Internacional
China aposta em “transformação verde” da economia
No Congresso Nacional do Povo, estão em pauta a ascensão continuada da China no mundo e a celebração de sua vitória contra a pobreza. Apesar de aparente normalidade, pandemia ainda é desafio
Reunindo cerca de 3 mil delegados, o Congresso Nacional do Povo é o o maior evento político da China em 2021. A partir desta sexta-feira (05/03), estão em foco a “transformação verde” da economia e a continuação da ascensão do país no palco mundial.
Contrariando as expectativas de observadores, que não esperavam metas concretas de crescimento para a economia chinesa, o primeiro-ministro Li Keqiang deu início ao congresso com o anúncio de uma meta oficial de avanço do Produto Interno Bruto (PIB): espera-se que a economia do país cresça no mínimo 6% em 2021, um número modesto para os padrões chineses.
A China conseguiu conter a pandemia de covid-19 relativamente cedo e de forma mais sustentável do que a maioria dos demais países, possibilitando uma rápida recuperação econômica. No entanto, as consequências da pandemia para a economia mundial e o desenrolar do conflito comercial com os Estados Unidos ainda abrigam muitas incógnitas.
Mercado interno e independência tecnológica
Por conseguinte, os planejadores econômicos estão se concentrando no fortalecimento da demanda doméstica, uma questão que já ocupava Pequim há muito tempo, segundo Caroline Meinhardt, pesquisadora associada do instituto de pesquisas sobre a China Merics, em Berlim.
“No longo prazo, o governo se encontra diante do desafio de que um fortalecimento decidido do crescimento voltado à demanda exigiria uma considerável redistribuição da renda entre as unidades residenciais normais.” Seu colega da Merics Nis Grünberg completa: “O foco dos próximos anos será o fortalecimento da própria economia e indústria, e a ampliação dos sistemas sociais, especialmente nos setores de saúde e educação.”
Igualmente em foco estão a ampliação de inovações nacionais e investimentos em tecnologias futuras. Na sequência da guerra comercial com os EUA, o país ficou dolorosamente consciente de sua própria dependência de fornecedores internacionais de componentes de alta tecnologia, como semicondutores.
“No momento, a China ainda está longe de ser tecnologicamente independente”, confirma Meinhardt. “Graças ao enorme apoio estatal e aos investimentos privados, nos próximos anos ela deverá ter êxitos significativos em alguns subsetores. Contudo sua real independência está subordinada, entre outras coisas, a se e quanto serão enrijecidos os controles americanos de exportação, e se empresas chinesas sem acesso a tecnologias estrangeiras conseguirão compensar suas lacunas de know-how.”
“Vitória histórica sobre a pobreza”
Na assembleia do Congresso do Povo deverá ser mais uma vez celebrada a vitória no combate à pobreza, já anunciada em dezembro de 2020. Oficialmente, todos os municípios conseguiram libertar suas populações da pobreza absoluta – cujo limite, na definição chinesa, é de 4 mil yuans anuais ou 11 yuans (US$ 1,70) por dia, um pouco abaixo do mínimo oficial diário de US$ 1,90, estabelecido pelo Banco Mundial.
Como planejado, a derrota da pobreza coincide com o centenário da criação do Partido Comunista da China, em 1921. “Porém agora a questão é elevar a um padrão médio as centenas de milhões de chineses que vivem em regiões econômicas e condições de trabalho precárias, e combater a desigualdade crescente”, ressalva Grünberg, acrescentando: “Vão ser necessários mais investimentos em formação e incentivo aos postos de trabalho também fora dos centros urbanos, para se manter o padrão alcançado.”
O cientista político Wu Qiang, que trabalha em Pequim, argumenta de forma semelhante: em relação ao plano quinquenal, a questão será também “ordenar as relações de poder entre o governo central e as províncias, regulamentar a distribuição de recursos e compensar a discrepância regional no desenvolvimento econômico”.
Esse aspecto é também relevante para uma outra meta no topo da lista de prioridades da liderança chinesa: a transição da economia em direção à fabricação e produção de energia climaticamente neutras, uma vez que as amplas metas do Partido Comunista por vezes estão em conflito com as prioridades das províncias, onde novas usinas a carvão mineral continuam sendo conectadas à rede elétrica.
Por uma China verde
Segundo uma circular do Conselho Estatal de 22 de fevereiro, até o ano 2025 a almejada “transformação verde” da China deverá ter tomado uma “primeira forma” nos setores de manufatura, transportes e consumo. Até 2035, então, a “indústria verde” terá alcançado um nível totalmente inédito, com todos os ramos industriais de alto consumo de energia e danosos ao meio ambiente, do aço ao papel, convertidos à produção “verde”.
Os especialistas do Merics citam dois motivos para se levar a sério o anunciado “enverdecimento” da potência asiática: por um lado, só com uma economia sustentável a liderança comunista vê seu poder e legitimidade garantidos no longo prazo.
Além disso, o conflito comercial com os EUA evidenciou aos dirigentes chineses a necessidade de um abastecimento energético e alimentar sustentável, de fontes próprias. Em terceiro lugar, um investimento maciço na produção e consumo verdes representam para a China a perspectiva de se tornar líder mundial em tecnologia.
Perspectivas de endurecimento em Hong Kong
A política climática é o único setor em que Xi Jinping pode fazer amigos no âmbito internacional, pelo menos no Ocidente – ao contrário de sua conduta em Hong Kong, duramente criticada do outro lado do planeta.
Em junho de 2020, a Comissão Permanente do Congresso do Povo aprovou uma “lei nacional de segurança” para o território semiautônomo, e desde então cada vez mais ativistas pró-democracia têm sido levados a tribunal, acusados de infringir um ou vários quesitos da legislação.
No entanto parece que isso não basta para Pequim garantir seu controle sobre a metrópole financeira. Recentemente, o diretor do Escritório Estatal para Assuntos de Hong Kong e Macau, Xia Baolong, enfatizou que Hong Kong deve ser governado por “patriotas”.
Por isso, observadores como Wu Qiang supõem que esteja a caminho uma reformulação das leis eleitorais: “A derrota da ala pró-Pequim na eleição dos conselhos municipais, em novembro de 2019, chocou a liderança chinesa. Desde então, tenta-se impedir resultados desfavoráveis a Pequim, através de ingerências no sistema eleitoral.”
Tomando a pandemia como justificativa, a eleição do Legislative Council, o parlamento de Hong Kong, foi adiada em mais de um ano, até começo de dezembro de 2021, no mínimo. Diversos deputados já tiveram o mandato cassado devido a atividades de oposição.
Na sombra da pandemia
Através do isolamento rigoroso de focos de covid-19, além de proibições de ingresso e regras de quarentena rigorosas, a China tem conseguido manter num nível moderado o número de novos contágios com o coronavírus. Para a maioria da população, há muito a crise parece ter passado.
Na avaliação do especialista Wu Qiang, contudo, a pandemia segue sendo um grande desafio para o governo: “Nas últimas semanas, foram mais uma vez enrijecidos os controles nas estradas de acesso a Pequim, no âmbito dos preparativos para o encontro do Congresso Nacional do Povo. As medidas de proteção adicionais para os delegados mostram que é grande o medo de um novo surto.”
Antes de viajarem para a capital e durante sua permanência, os quase 3 mil delegados têm que se submeter a diversos testes PCR para detectar o coronavírus, e sua temperatura corporal é medida várias vezes ao dia. Eles praticamente só têm permissão para permanecer no hotel ou no local da assembleia, o Grande Salão do Povo. Foi “recomendado” que se vacinem contra a covid-19.