Internacional
Por que jovens do leste alemão votam na ultradireita
Em recente eleição em estado da antiga Alemanha Oriental, a AfD foi o partido mais votado entre os menores de 30 anos, contrariando o argumento de que muitos votam na ultradireita porque cresceram numa ditadura
A vitória da União Democrata Cristã (CDU) nas eleições estaduais da Saxônia-Anhalt no início do mês foi tranquilizadora para os partidos alemães de centro, mas também revelou um fato alarmante: pesquisas de opinião mostraram que o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) foi o mais votado entre os eleitores com menos de 30 anos.
Isso torpedeou o argumento de que alguns setores da população dos estados do leste alemão, que compunham a antiga Alemanha Oriental, votam na ultradireita porque cresceram em uma ditadura. Um em cada cinco eleitores nascidos depois de 1991, ou seja, após a Reunificação alemã, votou na AfD.
Kerstin Völkl, cientista política e pesquisadora eleitoral em Halle, a maior cidade da Saxônia-Anhalt, observa que a AfD parece ter uma estratégia melhor para os jovens eleitores. “Eles tentaram criar uma imagem de que estavam tentando se aproximar dos problemas dos jovens”, disse Kerstin à DW.
Ela também observou que a AfD foi o único partido a enviar cartas personalizadas a todos os eleitores que votaram pela primeira vez na capital da Saxônia-Anhalt, Magdeburg.
“Sim, isso é verdade”, disse Jan Wenzel Schmidt, representante da AfD no Legislativo da Saxônia-Anhalt. “E se vê que isso teve um certo sucesso”, acrescentou, com um sorriso.
Schmidt chefia a organização juvenil da AfD na Saxônia-Anhalt, a Alternativa Jovem, que teve um papel importante no desenvolvimento da estratégia eleitoral do partido. Apesar de ter apenas 160 membros, o grupo fez questão de fazer uma campanha ruidosa nas ruas de Magdeburg nos últimos dias antes do pleito.
Negação do coronavírus
Schmidt representa a ambiciosa nova geração da AfD – e talvez seja um sinal do quanto o partido aposta em pessoas como ele. Aos 29 anos, como um dos primeiros na lista de candidatos do partido, ele vai concorrer a um mandato de deputado federal nas próximas eleições ao Bundestag (Parlamento alemão) em setembro. Sua eleição é praticamente certa.
Mas, por enquanto, Schmidt continua sendo um político local. Natural de Magdeburg, ele está convencido de que seu partido se saiu bem na eleição estadual do início do mês porque sabia o que preocupou a juventude da Saxônia-Anhalt no ano passado: principalmente as restrições impostas devido a um vírus que muitos jovens não acreditam que possa prejudicá-los.
Essas restrições escancararam o problema maior que afeta as regiões alemãs de menor poder aquisitivo e pouco povoadas: a falta crônica de infraestrutura, especialmente de transporte público (há vilarejos na Saxônia-Anhalt que têm apenas dois ônibus por dia) e o que se poderia chamar de “infraestrutura social”. Agora existem poucos clubes juvenis, por exemplo, outrora uma parte básica de muitas comunidades da antiga Alemanha Oriental.
“A geração mais jovem está fundamentalmente em desvantagem porque muitos dos investimentos que são feitos não chegam mais aos jovens”, disse Schmidt. “Eu mesmo vi: enquanto crescia em Magdeburg, nos anos 90, havia muitos clubes de jovens, lugares para os jovens irem. Todos eles desapareceram.”
Jovens estão frustrados
Embora ele e a AfD sejam adversários políticos, Johannes Walter, da Kinder und Jugendring, organização da Saxônia-Anhalt que congrega dezenas de instituições de apoio à juventude, tem exatamente a mesma reclamação. “O apoio local ao trabalho com jovens na Saxônia-Anhalt foi maciçamente cortado em 2014 e não foi aumentado significativamente desde então”, disse ele à DW. “Entretanto, os custos de funcionamento e os salários aumentaram, de modo que todos os clubes de jovens sucessivamente tiveram que fechar.”
Observadores consideram que a AfD conseguiu se apresentar como o partido que se preocupa com esta rede de apoio, embora outros que trabalham com jovens em Magdeburg pensem que a resposta é muito mais simples: o partido não precisa apresentar sua plataforma de forma alguma; os eleitores simplesmente projetam sua própria insatisfação no partido.
