Judiciário
Projeto de Lei 10.887/18: legitimidade ativa nas ações de improbidade aministrativa
O PL 10.887/2018 estabelece alterações na LIA. Entre as mudanças propostas, encontra-se a exclusiva legitimidade ativa do Ministério Público para o manejo de ações de improbidade. O texto, neste sentido, é um retrocesso ao combate a corrupção
Sob o pálio de modernização legislativa e eficácia ao combate a corrupção, a Câmara Federal dos Deputados aprovou o Projeto de Lei n. 10.887/2018 (Altera a Lei n. 8.429 de 2 de junho de 1992) prevendo, dentre outras alterações, que a incidência das figuras típicas ímprobas somente recairá sobre os agentes que agirem com dolo na pratica do ato ilegal qualificado, o escalonamento de sanções, a celebração de acordos de não persecução civil.
Algumas alterações são dignas de aplausos, como, por exemplo, a necessidade de que a conduta do agente seja praticada com dolo para fins de configuração de uma das figuras ímprobas previstas em lei, tese defendida por mim em artigo publicado na Revista Jus Navigandi (VALADARES NETO, Francisco Valadares Neto. Elemento volitivo doloso e improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi. ISSN 1518-4862. Teresina, ano 26, n. 6523, 11 de maio de 2021).
Outras modificações, contudo, devem ser vistas com reservas, merecendo destaque a mudança legislativa que atribui legitimidade ativa exclusiva ao Ministério Público para a propositura de ações de improbidade administrativa.
O Projeto de Lei n. 10.887/2018 estabelece (art. 17, caput) que ação para a aplicação das sanções de que trata a lei de improbidade administrativa será proposta, única e exclusivamente, pelo Ministério Público:
Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, salvo o disposto nesta lei..
Os defensores da alteração legislativa sustentam que a modificação se justifica, porquanto tem a finalidade especifica de elidir o ajuizamento de ações ímprobas temerárias e com contornos politiqueiros.
Não se justificam as argumentações.
Não se pode limitar a atuação do Poder Público à atuação do Ministério Público.
O propalado Estado Democrático de Direito possui como característica principal a divisão de funções estatais entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e as funções essenciais à justiça conferidas ao Ministério Público, Advocacia Pública, Defensoria Pública, dentre outros órgãos.
Aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, em razão da consagração do “Sistema de Freios e Contrapesos” (formulado por Montesquieu em sua obra “O Espírito das Leis”) são conferidas autonomia e independência de um poder em relação ao outro, conforme previsão legal do artigo 2º da Constituição Federal:
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
A regra constitucional acima transcrita é considerada clausula pétrea, sendo vedada a propositura de qualquer emenda constitucional que tenda a abolir a separação dos Poderes (art. 60, §4º, III, CF/88):
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
(…)
§4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (…)
III – a separação dos Poderes; (…).
Com o devido respeito aos defensores da alteração legislativa prevista no caput do artigo 17 do Projeto de Lei n. 10.887/2018, atribuir ao Ministério Público competência exclusiva para o manejo de ações de improbidade administrativa é ingerir diretamente nas atribuições, prerrogativas e autonomia dos Poderes.
O Ministério Público, instituição essencial à justiça e permanente, não pode ser condicionador de qualquer atividade estatal direcionada ao ajuizamento de ações de improbidade administrativa contra agentes públicos desonestos através de seus órgãos competentes.
O Parquet, assim como os membros da Advocacia Pública, possui atribuições previstas na Constituição Federal de 1988, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis:
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
A Advocacia Pública tem competência para representar o ente instituidor, defendendo e promovendo a defesa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme regras estampadas nos artigos 131 e 132 ambos da Constituição Federal de 1988 e artigo 182 do Código de Processo Civil:
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Art. 182. Incumbe à Advocacia Pública, na forma da lei, defender e promover os interesses públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por meio da representação judicial, em todos os âmbitos federativos, das pessoas jurídicas de direito público que integram a administração direta e indireta.
Em razão de suas atribuições e prerrogativas asseguradas no texto constitucional, os membros do Ministério Público e da Advocacia Pública, salvo inconstitucionalidade flagrante, não são subordinados ao Poder Executivo.
Corroborando a afirmativa precedente, traga-se a colação trecho do voto da eminente Ministra Rosa Weber, nos autos do Mandado de Segurança n. 33193 MC/DF:
(…) O Ministério Público, embora não detenha personalidade jurídica própria, é órgão vocacionado à preservação dos valores constitucionais, dotado de autonomia financeira, administrativa e institucional que lhe conferem a capacidade ativa para a tutela da sociedade e de seus próprios interesses em juízo, sendo descabida a atuação da União em defesa dessa instituição. (…).
Se qualquer vinculação de membros do Ministério Público ao Poder Executivo deve se declarada inconstitucional por afronta a autonomia funcional e administrativa, o sentido inverso também é verdadeiro: não se pode vincular a atuação dos membros da Advocacia Pública ao arbítrio dos representantes do Parquet.
Com efeito, retirar da Administração Pública o dever de apurar atos ímprobos e, constatando-se a presença de indícios mínimos de autoria e materialidade, do ajuizamento de ações de improbidade administrativa é ferir a autonomia e independência funcional dos membros da Advocacia Pública.
Não se mostra razoável e legal a previsão de legitimidade ativa do Ministério Público em propor ações de improbidade administrativa, como previsto no caput do artigo 17 do Projeto de Lei n. 10.887/2018 que altera a Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA).
