CIÊNCIA & TECNOLOGIA
Yuri Gagarin: os perigos ocultos no primeiro voo tripulado ao espaço há 60 anos
Em sua pequena nave, com pouco mais de um metro e oitenta de diâmetro, Yuri Gagarin (1934-1968) partiu para a viagem que seria a primeira de um ser humano ao espaço sideral.
Gagarin ia mais como passageiro do que como cosmonauta. Naquela época, o “piloto” não conseguia nem tocar nos controles da nave.
De acordo com uma transcrição da comunicação com o controle de solo, Gagarin ficou impressionado com a visão da janela da cápsula, mencionando a “bela aura” de nosso planeta e as sombras surpreendentes lançadas por nuvens na superfície da Terra.
A viagem de Gagarin ao espaço em 12 de abril de 1961, exatamente 60 anos atrás, foi uma vitória da extinta União Soviética (URSS) sobre os Estados Unidos na corrida espacial. E seu retorno à Terra foi um triunfo inegável.
Mas, para fazer história, Gagarin enfrentou um desafio perigoso que exigia uma coragem imensa.
Ele partiu para o espaço, um lugar misterioso e praticamente desconhecido na época, em uma nave que não tinha controles de resgate.
Na época, ninguém confiava na segurança de foguetes, espaçonaves, controles e sistemas de comunicação, ou mesmo que os humanos poderiam sobreviver no espaço.
“Se a espaçonave Vostok fosse apresentada aos cientistas hoje, ninguém concordaria em lançar algo tão improvisado ao espaço”, diz o engenheiro Boris Chertok quase meio século após a missão, em seu livro Rockets and People (Foguete e Pessoas, em tradução livre para o português).
“[Naquela época] assinei documentos afirmando que tudo me parecia bem e que garantia a segurança da missão. Nunca teria assinado isso hoje. Ganhei muita experiência e percebi o quanto corremos riscos”, acrescenta.
Falhas
O veículo de lançamento Vostok, no qual a espaçonave de mesmo nome foi instalada, era baseado no foguete R-7, um ICBM (míssil balístico intercontinental) de duas fases lançado pela primeira vez em agosto de 1957.
Nesse mesmo ano, o Sputnik 1, o primeiro satélite terrestre artificial, foi transportado no R-7.
O design do foguete teve muito sucesso — os mísseis desta família continuam sendo os únicos na Rússia para voos espaciais tripulados. Embora esteja desatualizado, ele se mostrou confiável para colocar espaçonaves em órbita.
No entanto, em 1961, as coisas eram bem diferentes.
“Pelos padrões modernos de segurança de foguetes, não tínhamos motivos para ser otimistas antes de 1961. Tivemos pelo menos oito lançamentos consecutivos naquele ano”, disse Chertok em seu livro.
“[Mas] dos cinco lançamentos de satélites em 1960, quatro conseguiram decolar. Destes, apenas três conseguiram sair da órbita da Terra e apenas dois pousaram. E dos dois que retornaram à Terra, apenas um pousou com normalidade”.
O primeiro lançamento do programa Vostok foi em 15 de maio de 1960, menos de um ano antes da missão de Gagarin. A bordo do navio satélite estava um boneco apelidado de Ivan Ivanovich.
A espaçonave deixou a órbita da Terra, mas não voltou. Seus sistemas de orientação falharam.
Em 19 de agosto, os cães Belka e Strelka voaram para o espaço e voltaram, naquele que foi o único lançamento com sucesso em 1960.
As tentativas posteriores tiveram menos sucesso.
Em 1º de dezembro, outro lançamento, também transportando cães, Mushka e Pchelka, não conseguiu retornar em sua trajetória calculada e começou a descer para fora das fronteiras da URSS.
Toda a nave foi destruída, com os animais a bordo, para evitar que outros países obtivessem tecnologia soviética.
‘Quase perfeito’
Durante o voo de Gagarin em 12 de abril de 1961, o foguete funcionou quase perfeitamente. Mas não há insignificâncias na tecnologia espacial e esse “quase” poderia ter custado a vida ao cosmonauta russo.
Entre muitas falhas técnicas, sua espaçonave entrou em órbita em uma altitude maior do que o esperado.
Ela tinha freios, mas se não funcionassem, Gagarin teria que esperar a espaçonave descer por conta própria antes de retornar à Terra.
Embora a Vostok tivesse oxigênio, comida e água por mais de uma semana, a altitude que atingiu faria com que a nave demorasse mais para começar a descer.
Gagarin provavelmente teria ficado sem suprimentos e morrido. Felizmente, os freios funcionaram.
Então, os cabos que conectam a cápsula espacial ao módulo de serviço não foram separados antes do retorno de Gagarin à Terra. Assim, a cápsula de Gagarin inesperadamente arrastou um módulo adicional ao pousar.
