Internacional
Projeto de lei multiplica “agentes estrangeiros” na Rússia
Designação já se aplica a ONGs políticas com financiamento do exterior. No futuro, rótulo restritivo poderá se estender a jornalistas e docentes, entre outros. Grandes redes sociais também estão na mira do Kremlin
“A Rússia está sofrendo ataques a partir de fora, o Estado precisa se defender rapidamente contra eles”: essa é a mensagem central de diversos projetos de lei apresentados nos últimos dias na Duma Estatal, o parlamento nacional. A maioria das iniciativas visa um isolamento ainda maior do país, implicando restrições adicionais à sociedade civil e a oposicionistas políticos, e batendo na mesma tecla que regulamentos expedidos em anos recentes.
Há anos, quem se engaja politicamente na Rússia e recebe dinheiro do exterior já tem que constar do cadastro estatal como “agente estrangeiro”. Toda pessoa ou organização assim classificada é obrigada a enviar regularmente às autoridades relatórios sobre suas atividades e gastos administrativos.
A controvertida designação “agente estrangeiro” desperta associações com atividades de espionagem, e até o momento tem afetado principalmente organizações não governamentais e veículos de mídia internacionais. Agora ela deverá ser ampliada, por iniciativa da comissão responsável, no Conselho Federativo (câmara estadual da Duma), pela proteção da soberania estatal perante ingerências externas.
Caça às bruxas à vista?
Do projeto de lei consta que todos os cidadãos e grupos sociais politicamente engajados do país, que recebam apoio financeiro estrangeiro, também deverão se alistar como “agentes estrangeiros”.
Assim, o rótulo se estenderá a um grande número de cidadãos, aos quais se poderá negar trabalho no serviço público ou acesso a documentos confidenciais. Caso concorram a cargos políticos, eles deverão igualmente se identificar como “agente estrangeiro”.
É também novidade a inclusão de jornalistas estrangeiros credenciados nessa categoria. Além disso, a imprensa russa ficará comprometida a designar desse modo, em suas matérias, as pessoas ou organizações em questão.
Natalia Prilutskaya, da Anistia Internacional na Rússia referiu-se à proposta como uma “nova caça às bruxas contra organizações da sociedade civil e ativistas dos direitos humanos”. Outras organizações pelos direitos humanos igualmente condenaram a medida planejada, como sendo mais um meio de pressão sobre a sociedade civil.
Facebook e companhia também na mira de Moscou
Outras novas normas – “contra a censura na internet”, segundo os parlamentares envolvidos – visam redes sociais como Facebook, Youtube e Twitter: assim, portais estrangeiros que imponham restrições a mídias russas ficam sujeitos a multas e bloqueios parciais ou totais na Rússia. O poder de decisão para tais sanções caberá ao Ministério do Exterior, em concordância com o procurador-geral russo.
No entanto o chefe da Comissão de Direitos Humanos do Kremlin, Valery Fadeyev, considera pouco provável um bloqueio total das grandes plataformas, já que assim o Estado prejudicaria numerosos cidadãos russos. Ao mesmo tempo, ele ressalta a necessidade de um “debate sério” sobre como “proteger mídias e usuários russos de uma censura por parte de gigantes de TI americanos”.
Os atuais projetos de lei também acenam com maior rigor no setor de educação, com mecanismos contra “propaganda antirrussa” nas escolas e entre estudantes universitários. A cooperação internacional de instituições de ensino russas poderá ser afetada.
Outra sugestão é a possibilidade de demitir docentes que promovam (não definidas) “agitações”, ou incitem a atividades anticonstitucionais. Em entrevista à agência de notícias Interfax, o jornalista e ativista dos direitos humanos Nikolai Svanidze alertou que isso cria “espaço adicional para arbitrariedade e delação”.
Por fim, a liberdade de reunião deverá ser ainda mais limitada na Rússia. Quem pretenda promover manifestações não poderá receber financiamento do exterior, entre outras restrições. Também os protestos individuais – uma forma de manifestação cada vez mais frequente no país – estarão submetidos a novas regras, com o fim de evitar que diversos cidadãos protestem em sequência.
As medidas propostas surpreenderam até mesmo observadores como o colunista da DW Ivan Preobrazhensky: “O Kremlin tem pressa em fazer passar esses regulamentos.” Possivelmente Moscou se sente pressionado a agir pelos protestos da oposição em Belarus, avalia.. Contudo, a eleição parlamentar na Rússia, marcada para o terceiro trimestre de 2021, também pode estar motivando a investida legislativa.