“Basta olhar os cartazes de campanha da AfD”, disse David Begrich, do grupo de campanha antirracismo Miteinander (Juntos). “Eles usaram apenas duas setas vermelhas apontando para os cartazes dos outros partidos, com o slogan: ‘Vocês tiveram 30 anos'” [n.R.: em alusão aos 30 anos desde a Reunificação]. Isso não é nenhum tipo de programa político, é apenas a expressão de uma emoção.”
Uma geração busca sua identidade
E a frustração é profunda quando não há nada a fazer, quando você não pode pagar um carro e apenas dois ônibus passam por sua casa por dia. Mas também há jovens pobres e frustrados no oeste rural da Alemanha – e por que eles não votam na AfD na mesma proporção?
O grupo Miteinander organiza semanalmente oficinas escolares com jovens tanto no leste como no oeste da Alemanha e, segundo Begrich, há uma diferença significativa nos níveis de autoconfiança. “Eu vejo os jovens do oeste alemão [antiga Alemanha Ocidental] como muito mais articulados e comunicativos, mais seguros de si diante de estranhos”, disse ele.
Ele acredita que exista, mesmo após 30 anos de Alemanha reunificada, uma identidade distinta da antiga Alemanha Oriental que está sendo herdada por pessoas mais jovens – mesmo aqueles (ou talvez especialmente aqueles) que se mudaram para o oeste para estudar e trabalhar e depois retornaram, nas faixas dos 20 e 30 anos.
“Vemos jovens que estão muito fortemente em busca de uma identidade”, acrescentou Begrich. “Temos notado que os jovens estão voltando cada vez mais para a questão da Alemanha Oriental e da identidade da Alemanha Oriental. Eu vejo isso em minha própria filha; ela tem 18 anos, mas se vê em contraste com os ‘alemães ocidentais’.”
Demografia devastadora
A falta de confiança também se explica pela situação demográfica da antiga Alemanha Oriental: a Saxônia-Anhalt perdeu completamente um quarto de sua população desde 1990, em sua maioria das regiões rurais, e os que se mudaram são as pessoas jovens e bem instruídas – entre eles muitas mulheres.
Além das gerações mais velhas, “foram deixados para trás os homens jovens com um nível de educação mais baixo”, disse Völkl. “Eles interiorizaram esse status – e notam que acabaram ficando do lado perdedor. Isso os torna mais abertos aos tons populistas e autoritários.”
Embora no leste da Alemanha alguns fatores econômicos estejam lentamente alcançando o patamar do lado ocidental devido a algumas medidas (PIB, salários médios), essa prosperidade é exatamente isso: nova. Ela ainda não foi acumulada. A riqueza média dos alemães do leste do país ainda equivale a menos da metade da dos alemães do lado ocidental, o que significa que os jovens alemães do leste não herdam tanto quanto os do outro lado do país.
Racismo não é tabu
Em meio a esse cenário econômico, outro grande problema – o crescente radicalismo de direita da AfD – pesa menos entre os eleitores.
“Em primeiro lugar, o racismo e o extremismo de direita não são tão tabu no leste, e há uma relação diferente com a liberdade de expressão”, disse Begrich. “Os alunos dos projetos escolares me dizem com frequência: ‘Acho que Adolf Hitler era um grande político – ele construiu a Autobahn e deu dinheiro e emprego a muitos trabalhadores – essa é a minha opinião. Vivemos em um país livre e eu posso expressar minha opinião’.”
E o que você faz quando um adolescente lhe diz algo assim? “Bem, o principal é contestar com fatos e expressar minha crença de que Hitler era um criminoso”, afirma. “Muitas vezes vemos que as opiniões de extrema direita não são contestadas – em vez disso, vemos as pessoas dizerem: ‘Oh bem, essa é apenas a sua opinião’.”
Völkl, da Universidade de Halle, acredita haver menos consciência entre os jovens do leste do país sobre a importância tanto da própria democracia quanto de uma sociedade civil funcional para a democracia, e o resultado é menos apatia em relação ao racismo. ”Eles não conseguem reconhecer o perigo que as tendências de extrema direita representam”, afirma.