As temperaturas na cápsula ficaram perigosamente altas e Gagarin girou freneticamente, quase perdendo a consciência.
“Estava em uma nuvem de fogo caindo em direção à Terra”, lembrou o cosmonauta mais tarde. Demorou 10 minutos antes de os cabos finalmente queimarem e o módulo de descida, que continha seu passageiro humano, se soltar.
Gagarin saltou antes que sua cápsula atingisse o solo, caindo de paraquedas para uma aterrissagem segura perto do rio Volga.
Isso violou a exigência da Federação Aeronáutica Internacional (FAI) de que os astronautas e cosmonautas devem pousar na espaçonave; caso contrário, o voo para o espaço não conta.
As autoridades se recusaram a admitir que Gagarin não viajou os últimos quilômetros até o solo em sua nave.
Seus registros de voos espaciais foram certificados pela FAI, que também mudou suas regras para reconhecer que os passos importantes eram o lançamento seguro, sua passagem pela órbita e o retorno do piloto.
Um cosmonauta moderno faria isso?
O serviço russo da BBC perguntou a três cosmonautas russos se eles voariam para o espaço na espaçonave Vostok no estado em que se encontrava em 1961.
Pavel Vinogradov, que viajou ao espaço três vezes em 1997, 2006 e 2016, disse que voaria apesar de todo o perigo, mas apenas por causa de sua natureza aventureira.
No entanto, Gagarin estava em uma posição diferente, diz ele, e é improvável que estivesse ciente de todos os riscos envolvidos.
“Você tem que entender quais eram os meus conhecimentos quando voei pela primeira vez”, diz Vinogradov. “Sou engenheiro, sei muito. Gagarin provavelmente não sabia de tudo isso.”
Mikhail Kornienko, que voou ao espaço duas vezes em 2010 e 2015, diz que com certeza teria voado em 1961 no lugar de Gagarin, mas não faria o mesmo agora sabendo que o risco era extremamente alto.
“Tenho certeza de que qualquer pessoa teria entrado naquela nave em seu lugar”, diz o cosmonauta.
Sergei Ryazansky voou duas vezes ao espaço e observa que o primeiro corpo de cosmonautas recrutou pilotos de caça militares, pessoas disciplinadas dispostas a sacrificar suas vidas pela pátria.
Os primeiros cosmonautas eram jovens, diz ele.
“Provavelmente, se tivesse essa idade, devido ao meu desejo de aventura, eu concordaria [em voar para o espaço na espaçonave Vostok]. Agora, é claro, eu não faria. Tenho quatro filhos e uma responsabilidade com minha família”, reflete Ryazansky.
Voar para o espaço é assustador, mesmo agora, lembra ele.
“Uma pessoa normal tem medos. E isso é bom. A pessoa se torna mais serena, mais atenta e mais responsável.”
‘Nossas vidas mudaram para sempre’
Filho de camponeses, Gagarin ascendeu a um espaço desconhecido e voltou como o homem mais famoso do planeta.
Seu voo o tornou um herói nacional e celebridade mundial, e mais tarde viajou extensivamente para promover as conquistas da União Soviética, para a então Tchecoslováquia, Bulgária, Finlândia, Reino Unido, Islândia, Cuba, Brasil, Canadá, Hungria e Índia.
No Brasil, último destino de sua passagem pelas Américas, realizada apenas três meses após seu feito, Gagarin esteve por seis dias, entre Rio de Janeiro e São Paulo. Sua visita mobilizou multidões e foi parte do esforço do governo de Jânio Quadros em restabelecer as relações diplomáticas com a URSS. Os laços foram reatados em dezembro de 1961, já no governo de João Goulart.
“Isso significou, é claro, que nossas vidas mudaram para sempre”, explicou Elena Gagarina, a filha mais velha de Gagarin, quando falou à BBC em 2011 sobre o status de celebridade do pai.
“Foi extremamente difícil para meus pais ter uma vida privada. Eles tiveram muito poucas oportunidades de ficar juntos em uma vida privada depois do voo”, disse ela na ocasião.
“Mesmo que planejasse algo para si mesmo, estava cercado de pessoas que queriam vê-lo, falar com ele e tocá-lo. Ele percebeu que fazia parte do seu trabalho e não podia recusar”, continua.
Embora Gagarin desejasse voar novamente, foi proibido de fazê-lo novamente devido ao seu status de herói nacional.
Passou, então, a treinar vários outros cosmonautas e se matriculou no prestigioso Instituto Zhukovsky de Engenharia Aeronáutica.
Gagarin se formou com louvor em fevereiro de 1968.
Em março do mesmo ano, em um voo de teste de rotina em um MIG-15, seu avião caiu, matando ele e seu copiloto.
Gagarin tinha 34 anos.
bbc