Internacional
“Isolar a Rússia a aproximaria da China”, diz ministro alemão
Chefe da diplomacia de Merkel, Heiko Maas explica por que não é de interesse da Alemanha isolar economicamente Moscou, apesar da atual crise na relação com o Ocidente
O ministro do Exterior da Alemanha, Heiko Maas, reconhece que o momento da relação do Ocidente com a Rússia é complicado. Segundo ele, a anexação da Crimeia pelos russos foi ilegal e não foi esquecida por Berlim; há tentativas claras vindas da Rússia de interferir na eleição deste ano na Alemanha; e a perseguição a opositores por Moscou incomoda bastante.
Mas isolar a Rússia com sanções econômicas, comenta o chefe da diplomacia de Angela Merkel em entrevista à DW, não é uma saída: isso apenas quebraria pontes de diálogo e jogaria os russos para os braços da China.
Isso inclui não usar como instrumento de pressão o multibilionário projeto Nord Stream 2, um controverso gasoduto através do Mar Báltico que transportará gás russo para a União Europeia.
“O isolamento econômico da Rússia teria o efeito geoestratégico de empurrar a Rússia e a China cada vez mais para perto uma da outra. E isso não é do nosso interesse estratégico. Poderia se tornar ainda mais difícil falar com a Rússia”, diz.
DW: Estamos atualmente observando tensões entre Washington e Moscou. Que tipo de escalada estamos testemunhando neste momento, com Biden chamando Putin de “assassino”, e Moscou convocando seu embaixador nos EUA?
Heiko Maas: Não é meu trabalho comentar todas as declarações feitas pelo presidente americano. Infelizmente, estamos vivendo atualmente um ponto baixo em nossas relações com a Rússia. Não queremos deixar a situação escalar mais. Acredito que deve haver também um interesse do lado russo de ter boas relações com os Estados europeus e a UE. Mas quando há incidentes como o que envolve Alexei Navalny, é preciso ficar claro para todos que, da perspectiva europeia, algo assim não ficará sem consequências.
Os EUA acusam a Rússia de ter interferido duas vezes de forma significativa nas eleições americanas. Na Alemanha, é ano de eleições. Você também teme tal interferência?
Em todo caso, estamos atentos. Também sabemos pelo relatório que o EEAS (Serviço Europeu de Ação Externa) apresentou recentemente em Bruxelas que a Alemanha é um dos principais alvos na Europa de campanhas de desinformação da Rússia, mas também para atividades cibernéticas. Estamos nos armando contra isso, mas é claro que esperamos que isso pare.
É completamente inaceitável que sejam feitas tentativas nesse sentido para exercer influência externa sobre os processos democráticos de outros países, como a Alemanha. Sabemos que existem tais tentativas de exercer influência através de desinformação direcionada ou ciberataques. E espero que a experiência adquirida em outros lugares no passado signifique que este não será o caso na campanha eleitoral na Alemanha. Nós nos manteremos muito vigilantes a esse respeito.
A Rússia quer lançar em breve uma estação de TV em língua alemã na Alemanha. Moscou está agora ameaçando Berlim com “duras contramedidas”, porque o canal RT Deutsch não estaria conseguindo abrir uma conta bancária na Alemanha. Que medidas você espera?
Não somos responsáveis pelas contas bancárias do Russia Today. Temos regras claras baseadas na liberdade de imprensa. Aqui, canais de notícias também podem fazer programas cujas notícias não parecem sensatas para a gente. Assumimos que, com base nos direitos de liberdade e liberdade de imprensa, o mesmo se aplique à liberdade da mídia na Rússia e que jornalistas alemães possam trabalhar sem impedimentos. A Rússia é um membro do Conselho da Europa. A liberdade de imprensa é uma das liberdades fundamentais com as quais a Rússia está comprometida dentro dessa estrutura. Fazemos isso aqui e esperamos que seja da mesma forma na Rússia.
