Judiciário
Usucapião: é só adquirir o bem depois de um tempo de uso?
Neste artigo vamos abordar um tema que levanta muitos questionamentos dentro e fora do Direito: a usucapião.
Inicialmente, é importante ressaltarmos de onde vem a palavra “usucapião”. Bom, provém de “usus”, que significa “posse” e de “capio, capere”, que significa “tomar, adquirir”.
Assim, o conceito, de acordo com o doutrinador Dilvanir José da Costa é “o modo autônomo de aquisição da propriedade móvel e imóvel mediante a posse qualificada da coisa pelo prazo legal. Provém de usus (posse) e capio, capere (tomar, adquirir), ou seja, adquirir pela posse.”
Sabe aquele caso de algum conhecido que conseguiu adquirir aquela coisa, como uma casa por exemplo, depois de morar nela por um tempo? Então, é disso que trataremos aqui, de forma mais aprofundada, pois com certeza para ter conseguido, a pessoa cumpriu com os requisitos necessários, os quais veremos neste artigo.
Observação: há quem use o termo o usucapião e quem use a usucapião. A língua portuguesa apresenta ambas as variações como corretas.
Bom, mas o que a gente pode usucapir? Os bens móveis e imóveis.
Vamos falar primeiro da usucapião de bens IMÓVEIS
➡️ Quais são as espécies de usucapião de bens imóveis?
Bom, temos três espécies de usucapião (extraordinária, ordinária e especial) que se dividem em mais (especial rural e especial urbana), além da familiar, coletiva e indígena, totalizando SETE. Vamos falar sobre cada uma delas.
➪ Usucapião Extraordinária: Com previsão no artigo 1.238 do Código Civil, para essa espécie, é necessário que: 1) a pessoa possua como seu o imóvel; 2) por 15 anos; 3) sem interrupção e sem oposição. O parágrafo único desse mesmo artigo, menciona que o prazo é de 10 anos nos casos em que o possuidor houver estabelecido no imóvel sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
➪ Usucapião Ordinária: Para essa espécie, de acordo com a previsão elencada no artigo 1242 do Código Civil, adquire também a propriedade do imóvel aquele que: 1) contínua e incontestadamente; 2) com justo título e boa-fé; 3) o possuir por 10 anos. No entanto, o prazo também pode ser reduzido, dessa vez para 5 anos, quando o imóvel houver sido adquirido, onerosamente (de forma paga), com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.
➪ Usucapião Especial Rural: Também com previsão no Código Civil (art. 1239), essa espécie dispõe que a pessoa, para conseguir usucapir nessa hipótese, necessita: 1) NÃO ser proprietário de algum imóvel rural ou urbano; 2) possuir como sua, por 5 anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural; 3) NÃO ser a área superior a 50 hc; 4) tornar a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia.
➪ Usucapião Especial Urbano: Por sua vez, a usucapião especial urbana está disposta no artigo 1240 do Código Civil, caput, que aponta como requisitos para usucapir: 1) área até 250m²; 2) por 5 anos; 3) sem oposição; 4) utilizar para sua moradia ou de sua família; 5) não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Os parágrafos 1º e 2º do referido artigo trazem algumas ressalvas, quais sejam:
“§ 1º: O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil”;
“§ 2º O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.”
A Constituição Federal de 1988 reforça em seu artigo 191 o direito da usucapião rural:
“Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.”
Além do mais, a Constituição Federal deixa claro que NÃO se pode usucapir imóveis públicos.
➪ Usucapião Familiar: A previsão legal para essa espécie está disposta no artigo 1240-A do Código Civil. Os requisitos são: 1) exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição; 2) posse direta e exclusiva; 3) imóvel urbano de até 250m²; 4) propriedade dividida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família; 5) adquirir o domínio integral; 6) não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. No entanto, o parágrafo primeiro deste mesmo artigo é bastante claro ao dispor que esse direito NÃO será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
➪ Usucapião Coletiva: Essa espécie encontra previsão na Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), mais precisamente em seu artigo 10, que elenca como requisitos: 1) existentes e sem oposição; 2) há 5 anos; 3) área total dividida pelo número de possuidores seja menor que 250m² por possuidor; 4) possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. Os parágrafos 1º ao 5º, ainda deste artigo 10, complementam que: § 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas; § 2o A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis; § 3o Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas; § 4o O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio; § 5o As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.
