Judiciário
Indenização por falta de afeto: Sim, isto é possível
A indenização por falta de afeto não é uma ideia genuinamente brasileira. Iniciou-se nos Estados Unidos e por aqui já captou alguns adeptos.
Como funciona? Se você é pai ou mãe e proveu seu filho do necessário para que ele se desenvolvesse (escola, alimentação, vestuário, etc.) ainda sim você pode ter a obrigação de indenizar seu próprio filho, na justiça, por falta de afeto.
Antes de continuar a explicar, gostaria de dizer que eu já fui a favor deste tipo de indenização, hoje repensei minhas ideias. É certo que o direito de família tem de se preocupar e resguardar os interesses dos filhos, mas isso não quer dizer desproteger os direitos dos pais.
Pois bem, apesar de existirem vários julgados espalhados pelo país, um deles tornou-se o mais emblemático, foi o REsp 1.159.242/SP, o qual julgou procedente o pagamento indenizatório de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), realizado de pai para a filha.
Imagem: Juliane Liebermann
Entendendo melhor o caso
A filha teve um pai ausente durante sua infância e juventude. Só foi reconhecida a paternidade judicialmente e o pai pagou a pensão alimentícia até que a filha atingisse a maioridade, no valor de dois salários-mínimos. Consta ainda que ele residia longe da filha.
A filha alegou que apesar dele ter cumprido com o pagamento da pensão ela desenvolveu profunda mágoa por não ter tido a companhia do pai, por ele não estar presente nas datas importantes da sua vida e que nunca teve o auxílio paterno para nada.
O pai, por sua vez, alegou que a mãe da filha é pessoa muito agressiva (e isto é comprovado no processo, quem quiser pode ler) o que dificultou, e muito, sua aproximação com a filha.
Quais os problemas deste tipo de indenização?
Vamos tentar entender por tópicos.
- O nosso Código Civil diz que o direito à indenização decorre de ato ilícito.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Não amar alguém, é um ato ilícito? Ainda que seja um pai ou mãe em relação a um filho, seria esta falta de amor e afeto um ato ilícito? Parece-me que a resposta é negativa.
- Vamos pensar o valor do dano obtido judicialmente através de uma comparação com um caso hipotético: Se você é trabalhador, tem esposa e três filhos ainda crianças, paga suas dívidas e é uma pessoa de bem, se ao transitar na rua cair um poste em sua cabeça e você vier a falecer, saiba de uma coisa: Sua família não receberá duzentos mil reais de indenização.
Sim, existem casos específicos (se o poste cair na cabeça de um juiz, por exemplo) mas, em condições normais, nós advogados civilistas sabemos o quão difícil é conseguir um dano moral minimamente razoável.
- A autora não teve danos que a impedisse de prosseguir a vida. Apesar de ter ficado a mágoa pela ausência do pai – o que é totalmente compreensível – ela conseguiu formar-se em curso superior, trabalhar e constituir a própria família, então, indenizar por quê?
- Se estendermos este entendimento, onde vamos parar? Quem não conhece casos de filhos que são criados pelos avós? Não estou falando dos pais que necessitam trabalhar e deixam os filhos durante o dia com os avós, estou falando daquelas mães e pais que literalmente entregam os filhos para os avós criarem no seu lugar, vão ter que indenizar também?
- E por fim, a quem o judiciário está colocando a obrigação de indenizar? Aos pais que são abastados. O pai ou mãe que é pobre, não tem bens em seu nome e que tem uma vida simples não será obrigado a pagar quantias absurdas como esta.
Será que se está construindo um direito que perseguirá aqueles que tem mais dinheiro que outros?
São muitos questionamentos e quem se sentir à vontade para se posicionar nos comentários vou adorar saber a opinião de vocês.
É bom alertar que este julgado foi formado pelo Superior Tribunal de Justiça, portanto, se você se encontrar em um processo parecido, é bom encontrar um bom profissional, pois não será uma vitória fácil (para os pais).
AUTORA
Karollyna Alves – Atuante na área cível, contratos, família, consumidor, direito da moda e direito administrativo. Pós-graduanda em processo civil.