Judiciário
Na crise militar de 77, Supremo foi testemunha das mudanças no governo
Geisel disse para o novo comandante do Exército, em 1977, bater continência para o presidente do STF
A demissão do ministro da Defesa e a renúncia dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica evocaram a lembrança da saída de Sylvio Frota do Comando do Exército durante a ditadura militar. A busca de alguma referência histórica, contudo, esbarra nas diferenças evidentes entre os episódios, a começar pela saída de todos os comandantes de uma só vez ou pelo fato de que, no passado, a crise foi debelada pelo presidente da República, Ernesto Geisel, enquanto no presente a crise nasceu no Palácio do Planalto. Há outras diferenças simbólicas que evidenciam como a Presidência da República se relaciona hoje de forma menos deferente aos demais poderes do que no passado.
No dia 12 de outubro de 1977, os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo receberam um telefonema do Palácio do Planalto. Os três – deputado Marco Maciel, senador Petrônio Portella e o ministro Thompson Flores – foram chamados pela manhã pelo presidente da República, Ernesto Geisel, a se dirigirem imediatamente ao Palácio.
Chegando lá, o primeiro impacto. Onde hoje estão os espelhos d’água que protegem a frente do Palácio, havia dois tanques. Ao adentrarem o prédio, mais sinais da crise instalada entre a Presidência da República e o Comando do Exército: vários soldados armados com metralhadoras.
Os presidentes da Câmara, Senado e Supremo sobem ao gabinete de Golbery do Couto e Silva, chefe do gabinete civil. Ali são avisados de que o presidente os aguardava. Os três foram levados para um dos salões do Palácio do Planalto. Por volta de 9h, a razão da reunião dos presidentes dos poderes chega: o general Sylvio Frota é chamado por Geisel e, na frente de todos, é demitido.
Frota e Geisel divergiam sobre os rumos da ditadura militar. Enquanto o primeiro era um representante da “linha dura”, o presidente da República trabalhava pela abertura política “lenta e gradual”. Frota mobilizou aliados no Congresso para fazer frente aos planos do governo. E por isso foi demitido por Geisel. Com testemunhas.
À tarde, os três são chamados novamente ao Palácio para a posse do substituto de Frota, o general Fernando Belfort Bethlem. Em cerimônia breve, o presidente fez um discurso de poucas linhas: “Desejo nessa oportunidade transmitir os meus votos de felicidade pessoal e o desejo de que cumpra sua missão, mantendo a união do Exército para o bem dessa importante instituição do País que, junto com a Aeronáutica e a Marinha, têm o pesado encargo de assegurar a nossa sobrevivência como nação no âmbito internacional e assegurar a ordem e a estabilidade dentro do País”.
Bethlem agradeceu o convite em também curto discurso. E recebeu as primeiras ordens de Geisel, conforme relatos pessoais que estão guardados na memória de quem viveu aquele momento. O presidente alinhara ao seu lado direito os presidentes do Senado, da Câmara e do Supremo. Encerrados os discursos protocolares, determinou que Bethlem jurasse cumprir a Constituição e que batesse continência aos presidentes dos demais poderes. Numa clara demonstração de apreço do presidente da República pelos presidentes e instituições de Estado.
Dias depois de sua posse, o general Bethlem faz uma visita de cortesia ao presidente do STF. E logo no mês seguinte, em gesto inédito, Geisel foi ao tribunal para assistir à sessão solene em comemoração dos 150 anos do STF, acompanhado de todo o seu ministério.
Voltando ao presente. Nos próximos dias, o novo ministro da Defesa, general Braga Netto, deve visitar alguns dos ministros do Supremo com a intenção de comunicar os fundamentos que movem as Forças Armadas e de reafirmar o cumprimento do papel constitucional. Alguns dos ministros não estarão em Brasília. Na semana passada, as primeiras explicações para a troca de todo o comando militar foram prestadas pelo demissionário Fernando Azevedo. Os presidentes da Câmara e do Senado, ao contrário, foram avisados das mudanças com antecedência. Bolsonaro só fez contato com o tribunal depois do fato consumado e das dúvidas pairarem no ar.
*A coluna ExCelso é um espaço para lembrarmos e discutirmos a história do Supremo Tribunal Federal por meio de imagens, documentos, entrevistas, livros. A coluna é publicada semanalmente e traz em seu nome uma referência ao ex-ministro Celso de Mello, que atuou como a memória do tribunal durante seus anos como decano. Quem assistia às sessões se acostumou às suas referências que, não raro, iam até o Império e às Ordenações Filipinas, do século XVI.