Então os planos do Russia Today na Alemanha não seriam um problema?
Tal procedimento não é decidido politicamente, mas pelas autoridades competentes. A esse respeito, as discussões que estão acontecendo não são aquelas iniciadas por nós ou que surgiram por nossa iniciativa. Cumprimos as regras de liberdade de imprensa. Independentemente de os órgãos que atuam aqui como jornalistas produzirem ou não notícias que nos agradem.
Durante décadas, a Alemanha foi vista internacionalmente como uma ponte entre o Oriente e o Ocidente. Esse papel vem se esvaindo cada vez mais desde a anexação da Crimeia. Você acabou de cobrar novamente a devolução da península à Ucrânia. Qual é o plano exatamente?
A anexação foi e é claramente ilegal sob o direito internacional. Nossa posição é que ela deve ser revertida. Essa não é uma questão que possa ser resolvida militarmente, mas continuaremos deixando essa expectativa clara para a Rússia e agir de acordo com ela. Acredito que a Rússia também deve ter interesse em voltar a ter relações normais, particularmente com a Europa. E um passo importante para isso seria encontrar uma solução para o conflito no leste da Ucrânia.
O senhor realmente acredita que a península voltará algum dia à Ucrânia?
Essa é a nossa posição. Estou ciente de que esse será um caminho extraordinariamente difícil.
Mas a Rússia não atende a seus pedidos. Como no caso da libertação de Navalny. Não seria o caso de Nordstream 2 virar moeda de negociação para que algo aconteça?
As sanções devem ter o objetivo de contribuir para uma mudança de comportamento. Naturalmente, as sanções também estão associadas a uma declaração política no caso de eventos que não se quer aceitar sem consequências, como é o caso Navalny. Nossa posição no Nord Stream 2 é bem conhecida. Se as empresas envolvidas interromperem suas atividades, isso não teria que ter necessariamente um impacto concreto no caso Navalny. Não parece correto para a gente isolar economicamente a Rússia. O isolamento econômico da Rússia teria o efeito geoestratégico de empurrar a Rússia e a China cada vez mais para perto uma da outra. E isso não é do nosso interesse estratégico. Poderia se tornar ainda mais difícil falar sobre tais questões com a Rússia.
E quanto às sanções econômicas no caso de Belarus? Por que a Alemanha não impõe sanções realmente dolorosas ao regime de Lukashenko?
Concordamos que as sanções devem ser sempre decididas a nível europeu. Isso também se aplica ao caso de Belarus. Quando se trata de sanções, porém, devemos ter sempre em mente que estamos atingindo as pessoas certas e não a sociedade civil como um todo. Devemos, portanto, considerar também as consequências econômicas de tais sanções. É por isso que, no caso de Belarus, decidimos listar os responsáveis. Isso se aplica não apenas a Lukashenko, mas a todo seu aparato. E continuaremos por esse caminho.
A líder da oposição Sviatlana Tsikhanouskaya quer submeter o mandato de negociação entre o governo e a sociedade civil a uma votação online. O caminho certo?
As eleições de agosto passado foram manipuladas, portanto Lukashenko não tem legitimidade para governar o país. Nesse sentido, tal votação é uma boa proposta, que podemos apoiar plenamente. Há meses estamos pedindo um diálogo nacional que envolva a sociedade civil da maneira mais ampla possível. Uma oferta da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa), presidida pela Suécia, está sobre a mesa. Essa é a única saída realista para a crise política interna, mas Lukashenko tem que aceitá-la. O objetivo deve continuar a ser que os belarussos possam votar livre e justamente em seu governo, é o direito deles.
Se Lukashenko não é o presidente legítimo, quem ele é para o senhor?
Ele se agarra ao poder por meios ditatoriais e tripudia sobre nossos valores liberais. Ao fazer isso, ele é um infrator da lei. Ele está violando a lei de seu país e também a lei internacional.