Internacional
Alemanha vai adotar um registro de lobby
Após longas divergências, Berlim estabelece mecanismo para identificar atividades de lobistas em seu parlamento e ministérios. No entanto, acordo entre partidos de coalizão deixa a desejar em termos de transparência
O coração de toda democracia é seu parlamento, o local onde os projetos legislativos são negociados e aprovados em lei, e onde deputados eleitos trocam ideias e debatem. No entanto, é também lá que os representantes de grupos de interesses do empresariado e da sociedade promovem seus assuntos, ou seja: onde o trabalho de lobby se realiza.
O lobismo faz parte de todo processo democrático. Para os trâmites legislativos, o setor político precisa da expertise das associações econômicas, sindicatos profissionais, ONGs e grupos religiosos. E os partidos da coalizão de governo da Alemanha decidiram que essa não deve ser uma atividade opaca de sala dos fundos.
Após longos debates, a conservadora União Democrata Cristã (CDU), da chanceler federal Angela Merkel, sua sigla irmã bávara União Social Cristã (CSU) e o Partido Social-Democrata (SPD), de centro-esquerda, decidiram estabelecer um cadastro de transparência, também denominado registro de lobby. No entanto ainda restam divergências sobre quão extenso ele deve ser.
Em nome da transparência
Um registro de lobby é um banco de dados publicamente acessível em que representantes profissionais de grupos de interesse devem se cadastrar antes de contatar agentes políticos. Vários países já adotam esse sistema.
No futuro registro de lobby da Alemanha, situado no Bundestag (câmara baixa do Parlamento), os lobistas deverão incluir seus nomes e detalhes sobre seus empregadores ou contratadores. Eles podem também incluir informações sobre o número de indivíduos envolvidos e suas despesas. Fornecer dados falsos ou deixar de se registrar será punível por multa.
Num esboço inicial do projeto, só teria que se identificar quem interagisse com membros do Bundestag. Em contrapartida, a atual versão aprovada pelos partidos de coalizão exige também informações sobre lobismo praticado nos ministérios. Embora representantes do governo tenham se declarado satisfeitos com essa forma, alguns detalhes ainda estão por esclarecer.
Mediano, na comparação internacional
Críticas mais severas partem de especialistas e cientistas políticos. “No todo, o acordo fica aquém das exigências das organizações e da sociedade civil, e, na comparação internacional com outros regulamentos de lobby, se situa em algum lugar no meio”, comentou à DW Maximilian Schiffers, politólogo da Universidade Duisburg-Essen.
Isso se deve ao fato de que, embora especificando quem entra e sai do parlamento e dos ministérios, o cadastro não provê informação sobre o setor de interesses em questão.
“Ele sequer aborda o problema que um bom registro de lobby pode resolver; vamos saber quem são os lobistas, mas não o que estão realmente fazendo ou com quem estão falando”, aponta Roman Ebener, da plataforma não partidária de internet Abgeordnetenwatch (Observatório de Deputados), que se engaja maior transparência política no país.
“Um lobista nem mesmo precisa se registrar, se apenas se encontrar com um assessor ou administrador, embora essa pessoa possa ser influente, pois se ocupa do assunto. Isso significa que influências ocultas continuam possíveis”, explica Ebener.
Vários outros países têm regras de transparência muito mais exigentes para lobistas, com o Canadá e os Estados Unidos entre os mais rigorosos. A Lei de Divulgação de Lobismo americana provê pena de prisão de até cinco anos e multas de até US$ 200 mil (168 mil euros), em caso de infração, enquanto a acordo alemão se limita a uma penalidade máxima de 50 mil euros.
A União Europeia também estabeleceu para si critérios elevados no tocante à transparência: tanto os comissários da UE quanto eurodeputados em posições-chave têm que divulgar online suas reuniões relativas a lobby, as quais são listadas de acordo com a lei a que se referem.
“Você pode simplesmente ir ao website [da UE], buscar ‘Acordo Verde’, por exemplo, e vai ver todas as organizações que tiveram atividades lobistas em relação ao acordo, inclusive suas posições e reuniões”, relata Schiffers. Ebener complementa: “A Alemanha poderia ter se orientado por países como os EUA, ou pelo registro de transparência da UE.”
Pegada legislativa pouco reveladora
Diante dos pontos fracos no proposto registro de lobby alemão, a Abgeordnetenwatch, Lobbycontrol o outras organizações exigem ajustes, como a obrigatoriedade de que os lobistas tornem públicos seus contatos políticos.
Outra exigência é a assim chamada “pegada legislativa”, que possibilitaria rastrear qual grupo de interesse desempenhou um papel na configuração de cada lei concreta. Isso permitiria aos cidadãos verem como as leis foram elaboradas e quais interesses foram levados em consideração.
Desde 2018, o governo alemão já tem obrigação de disponibilizar as assim chamadas “Leis de Vidro” (Gläserne Gesetze): nos sites dos ministérios é possível ler os esboços das leis, inclusive os respectivos posicionamentos das organizações lobistas envolvidas.
Isso não difere muito da ideia de uma pegada legislativa. No entanto, cada lei está registrada no site de cada um dos 15 ministérios competentes. Não há uma visão global, para garantir a transparência necessária a que as atividades lobistas sirvam à democracia, sem resvalar para formas ilegítimas.