Segurança Pública
O Sistema Prisional: um claro sintoma da falência do Estado brasileiro
Uma breve análise por meio do Direito Comparado
O Brasil alcançou recentemente mais algumas marcas, mas não temos o que comemorar. Passou a ser o terceiro país com a maior população carcerária do mundo [1]. Além de ser um dos mais desiguais socioeconomicamente [2]. Apesar disso, por aqui é comum o argumento de que no país se prende pouco. Este seria o grande problema.
Contudo, se utilizarmos como embasamento os dados e os fatos, esse argumento levantado por alguns especialistas e uma parcela da sociedade ficaria insustentável. Como podemos prender pouco e ter uma população carcerária maior que a de países com cinco vezes mais habitantes, como é o caso da Índia. Podemos observar que tal premissa não condiz com a conclusão que a realidade nos impõe.
As constates campanhas pelo recrudescimento das penas e a criação ad aeternum de normas penais incriminadoras ainda possuem a adesão de muitos, sob a justificativa de que esses seriam os motivos pelo alto índice de criminalidade e violência no país. Mas será esse o problema ou trata-se apenas de mais uma forma de encobrir e desviar a atenção da sociedade sobre as suas reais causas.
Não é novidade para aqueles que atuam no âmbito do sistema de justiça criminal que as cadeias são parcialmente controladas por organizações criminosas. Isso mesmo. Quando um indivíduo ingressa no sistema prisional ele precisa dizer a qual facção pertence, se não for membro de nenhuma ele vai para o “seguro” (onde costuma ficar os presos não aceitos pelas facções), que não é tão seguro assim e em muitos casos acaba sendo induzido a dizer que simpatiza com alguma fação, pois dessa forma receberá a segurança dos seus membros no presídio [3].
Prefere-se a segurança do crime que à oferecida pelo Estado. O risco para o apenado, em muitos casos, acaba sendo menor sob a tutela de uma organização criminosa dentro do sistema carcerário – o que acaba servindo como um negócio e tanto para essas organizações, que ficam cada vez maiores dentro e fora das prisões. O que acontece nos presídios é um microrreflexo do que ocorre na sociedade.
Ocorre que no ordenamento jurídico pátrio, orientado fundamentalmente pelos princípios constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana, Preservação dos Direitos Humanos e, pelo artigo 5.6 do Pacto de São José da Costa Risca [4] – Convenção Americana de Direitos Humanos da qual o Brasil é signatário, tendo a ratificado -, um dos objetivos primordiais da pena é a sua função ressocializadora. Contudo, todos nós sabemos que essa é a primeira de muitas normas violadas dentro do sistema prisional.
No Direito Comparado
Países com penas elevadas para as infrações, muitos com pena de morte e prisão perpétua, não são os mais seguros (vide a taxa de homicídio dos EUA) [5]. Já nos menos violentos, muitos possuem penas mais brandas, e não é por isso que as pessoas saem delinquindo.
Podemos citar como exemplo emblemático o caso da Noruega, em que o neonazista Anders Breivik, que matou setenta (70) pessoas ligadas à esquerda norueguesa (o fato ocorreu em um acampamento da juventude do partido trabalhista), recebeu a pena máxima de prisão daquele país, ou seja, 21 anos [6]. Isso mesmo! Agora eu indago: na Noruega o máximo que alguém pode ficar preso é por 21 anos (praticamente a metade do tempo do Brasil), e qual é a taxa de homicídios e criminalidade por lá? Zero em 2016. Isso mesmo, zero (0)! [7]
Isso serve para exemplificar o quão raso é o argumento de que basta a criação de novos tipos penais e a rigidez das penas expressas em lei, para que um país deixe de ser violento. O problema reside em outro lugar e é uma questão muito mais sociológica que jurídica.
A ausência desses elementos em que uma suposta falta de rigidez seria a causa do problema, não sendo este o caso do Brasil, já que por aqui temos um elevado índice de apenados e de leis penais, não faz com que as pessoas deixem ou não de cometer crimes e homicídios.
A Noruega além de estar entre os países mais seguros do planeta, está também ente um dos menos desiguais socialmente. Já por aqui sabemos a tragédia que vivemos, podemos considerar um extermínio, que tem vítimas com endereço certo e cor [8].
Além de estarmos entre os países com as maiores taxas de homicídio, também estamos entre aqueles mais desiguais. Pode parecer clichê para alguns, mas trata-se apenas de um fato concreto. Seria alguma coincidência o índice de homicídios estratosférico em nações mais desiguais, enquanto naquelas com menor desigualdade os homicídios intencionais chegam a ser reduzidos à quase zero.
Lembrando que com a desigualdade, vem junto a falta de uma educação de qualidade para a maioria da população, o elevado desemprego e a falta de oportunidades, o que já ficou evidenciado pela criminologia como um dos fatores determinantes para a elevada criminalidade urbana. E muitos crimes, grande parte não violentos (tráfico de drogas privilegiado e furto, no Brasil, são uns dos mais comuns), acaba fazendo com que criminosos de baixa periculosidade adentrem ao sistema prisional com o encarceramento em massa ocorrido por aqui e acabem convivendo com criminosos de maior periculosidade, servindo assim de “presa fácil” para o recrutamento por organizações criminosas.
Qual é o caminho?
Desse modo, querer resumir o problema da violência e da segurança com a suposta falta de leis mais rígidas ou de mais prisões, não passa de um grande equívoco, para não dizer uma falácia.
Contudo, essa solução mágica mexe com o imaginário popular que vive eternamente refém do medo. Isso gera um enorme prejuízo à sociedade, mas beneficia a uns poucos. Especialistas que prometem soluções fáceis e, muitas vezes irreais, para problemas complexos, políticos que ganham votos com tais promessas, o sistema de persecução penal que movimenta a sua máquina por meio desse ciclo vicioso sem fim, são alguns dos beneficiados, e o problema nunca é solucionado, pelo contrário, a cada ano a situação se agrava ainda mais.
Enquanto os dirigentes do Estado pregarem, unicamente, como solução para o problema da violência e criminalidade essas ilusórias propostas, enquanto a população em geral não couber dentro do orçamento e as políticas e direitos sociais constitucionalmente expressos na Carta Maior forem preteridos, o que contribui diariamente para a violação do princípio basilar do mínimo existencial, enquanto não existir dignidade, educação, saúde e emprego, a verdadeira segurança para a sociedade continuará sendo mera promessa de campanha. Por conseguinte, o Brasil continuará insistindo em permanecer neste limbo.
Referências:
[1] < Conectas – Brasil é o país com 3ª maior população carcerária>
[2] < Desigualdade de renda no Brasil de 2012 a 2019 – Dados (uerj.br)>
[4] < D678 (planalto.gov.br) >
[6] < Entenda por que Breivik foi condenado a 21 anos de prisão (terra.com.br)>
[7] < Globo Repórter – Noruega tem criminalidade zero e é um dos melhores lugares para viver>
[8]< Taxa de homicídios no Brasil é cinco vezes maior que a média global – CartaCapital>