Judiciário
Aplicação da Resolução nº 878/2020 da ANEEL para as unidades consumidoras comerciais que não prestam serviços essenciais
Corte de energia elétrica das unidades consumidoras comerciais durante a pandemia
No início da pandemia, a ANEEL publicou a Resolução nº 878, em 24/03/2020, que, dentre outras coisas, proibia o corte da energia elétrica das residências durante um período de 90 dias.
Superado mais de um ano do cotidiano pandêmico, continua se discutir a abrangência da Resolução nº 878/2020 da ANEEL. Nesse dilema, se questiona se as unidades consumidoras não apresentadas na lista presente no art. 2ª da referida Resolução seriam protegidas do corte de energia elétrica no período da vigência da norma. Sobretudo os consumidores que prestam serviços não essenciais, como os da classe B3 Comercial, entre outros.
Nesse texto de defende a possibilidade de proteção desses consumidores. A defesa é feita com base no princípio da continuidade do serviço público, da preservação da empresa, bem como ocorrência de caso fortuito/força maior. Ainda, baseada na teoria da imprevisão e teoria da onerosidade excessiva.
A Resolução normativa 878/2020 definiu em seu art. 2º a suspensão do fornecimento de energia por inadimplemento das seguintes unidades:
I – relacionadas ao fornecimento de energia aos serviços e atividades considerados essenciais, de que tratam o Decreto nº 10.282, de 2020, o Decreto nº 10.288, de 2020 e o art. 11 da Resolução Normativa nº 414, de 2010; II – onde existam pessoas usuárias de equipamentos de autonomia limitada, vitais à preservação da vida humana e dependentes de energia elétrica; III – residenciais assim qualificadas: a) do subgrupo B1, inclusive as subclasses residenciais baixa renda; e b) da subclasse residencial rural, do subgrupo B2; IV – das unidades consumidoras em que a distribuidora suspender o envio de fatura impressa sem a anuência do consumidor; e V – nos locais em que não houver postos de arrecadação em funcionamento, o que inclui instituições financeiras, lotéricas, unidades comerciais conveniadas, entre outras, ou em que for restringida a circulação das pessoas por ato do poder público competente.
A partir dessa redação já é possível identificar que a resolução pretendia dar amparo aos consumidores de maneira abrangente, não se resumindo aos apontados em seus primeiros incisos.
A interpretação do dispositivo em comentos deve ser feita de amparada nos princípios da preservação de continuidade do serviço público e preservação da empresa, bem como observando a ocorrência de caso fortuito e força maior.
Nos autos do Agravo de Instrumento nº 2069088-96.2020.8.26.0000, da 11ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP, é encontrada a decisão que esclarece que, para o enfrentamento dos efeitos da pandemia do coronavírus no país, a ANEEL aprovou um conjunto de medidas excepcionais a serem adotadas nos próximos 90 dias, para fins de preservação da prestação do serviço público de energia elétrica, culminando na Resolução nº 878/2020.
Entendendo, inclusive, que os serviços não essenciais estavam protegidos pela referida Resolução.
Sobre a preservação e a continuidade do serviço público, o juízo assim se manifestou:
“Nesse ínterim, ainda que se considere que no presente caso não se possa enquadrar a situação da consumidora nas hipóteses daquela portaria, é certo que a citada resolução condiciona o comportamento das concessionárias as quais deverão, no exercício de sua atividade, preservar a manutenção de serviço público. O fornecimento de energia elétrica constitui um serviço público indispensável, subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação.”
Há de se destacar ainda a ocorrência de caso fortuito/força maior na situação em comento.
De acordo com o art. 393 do Código Civil que, em caso de inadimplência, “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”.
A pandemia de covid-19, por conta da sua inevitabilidade, corresponde a situação prevista no art. 393 do Código Civil. Como resultado, impede o cumprimento das obrigações contratuais na forma originalmente convencionada.
É o que é encontrado na decisão nos autos do processo nº 0007434-71.2020.8.08.0024, da 2ª Vara Cível – Vitória, Tribunal de Justiça do Espírito Santo.
Seguindo esse trilho, o juízo deferiu parcialmente a tutela provisória pedida, no sentido de que a ré se abstivesse de realizar a suspenção do fornecimento de energia elétrica ao SC2 Shopping Cariacica Ltda, por conta do período pandêmico, com fundamento na Resolução nº 878 da ANEEL.
O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, possui entendimento firme no sentido de que a intervenção do Poder Judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, exige a demonstração de mudanças supervenientes nas circunstâncias iniciais vigentes à época da realização do negócio. O que ocorre na situação vivenciada hodiernamente.
Exige, ainda, que sejam oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) ou de evento imprevisível e extraordinário (teoria da onerosidade excessiva). No caso em comento, a ocorrência da Pandemia COVID 19.
Nesse mesmo sentido, a decisao do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que determinou a suspensão da decisão proferida no Agravo de Instrumento nº 0021504-62.2020.8.19.0000, para proibir o corte da energia elétrica em centros comerciais.
Bem falou sobre a peculiaridade dos dias atuais, com as seguintes palavras:
“Ante os motivos expendidos, embora a interrupção do serviço de energia constitua, em princípio, exercício regular de direito, o corte do fornecimento de serviços essenciais deve ser evitado durante o prazo de 90 dias, assinalado tanto na Resolução da ANEEL quanto na Lei Estadual nº 8.769 de 2020, em homenagem aos princípios constitucionais da intangibilidade da dignidade da pessoa humana e da garantia à saúde e à vida. Não se pretende, aqui, estimular a inadimplência dos usuários, até porque sabemos a necessidade de a concessionária arrecadar recursos para prestar à comunidade um serviço adequado, seguro e eficiente. Contudo, cuida-se de uma situação excepcionalíssima que, dada a sua própria natureza, precisa ser tratada de forma distinta.”
Dessa forma, é inquestionável a aplicação da Resolução nº 878 da ANEEL para os consumidores não residenciais, inclusive os comerciais que não prestam serviços essenciais.
Fonte: Jus Brasil