Judiciário
Advocacia e Ministério Público mostram dificuldades e riscos da substituição de penas por medidas cautelares
Entre as dificuldades está a comprovação de que o preso é imprescindível aos cuidados das crianças e pessoas com deficiência
O primeiro bloco de expositores da tarde desta segunda-feira (14) na audiência pública sobre o sistema prisional foi composto de representantes da advocacia e integrantes do Ministério Público e de associações representativas dos procuradores. O tema central da discussão é o cumprimento da decisão da Segunda Turma do STF que determina a substituição da prisão cautelar por domiciliar de pais e responsáveis por crianças menores de 12 anos e por pessoas com deficiência, com base nos requisitos previstos no artigo 318 do Código de Processo Penal (CPP).
Comprovação
Rodrigo Mudrovitsch, procurador nacional da Procuradoria de Defesa dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), lembrou que, em levantamento realizado pelo órgão em julgados recentes dos maiores Tribunais de Justiça do país – como SP, RJ, PR, MG, AM, PA, BA e CE –, foi notado que a ordem coletiva proferida no HC 165704 não tem sido cumprida. Em quase todos os casos, segundo ele, a justificativa é a impossibilidade de comprovar se o presidiário é imprescindível aos cuidados da criança ou da pessoa com necessidades especiais, o que demonstraria a necessidade de adoção de mecanismos institucionais para monitoramento prisional.
Longo caminho
Porém, para o vice-presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, Everaldo Patriota, mesmo cumprida a decisão do STF no habeas corpus coletivo, ainda há um longo caminho a ser trilhado. Ele cita uma inspeção realizada pelo órgão no ano passado na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (PAMC) de Roraima, onde foram detectadas questões graves de saúde entre os detentos. Com mais de 2 mil ocupantes para as 475 vagas disponíveis, número 344% superior a capacidade do presídio, a equipe de atendimento tem apenas um profissional das áreas de medicina, enfermagem, assistência social e psicologia. “Somente com vontade política essa situação vai mudar”, lamentou Patriota.
Os dois representantes da advocacia civil aproveitaram parte de suas exposições para apresentar vídeos com depoimentos de vítimas do sistema carcerário brasileiro. Uma familiar de detento do Presídio Professor Jacy de Assis, em Belo Horizonte MG), denunciou desorganização das visitas, os maus-tratos e a falta de vacinação contra Covid-19 e atendimento médico. No testemunho de uma ex-presidiária, a violação de seus direitos fundamentais não acabou depois de sua soltura. “Eu saí do sistema, mas ele não saiu de mim”.
Esquecimento
Para Ubiratan Cazetta, da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), a dificuldade do Judiciário brasileiro de conhecer e aplicar a jurisprudência impede que a decisão do STF seja implementada. Segundo ele, a sociedade tem uma tendência a se esquecer das pessoas que estão dentro do sistema penitenciário, mas é necessário pensar de forma ampla sobre como melhorar sua situação. Ele destacou, ainda, a necessidade da unificação da base de dados, para que se tenha informações corretas sobre a quantidade de presos e sua situação.
Monitoramento
Herivelto de Almeida, da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), destacou a necessidade de fiscalizar as alternativas penais surgidas para mitigar a superlotação e as más condições nas prisões. Ele apresentou ṕropostas para aumentar o monitoramento eletrônico dos presos domiciliares e universalizar o acesso ao trabalho e à educação entre a população carcerária, com a priorização das Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs) e dos centros de reintegração ou ressocialização.
A Conamp também considera necessário o monitoramento e a separação de facções e o fomento aos órgãos públicos e entidades privadas para a promoção da reintegração de presos e egressos do sistema e do apoio a seus familiares.
Caso a caso
Em nome do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), Selma Leão Godoy destacou a necessidade de análise caso a caso da concessão de prisão domiciliar, diante do risco de que os menores sejam entregues ao cuidado de criminosos, escondendo situações de maus tratos.
Também em nome do CNPG, João Botega destacou que apenas a concessão de prisão domiciliar pode não alcançar o objetivo de proteger crianças e deficientes. Segundo ele, a medida é importante, mas é necessário olhar todo o sistema, para que haja o impacto almejado pelo STF.
- Processo relacionado: HC 165704