CIÊNCIA & TECNOLOGIA
Você sabia que as empresas de tecnologia têm clones digitais seus?
Clones digitais
Você sabia que provavelmente tem um – ou até vários – clone digital que consegue simular seus pensamentos?
Os professores Jon Truby e Rafael Brown, da Universidade Case Western (EUA), chamam de “clones digitais do pensamento” os programas e informações que as empresas de tecnologia usam para prever com precisão o comportamento das pessoas e influenciar esse comportamento.
Eles definem clone digital do pensamento como “um gêmeo digital personalizado que consiste em uma réplica de todos os dados e comportamentos conhecidos de uma pessoa viva específica, registrando em tempo real suas escolhas, preferências, tendências comportamentais e processos de tomada de decisão”.
Os autores afirmam que o problema já atingiu uma escala tal que há uma necessidade urgente de uma legislação que proteja as pessoas do uso malicioso da sua pegada digital pelas empresas de tecnologia, que rastreiam constantemente os hábitos digitais dos internautas.
No aclamado documentário “O Dilema Social”, que virou notícia recentemente por suas revelações radicais, ex-executivos de grandes empresas de tecnologia como Facebook, Twitter e Instagram, entre outras, compartilham como seus ex-empregadores desenvolveram algoritmos sofisticados que não só preveem as ações dos usuários, mas também sabem qual conteúdo os manterá presos em suas plataformas.
Você sabe o que os algoritmos estão dizendo a seu respeito?
Clone digital do pensamento
É bem sabido que as empresas de tecnologia estão se aproveitando das atividades digitais dos seus usuários sem o seu consentimento e consciência.
Mas Truby e Brown descortinaram um outro elemento que as empresas de tecnologia estão perseguindo em detrimento da vida das pessoas, e investigaram o que podemos fazer a respeito.
“Estávamos trabalhando no artigo do clone do pensamento digital um ano antes de o documentário da Netflix ir ao ar. Portanto, não ficamos surpresos ao ver a história revelada pelo documentário, que reafirma o que nossa pesquisa descobriu,” diz o professor Brown.
A dupla identificou os tais “clones de pensamento digital”, que agem como gêmeos digitais que constantemente coletam dados pessoais em tempo real e, em seguida, preveem e analisam os dados para manipular as decisões das pessoas. Atividades de aplicativos, contas de mídia social, uso de aparelhos eletrônicos, rastreamento GPS, comportamento e atividades online e offline e registros públicos são usados para formular o que eles chamam de clone digital do pensamento.
“Os algoritmos de inteligência artificial (IA) existentes ou futuros podem então processar esses dados personalizados para testar estratégias em tempo real para prever, influenciar e manipular as decisões de consumo ou decisões online de uma pessoa usando padrões de comportamento extremamente precisos e determinar quais fatores são necessários para fazer emergir uma decisão diferente e executar todos os tipos de simulações antes de testá-lo no mundo real,” disse o professor Truby.
Manipulação digital
Um exemplo é prever se uma pessoa fará um esforço para comparar os preços online de uma compra e, se não o fizer, cobrará um prêmio pela compra escolhida. Essa manipulação digital reduz a capacidade de uma pessoa de fazer escolhas livremente.
Fora do marketing ao consumidor, imagine se as instituições financeiras usassem clones de pensamento digitais para tomar decisões financeiras, tal como se uma pessoa irá pagar um empréstimo. E se as seguradoras cobrassem pelos seguros médicos prevendo a probabilidade de doenças futuras com base na dieta, inscrição em academias, a distância que os clientes percorrem em um dia – com base no histórico de localização de seus telefones – e seu círculo social, conforme gerado por seus contatos telefônicos e grupos de mídia social e outras variáveis?
Os dois autores sugerem que as visões atuais sobre privacidade, onde as informações são tratadas como um assunto público ou privado ou vistas em relações contextuais sobre a quem as informações dizem respeito e impactam, são antiquadas.
É necessário criar uma estrutura centrada no ser humano, defendem eles, onde uma pessoa pode decidir desde o início de seu relacionamento com os serviços digitais se seus dados devem ser protegidos para sempre ou até que ela livremente renuncie a isso.
Princípios da propriedade e do controle
A proposta se baseia em dois princípios: o princípio de propriedade, segundo o qual os dados pertencem à pessoa e que certos dados são inerentemente protegidos; e o princípio de controle, que exige que os indivíduos tenham permissão para fazer alterações no tipo de dados coletados e se eles devem ser armazenados.
Nesta estrutura, as pessoas são questionadas antecipadamente se os dados podem ser compartilhados com uma entidade não autorizada.
O mundo está em uma encruzilhada, dizem os dois pesquisadores: Devemos continuar sem fazer nada e permitir a manipulação total pela indústria de tecnologia ou assumir o controle por meio de uma legislação muito necessária para garantir que as pessoas estejam no comando de seus dados digitais?
Não parece ser exatamente um dilema social – a resposta parece ser unânime. É uma questão de agir.