CIÊNCIA & TECNOLOGIA
Tecnologia e linguagem escrita
Não há tempo a perder e a velocidade é medida que se impõe à maioria das pessoas. Talvez até a etiqueta digital já seja old-fashioned; escreve-se muito pouco e muitos sequer conseguem escrever uma simples oração que tenha sentido lógico
De há muito venho externando preocupação acerca do discurso jurídico materializado em extensas manifestações judiciais, mais especificamente no que diz com a linguagem escrita e a maltratada Língua Portuguesa. Há poucos dias publiquei um pequeno texto acerca de ferramentas digitais que já estão em prática – visual law – e expus meu particular ponto de vista a respeito[1] [2].
Entrementes, o que se verifica, infelizmente, é que, em decorrência das grandes e inegáveis alterações advindas com a era tecnológica, a linguagem, notadamente a escrita, vem perdendo terreno num mundo cada vez mais conectado e otimizado; importante é a informação atual e o aspecto visual.
No campo jurídico, a situação é mesma, ou seja, a forma de se dirigir ao juízo, mediante manifestação escrita, vem sendo alterada, deixando-se de lado, em várias situações, a argumentação jurídica sólida e coerente. A objetividade talvez está sendo confundida com desnecessidade de se esclarecer o que realmente é materializado na pretensão; impera a retórica, mas não o discurso linear.
O deslocamento da escrita no papel para as telas de computadores, aparelhos celulares e outros instrumentos é algo sem volta; jornais impressos rarearam e quiçá as revistas impressas se podem tornar objetos raros. O que se depreende é que a forma de se comunicar, no que se refere à linguagem escrita, mudou muito, porquanto o mundo pós-moderno, em tempos de crise sanitária, exige célere comunicação[3] e as práticas mundanas impuseram, por assim dizer, a alteração dos rumos, ao menos na linguagem escrita.
O uso correto da ortografia talvez esteja fora da realidade, ou relativizado, talvez porque o mundo virtual exige rapidez, fácil e direta comunicação até no modo de externar o pensamento; impera o minimalismo na escrita. De fato, transformar linguagem oral em linguagem escrita é algo não alcançável a significativa parcela da população. Há déficit de linguagem escrita.
Escrever à mão é coisa do passado, alguns poderiam afirmar; tomar da pena, mergulhá-la na tinta da prudência e fazer com que deslize no papel é algo surreal; muitos não fazem ideia do que seja papel mata-borrão e papel carbono. As ferramentas digitais de texto, ao alcance de significativa parcela da população, varreram alguns instrumentos de escrita, tidos, invariavelmente, como obsoletos.
Este fenômeno pós-moderno trouxe formidável revolução na arte de escrever, mas não se pode deixar de lado que tais ferramentas digitais de fato corrigem determinados erros de escrita, mas de forma alguma trazem repertório de palavras, referencial teórica e a bagagem de leitura de quem digita. O conteúdo colocado no papel ou na tela do computador, ao menos até o presente momento histórico (tudo pode mudar a qualquer momento) ainda vem do cérebro humano; é dele que vem todo o pensamento materializado.
Não há tempo a perder e a velocidade é medida que se impõe à maioria das pessoas. Talvez até a etiqueta digital já seja old-fashioned; escreve-se muito pouco e muitos até nem sequer conseguem escrever uma simples oração que tenha sentido lógico. No âmbito jurídico, não raro se vê petições com discurso teórico totalmente distante da realidade e também não raro se utiliza da falácia do espantalho, sendo que a dialética é colocada de lado, imperando a argumentação para convencimento do auditório, com base em aparente “verdade”, sem descuidar, claro, do sofisma e falsos silogismos. Triste realidade.
De fato, o mundo pós-moderno vive plúmbeos e difíceis tempos.
[1] https://jus.com.br/artigos/90166/breve-ensaio-sobre-a-pos-modernidade-e-o-recurso-visual-visual-law-na-comunicacao-juridica. Acesso: 29/04/2021.
[2] https://jus.com.br/artigos/89997/maltratada-lingua-portuguesa.Acesso: 29/04/2021.
[3] As abreviaturas de palavras e frases que o digam. O mundo da internet tem linguagem própria, inexoravelmente própria, particularíssima e às vezes os mais antigos não conseguem compreender; as interpretações equivocadas do que foi escrito são realidade, imperando clima beligerante. Não se olvide, por outro lado, que a realidade vivenciada por algumas escolas norte-americanas é no sentido de adotar a escrita digital e a letra de forma; a letra cursiva pode também estar fora de moda, ao menos em determinados lugares dos Estados Unidos.
Autor
- Carlos Roberto Claro – Advogado em Curitiba, atuando na área de reestruturação e recuperação empresarial, bem como em falência e insolvência civil. Especialista em Direito Empresarial; Mestre em Direito. http://lattes.cnpq.br/5264249545377944