silva.
A mesma lógica pode fazer com que o repique atual seja mais leve em locais que tiveram alta incidência da covid-19 no primeiro semestre, como Manaus e Fortaleza.
Isso não significa que a alta atual de casos não afetará também as pessoas mais pobres, alerta a epidemiologista Carolina Coutinho, pesquisadora da EAESP/FGV. Ela afirma que muitas pessoas das classes D e E ainda não contraíram o vírus, o que pode levar a novos surtos com intensidade também nesse grupo.
“Estamos vendo as internações no sistema privado começarem a lotar, mas por enquanto nos sistemas públicos há uma demanda leve. Mas, entre as pessoas mais pobres, há muitas que ainda não pegaram. E há a discussão sobre reinfecção, mesmo quem já teve precisa continuar se protegendo”, diz.
Outro aspecto que inspira cuidados é uma instabilidade dos dados de casos e mortos por covid-19, devido a uma falha técnica em uma plataforma do Ministério do Saúde que deixou o sistema fora do ar nos dias 6, 8, 9 e 10 deste mês. O boletim InfoGripe informa que a interpretação dos dados de cidades com estabilidade ou queda nos números deve ser feito de forma “cautelosa” devido à pane no início do mês.
A reação de governos
Nesta quinta-feira, o governo de São Paulo anunciou medidas preparatórias para enfrentar o aumento do número de casos. O estado determinou que todos os hospitais, públicos, privados e filantrópicos, devem interromper o agendamento de novas cirurgias eletivas, para que mais leitos fiquem disponíveis a pacientes de covid-19.
O governo paulista também proibiu os hospitais de desmobilizarem seus leitos hoje destinados a quem está infectado pelo vírus, e informou que a reclassificação das regiões do estado sobre flexibilização de atividades será feita a cada 14 dias, em vez dos atuais 28 dias, para reagir à evolução da pandemia com mais rapidez.
Já o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, que é candidato à reeleição e está em campanha no segundo turno, tem afirmado que a pandemia está sob controle na capital paulista e que não há necessidade de alterar as regras no momento. A prefeitura, porém, informou que abrirá 200 novos leitos de enfermaria destinados aos pacientes de covid-19 em três hospitais da cidade.
No governo federal, o Ministério da Saúde entende que não é o momento de adotar medidas mais duras em relação à pandemia. Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, citando autoridades que acompanham as discussões da pasta, um alerta só será acionado se houver alta consistente no número de mortes.
Essa pode ser uma estratégia arriscada, segundo Moura da Silva, devido aos atrasos das notificações por morte por covid-19. “O ideal é acompanhar diversas fontes de informação: notificação dos casos, número de internações, taxa de ocupação de leitos e circulação de pessoas”, diz.