Internacional
Cabo Delgado: Qual é o “preço” de um apoio militar do Ruanda?
O Ruanda pode estar perto de apoiar Moçambique a combater o terrorismo em Cabo Delgado. “Negócio” levanta questionamentos, mas o interesse de Maputo também é considerado “natural”, dado o poderio militar do Ruanda
Quando é mais do que sabido para o mundo inteiro que Maputo carimbou o “não” a uma intervenção militar estrangeira em Cabo Delgado, o Presidente de Moçambique elegeu Kigali para pedir ajuda. Filipe Nyusi pretere os seus vizinhos e parceiros africanos considerados tradicionais para ir buscar socorro mais longe.
O pesquisador norte-americano Joseph Hanlon afirma que “de momento, não há nenhuma relação, mas sabemos que recentemente Nyusi esteve em Kigali. E dez dias depois, uma missão militar ruandesa de reconhecimento esteve em Pemba [na primeira quinzena de maio]. Ele está claramente à procura de forças militares”.
Um “troca de favores” pouco convencional pode estar a acontecer, segundo leitura de Hanlon que sublinha: “A única coisa que sabemos é que o [Presidente Paul] Kagame tem permissão para matar os seus dissidentes em Moçambique. Um jornalista ruandês refugiado em Moçambique foi sequestrado. Isso parece um negócio porque historicamente o Ruanda nunca teve interesses em Moçambique”.
Famosa ala castrense ruandesa é um atrativo
Há cerca de duas semanas, Ntamuhanga Cassien foi levado por cerca de 8 desconhecidos e até hoje não se sabe do seu paradeiro. Nos últimos anos, ruandeses dissidentes residentes em Moçambique têm sido liquidados sem deixar pistas. O dedo acusador está virado para Paul Kagame, mas Maputo parece preferir olhar noutra direção: o potencial militar do Ruanda.
André Thomashausen, especialista alemão em direito internacional, recorda que “o Ruanda é conhecido como um país que tem dispositivos militares e de segurança dos melhores em África, bem equipados e bastante disciplinados”.
E por isso desconfia que Kagame vai ajudar Nyusi: “É natural que Moçambique tenha ido atrás do Ruanda para ver se eles poderão emprestar um contingente de homens, que possam, sob um comando moçambicano, claro, apoiar o esforço da manutenção da segurança. E parece que isso vai acontecer”.
Uma chapada para a SADC?
Em finais de abril, quando Nyusi visitou Kigali, afirmou que buscava a experiência do Ruanda no combate ao terrorismo e extremismo violento na África Central ao lado das forças da ONU. Pese embora a organização regional a que pertence, a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), não tenha experiência nenhuma nesse tipo de combate, não será uma chapada para ela essa virada para Kigali?
Thomashausen diz que não é tão crítico assim e fundamenta que “a SADC nunca foi algo semelhante à NATO. A SADC nunca foi um pacto de segurança e nem de defesa coletiva ou militar. A SADC sempre foi para o desenvolvimento na região e para os assuntos económicos, sociais e culturais, e alguns políticos. Assim, a vertente militar nunca foi o âmbito da organização”.
Mesmo não sendo a SADC uma organização essencialmente virada para a defesa, já apresentou uma proposta nesse sentido que parece ser rejeitada por Maputo. É que embora a missão técnica da organização já tenha em cima da mesa o plano de envio de cerca de 3 mil soldados para o norte de Moçambique, nos encontros de alto nível da SADC não se bate o martelo.