Judiciário
A questão dos mandatos cruzados e a posição do STF
A QUESTÃO DOS MANDATOS CRUZADOS
A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou favorável à manutenção do foro privilegiado para deputados e senadores nos casos em que ocorre o chamado “mandato cruzado”.
Os ministros julgam no plenário virtual um recurso do senador Márcio Bittar (MDB-AC) que questiona decisão da ministra Rosa Weber que enviou para a primeira instância uma investigação sobre o suposto uso irregular da cota parlamentar dele enquanto era deputado federal.
A maioria do Supremo seguiu o voto do ministro Edson Fachin, que discordou do entendimento da relatora do caso, a ministra Rosa Weber. Segundo o ministro Fachin, se um deputado investigado virou senador, o foro segue no Supremo Tribunal Federal, conforme o G1 – Política.
O ministro deixou expresso no voto que isso só vale para mandatos no Legislativo Federal, não sendo aplicado, por exemplo, se um deputado estadual vira deputado federal.
Fachin afirmou que “havendo interrupção ou término do mandato parlamentar, sem que o investigado ou acusado tenha sido novamente eleito para os cargos de deputado federal ou senador da República, exclusivamente, o declínio da competência é medida impositiva”.
Os ministros Alexandre de Moraes, Nunes Marques, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski seguiram Fachin.
O ministro Moraes afirmou que o “investimento imediato em novo mandato parlamentar federal, seja pela reeleição para a mesmo cargo, ou por nova eleição para Casa legislativa diversa, impõe a manutenção da competência desta Suprema Corte, para o processo e julgamento dos membros do Congresso Nacional, pois, nessas hipóteses as sucessivas diplomações não alteram o foro competente”.
O ministro Nunes Marques disse que “a manutenção do foro, tal como existia à época dos fatos, é uma das garantias mínimas que se deve conferir ao parlamentar, sendo irrelevante para tal que ele tenha mudado de Casa legislativa, ou que esteja em outro mandato e/ou em outro cargo desde que também seja de parlamentar e que não haja interrupção de exercício entre eles, posto que, assim sendo, não deixou de exercer as atribuições de parlamentar em momento algum”.
Os ministros Rosa Weber, Roberto Barroso e Marco Aurélio Mello votaram em sentido diverso. A ministra Rosa Weber defendeu que o foro privilegiado é encerrado quando o agente público passa a ocupar cargo ou exercer mandato eletivo distinto daquele que originalmente atraiu a competência do Supremo.
A grande discussão levantada tanto pela defesa de Flavio Bolsonaro quanto pela PGR é sobre “mandatos cruzados” ou “mandatos prolongados”, quando um político passa de um cargo para outro em eleições seguidas, que não estariam tratados na decisão do Supremo. “Da mesma forma que não há definição pacífica do Supremo Tribunal Federal sobre ‘mandatos cruzados’ no nível federal, também não há definição de ‘mandatos cruzados’ quando o eleito deixa de ser representante do povo na casa legislativa estadual e passa a ser representante do Estado da Federação no Senado Federal (câmara representativa dos Estados federados)”.
O STF, no entanto, por meio de questão de ordem na Ação Penal 937, decidiu que: 1) a prerrogativa de foro se limita aos crimes cometidos no exercício do cargo e em razão dele; 2) a jurisdição do STF se perpetua caso tenha havido o encerramento da instrução processual – leia-se: intimação das partes para apresentação das derradeiras alegações – antes da extinção do mandato.
Em seu voto, o min. Luís Roberto Barroso sustentou que o sistema do foro por prerrogativa até então adotado, que admitia toda e qualquer infração penal cometida pelo parlamentar, mesmo antes da investidura no cargo, era altamente disfuncional, muitas vezes impedindo a efetividade da justiça criminal, o que acabava criando situações de impunidade que contrariavam princípios constitucionais como equidade, moralidade e probidade administrativa, abalando portanto valores republicanos estruturais.
Mas, a matéria ganhou novos rumos de entendimento.
Examinando a posição do STF, após o julgamento da AP 937, o procurador-geral da República destacou que há decisões conflitantes com relação a matéria dos chamados mandatos cruzados.
