Internacional
Começa projeto urbano inovador em antigo aeroporto de Berlim
Criado em plena Guerra Fria, o pequeno Tegel detém status icônico, mesmo após seu fechamento. Agora ele será transformado num “polo de diversidade” e campo para um experimento urbanístico, ecológico e social
Não é todo dia que uma área de 230 hectares fica disponível numa metrópole europeia em rápido crescimento, onde é difícil encontrar moradia e os aluguéis são altos. Mas foi isso que aconteceu em 5 de maio de 2021, quando o obstinado Aeroporto Tegel de Berlim cedeu lugar ao Projeto Tegel, um dos maiores planos de urbanização da Europa.
Aberto em 1974, no noroeste da capital, o aeroporto se manteve para muito além de sua data de validade. Originalmente concebido para arcar com cerca de 2,5 milhões de passageiros por ano, ele bateu o recorde de 24,2 milhões de passageiros um ano antes de ser substituído pelo novo Aeroporto Berlim-Brandemburgo (BER), em 2020.
Paralelamente, apesar da pandemia de covid-19, a capital da Alemanha manteve sua tendência de abrigar cada vez mais companhias inovadoras, ficando em terceiro lugar, após Londres e Paris. Quatro dos cinco maiores investimentos em startups do país foram para Berlim, segundo o Start-up Barometer, da EY Consultancy, que rastreia as tendências do setor.
Entra em cena o Projeto Tegel
O fluxo financeiro e humano para a metrópole desencadeou uma crise de moradia, com a Confederação Alemã de Sindicatos (DGB) registrando um déficit de 310 mil residências. Consequentemente, os aluguéis dobraram entre 2009 e 2019, de acordo com a fima imobiliária Immo-Welt.
O Projeto Tegel visa desenvolver o antigo aeroporto num fervilhante polo de diversidade, englobando negócios, indústria e ciência. Ao mesmo tempo, proporcionará residência para estudantes e funcionários dessa área urbana recém-criada. Até agora, os investidores já lhe confiaram 8 bilhões de euros.
Seu diretor-gerente, Phillipp Bouteiller, é o responsável por dar bom uso à respeitável soma: “Sempre tive uma fascinação com o Tempelhof [outro aeroporto desativado, no centro-sul de Berlim] e o Tegel”, contou em entrevista telefônica à DW. Quem pretenda encarar um projeto como o Tegel “tem que ser inovador, saber como redes funcionam e ter muita resistência”.
A resistência de Bouteiller já foi colocada à prova: o projeto ficou congelado por mais de oito anos, vítima do fiasco do BER: o mega-aeroporto berlinense tinha inauguração marcada para junho de 2012, mas só se tornou operacional em outubro de 2020, após serem consertados mais de 120 mil defeitos de concepção, construção e instalação.
Primeiros obstáculos
Gafes bilionárias como o Berlim-Brandemburgo e o Stuttgart 21 (um projeto ferroviário e urbano cujos custos também explodiram e só deverá estar concluído com no mínimo seis anos de atraso) têm colocado em questão a proverbial eficiência germânica.
O Tegel é um empreendimento certamente ambicioso, abarcando 5 mil novas residências para 10 mil cidadãos, espaço para mil grandes e pequenos estabelecimentos, um campus universitário, além de diversas outras ramificações.
Os primeiros edifícios residenciais devem estar prontos em 2026, mas a duração total da iniciativa é de 20 anos. Entretanto, após menos de um mês de construção, Bouteiller e sua equipe já esbarraram no primeiro obstáculo: as leis de proteção hídrica da capital.
A voz otimista do empresário treme um pouco, ao ser interpelado sobre o assunto: “Temos nos confrontado com essa questão da água desde o começo.” Segundo a porta-voz do projeto Constanze Döll, os custos de se ater à legislação recentemente atualizada estão na casa das dezenas de milhões de euros. E ela diz estar segura que outros problemas imprevisíveis podem aparecer no futuro.
Espaço para experimentação
Enquanto sua resistência vai sendo testada, Bouteiller dá asas à inovação: o Tegel, afirma, é um processo de aprendizagem que dá espaço à experimentação, como, por exemplo, descobrir o que pode ser remanejado ou reciclado, que novos materiais se pode usar, e como trabalhar com a natureza, e não contra ela.
O PhD de Gestão Internacional e Psicologia Social da London School of Economics deseja que todo mundo veja o quadro maior, e está procurando “em nível global por ideias que possam ser implementadas efetivamente no Tegel”.
Usar e experimentar materiais como madeira é parte do tema maior do projeto: mostrar que um empreendimento urbano dessa escala pode apresentar um modelo de negócios que seja funcional e sustentável. Vai-se tentar provar que é possível realizar um processo de produção escalável, envolvendo uma cadeia de valor integrada para cultivo da madeira, processamento, construção e manutenção.
A Urban Tech Republic – como se denomina o setor de pesquisa e desenvolvimento do Projeto Tegel – reutilizará grande parte da estrutura original do aeroporto e incluirá um novo campus para a Universidade Beuth de Ciências Aplicadas de Berlim.
A ênfase é em sistemas de energia zero-líquido e consumo energético eficiente.”Queremos demonstrar como um projeto de urbanização como esse pode funcionar com a natureza. Se não conseguirmos isso, não temos a menor chance”, anuncia Bouteiller.