➪ Usucapião Indígena: Por fim, temos também essa espécie de usucapião, com previsão na Lei nº 6.001/73 (Estatuto do Índio), em seu artigo 33. Há também requisitos, quais sejam: 1) ser índio; 2) integrado ou não; 3) ocupar o trecho de terra como próprio; 4) por 10 anos consecutivos; 5) trecho de terra ser inferior a 50 hc. No entanto, o parágrafo único menciona que NÃO se aplica às terras do domínio da União, ocupadas por grupos tribais, às áreas reservadas de que trata esta Lei, nem às terras de propriedade coletiva de grupo tribal.
Podemos notar que há REQUISITOS para usucapir um bem imóvel, e não simplesmente entrar e adquirir a posse.
Deste modo, em todas as espécies analisadas acima, evidente que há a necessidade de PROVAR A POSSE, até porque, para usucapir, é necessário que a pessoa já esteja na posse do bem.
Nesse sentido, para exemplificar, vejamos um julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a respeito da necessidade de provar a posse para conseguir usucapir:
“APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO. REQUISITOS PARA USUCAPIÃO. USUCAPIÃO ENTRE IRMÃOS. O usucapião exige a prova da posse com as características para usucapião, do que o usucapiente deixou de se desincumbir, na medida em que, pela prova, está pretendendo, sem nenhuma razão, usucapir área pertencente ao irmão como proprietário, sobre a qual jamais exerceu posse destinada a usucapião. (Apelação Cível Nº 70068887355, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 24/08/2016). (TJ-RS – AC: 70068887355 RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Data de Julgamento: 24/08/2016, Vigésima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 02/09/2016)”. (grifos nossos).
Caso tenha ficado com alguma dúvida nessa parte, fique à vontade para deixar nos comentários =)
Passemos agora a tratar da usucapião de bens MÓVEIS
A usucapião de bens móveis, por sua vez, encontra respaldo nos artigos 1260 a 1262 do Código Civil, e também são divididas em usucapião ordinária (artigo 1260) e extraordinária (1261).
➡️ Quais são os requisitos de cada uma delas?
➪ Usucapião Ordinária:
“Art. 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade.”
Sintetizando os requisitos da Usucapião Ordinária:
1) Prazo: 3 anos;
2) Posse contínua e incontestada (significa o mesmo que posse mansa e pacífica);
3) Justo Título;
4) Boa-fé.
➪ Usucapião Extraordinária:
“Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.”
1) Prazo: 5 anos
2) Posse contínua e incontestada (significa o mesmo que posse mansa e pacífica);
3) Não necessidade de boa-fé.
Vamos analisar agora as CAUSAS IMPEDITIVAS/SUSPENSIVAS de usucapião
O artigo 1244 do Código Civil é bastante claro ao afirmar que:
“Art. 1.244. Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião.”
➡️ Deste modo, quando falamos em causas impeditivas ou suspensivas de usucapião, falamos que não pode ocorrer a usucapião em determinadas hipóteses. São elas as dispostas nos artigos 197 a 204 do Código Civil, que tangem às causas impeditivas ou suspensivas da prescrição:
➪ Entre cônjuges, na constância do matrimônio;
➪ Entre ascendente e descendente, durante o poder familiar;
➪ Entre tutelados e curatelados e seus tutores e curadores, durante a tutela e a curatela;
➪ Contra os absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil (menores de dezesseis anos), pelos enfermos ou com deficiência mental, por não terem o necessário discernimento para a prática desses atos; os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade;
➪ Contra os ausentes do país em serviço público da União, dos Estados, ou dos Municípios;
➪ Contra os que estiverem servindo na armada e no exército nacionais em tempo de guerra;
➪ Pendendo condição suspensiva;
➪ Não estando vencido o prazo.
➪ Pendendo ação de evicção.
Bom, é isso. O assunto usucapião é bastante importante para o Direito e também para a população no geral e por isso é essencial o debate.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Código Civil de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 24/11/2020
BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituição.htm. Acesso em 24/11/2020
BRASIL. Lei nº 6.001/73 (Estatuto do Índio). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6001.htm. Acesso em 24/11/2020
BRASIL. Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LEIS_2001/L10257.htm. Acesso em 24/11/2020
BRASIL. SENADO FEDERAL. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/524/r143-25.PDF?sequence=4. Acesso em 24/11/2020.
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