Dou como exemplo o INQ (Inquérito) 4.342-QO (Questão de Ordem), Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, julgamento iniciado em Sessão Virtual de 06 a 13.11.2020, suspenso por pedido de vista. Questão de Ordem para assentar a prorrogação da competência criminal originária do Supremo Tribunal Federal exclusivamente nos casos de mandatos cruzados de parlamentar federal, ou seja, quando investido em mandato em casa legislativa diversa daquela que deu causa à fixação da competência originária, nos termos do art. 102, I, b, da Constituição Federal, sem solução de continuidade.
Em manifestação anterior, o ministro Gilmar Mendes, aduziu em voto escrito apresentado na QO na AP nº 937:” Tampouco resta claro como ficará o entendimento em relação à sucessão de cargos públicos. Como ficam os processos em caso de reeleição? E em caso de assunção de outro cargo? Se um Deputado Federal respondendo a ação penal é eleito Prefeito, o STF enviará os autos à primeira instância ou ao Tribunal de Justiça? Uma acusação por atos de Governador, posteriormente eleito Senador, é remetida a qual instância?”
Em 08/05/2018, em julgamento conduzido pela Segunda Turma da Suprema Corte, pertinente ao Inquérito nº 4.118 (DJe de 05/09/2018), se definiu que a reeleição pode constituir motivo idôneo para a prorrogação de regra e foro diferenciado, conforme se extrai da seguinte manifestação do Ministro Edson Fachin, que oficiou como Relator daquela causa e disse: carreada neste inquérito pela ilustre Procuradora-Geral da República, visto que esta Turma acaba, portanto, de, ao concluir o julgamento desse inquérito, afirmar a sua competência para processar e julgar crimes que são imputados numa determinada denúncia, no caso, esta, praticados em uma legislatura por deputado federal, e que vem a exercer, por força de reeleição, novo mandato de deputado federal. Portanto, prejudicada a questão suscitada pela ilustre Procuradora-Geral da República. E, assim, anunciado também, este prejuízo com resultado do julgamento do Inquérito 4.118.
Posteriormente observo que solução no mesmo sentido a entender sobre a possibilidade de prorrogação de foro por prerrogativa de função em hipótese de reeleição veio a ser decretada no âmbito do RE nº 1.253.213, também julgado na Segunda Turma, tendo recebido a seguinte ementa: Agravo regimental no recurso extraordinário. 2. Constitucional e Processual Penal. 3. Nos casos de delito cometido por prefeito no exercício e em razão do cargo, a competência será do Tribunal de Justiça, quando, cessado o mandato no qual os crimes foram praticados, houver continuidade pela reeleição consecutiva. Precedentes. 4. Agravo improvido.(REnº 1253213 AgR, Relator Ministro Gilmar Mendes, Órgão julgador: Segunda Turma; Julgamento em15/04/2020; Publicação em24/04/2020).
É certo que na seara das normas de competência, sobretudo as de implicação penal, a prática predominante no Supremo Tribunal Federal tem sido orientada por uma visão de direito estrito (ver, p.ex., ACO nº 1315 AgR, Pleno, Relª. Minª. Rosa Weber, DJe de 11/02/2016; e AP nº 666 AgR, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 07/06/2013), o que significa aplicar exatamente o que veiculado no texto ou nos julgamentos paradigmáticos.
Venceu , no confronto de ideias, a posição invocada pela AGU, em pronunciamento na ADI nº 6477,no sentido de que deve prevalecer a mensagem normativa mais próxima da textualidade da Constituição, e não uma proposta de recolhimento de sentido. Assim não caberia falar numa interpretação estrita da Constituição em prol do princípio republicano. Ficou evidenciado pelo STF um entendimento em prol do mandato do parlamentar, em seu beneficio, pela prerrogativa de foro, diante de “mandatos cruzados”.
Os “mandatos cruzados” dizem respeito, por exemplo, à situação de políticos que trocaram de cargos, como a petista Gleisi Hoffmann (PR) e o tucano Aécio Neves (MG), que deixaram a cadeira de senador para assumir uma vaga de deputado na Câmara. No caso de Flávio Bolsonaro, o filho do presidente da República emendou um mandato de deputado estadual com um de senador.
Trata-se de um “mandato cruzado”: situação de um parlamentar que deixa de ocupar o cargo
AUTOR:
Rogério Tadeu Romano – Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.