Em mantido o texto aprovado pela Câmara Federal de Deputados (art. 17, caput, PL 10.887/2018) é subtrair da Advocacia Pública o dever de combater a corrupção, ou seja, de defender em juízo os interesses do Estado e, consequentemente, os interesses da sociedade. É, enfim, subordinar Poder e órgãos a atuação do Ministério Público.
Não se combate corrupção e inibe o ajuizamento de ações ímprobas temerárias e com contornos políticos restringindo a atuação do Poder Público, mas, a toda evidência, ampliando o rol de legitimados ativos, permitindo que quaisquer das pessoas lesadas (art. 1º da LIA) possam apurar e manejar ações civis de improbidade quando existentes indícios de autoria e materialidade.
Existem outras formas de inibir a propositura de ações temerárias e politiqueiras.
A atual lei de improbidade administrativa (Lei Federal n. 8429/1992 – LIA), assim como as alterações apresentadas no Projeto de Lei n. 10.887/2018, coloca a disposição dos atores processuais mecanismos hábeis e eficazes para coibir a propositura de ações ímprobas desprovidas de fundamentos fáticos e jurídicos ou com contornos politiqueiros.
Os §§ 7º e 8º do artigo 17 da Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA) estabelecem rito procedimental próprio e prévio (fase preliminar), assim sintetizado: estando a inicial em forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações e, recebida a manifestação, o juiz, em decisão fundamentada, poderá rejeitar a ação se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita:
Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.
(…)
§ 7o Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias.
§ 8o Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.
A existência do contraditório preliminar é eficaz mecanismo de rebate a ações de improbidade administrativa sem suportes mínimos de provas do ato improbo, tendo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em consagração ao contraditório preliminar, fixado entendimento através de tese (Jurisprudência em Teses, edição n. 40 de 2/9/2015):
O especialíssimo procedimento estabelecido na Lei n. 8.429/1992, que prevê um juízo de delibação para recebimento da petição inicial (art. 17, §§ 8º e 9º), precedido de notificação do demandado (art. 17, §7º), somente é aplicável para ações de improbidade administrativas típicas. (Tese julgada sob o rito do artigo 543-C do CPC/73 – Tema 344).
Possível, em razão de observância ao contraditório preliminar a rejeição liminar de ações de improbidade administrativa quando a autoridade judiciária competente se convencer da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.
Neste ponto, assim como por mim defendido em outra oportunidade (VALADARES NETO, Francisco Valadares Neto. Contraditório prévio na lei de improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi. ISSN 1518-4862. Teresina, ano 26, n. 6553, 10 de junho de 2021), entendo que a retirada do contraditório preliminar do âmbito das ações regidas pela Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA) é retrocesso que contribui para o recebimento e processamento de ações de improbidade administrativa temerária e com contornos políticos.
Em afirmação ao entendimento anterior, traga-se a colação trechos da sentença prolatada nos autos da Ação Civil de Improbidade Administrativa n. 0800200-79.2014.8.01.0001 pela magistrada Zenair Ferreira Bueno que, prestigiando contraditório preliminar previsto na Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA), extinguiu liminarmente a ação ao reconhecimento de inexistência de ato ímprobo do agente:
(…) O Ministério Público ingressou com a presente ação de improbidade administrativa em face de (…), atribuindo ao demandado a prática de conduta improba capitulada nos artigos 9º, inciso I e 11, caput, ambos da Lei n. 8.429/92 e requerendo a aplicação das sanções previstas no art. 12, incisos I e III do referido diploma legal mais indenização por danos morais individual e coletivo. (…). Foi determinada a notificação do demandado para apresentar manifestação prévia (…). O réu apresentou sua manifestação escrita (…) alegando, em síntese, que não praticou qualquer ato de improbidade administrativa e que não existem provas que confiram lastro mínimo necessário que justifique o recebimento da inicial. (…). É o breve relato. Passo a decidir. (…) Não existe nos autos qualquer indicio ou prova mínima de que o encaminhamento do paciente para o Hospital (…) configurasse manobra para desviar o paciente do sistema público de saúde para obter vantagem ilícita ou mesmo que o réu tenha omitido atendimento ou prestado serviço negligente no afã de forçar a contratação dos seus serviços a esfera privada. (…). Não há nexo causal entre as condutas ilícitas atribuídas ao demandado – aliciamento de pacientes e obtenção de vantagem indevida para si ou para outrem no exercício de função pública – com o serviço espontaneamente contratado pelo denunciante, (…). Também não existe qualquer prova da existência de esquema de aliciamento de pacientes ou mesmo notícia de que o demandado já havia captado ou tentado captar, na qualidade de agente público, pacientes do SUS com o objetivo de obter lucro para si ou para terceiro. (…) Pelo exposto, convencida que não houve a prática dos atos de improbidade administrativa atribuídos ao demandado e com fundamento no art. 17, §8º da Lei 8.429/92, REJEITO a presente ação e declaro extinto o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 269, inciso I do Código de Processo Civil. Intimem-se. Rio Branco (AC), 04 de maio de 2015. Zenair Ferreira Bueno, juíza de Direito. (…). (Grifos e omissões nossos).
A decisão foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Acre (TJAC):
APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO SUSCITADA NAS CONTRARRAZÕES. SUCEDÂNEO DA APELAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE, ALEGAÇÃO DE IRREGULARIDADES EM ATENDIMENTO REALIZADO POR ODONTÓLOGO, NA QUALIDADE DE AGENTE PÚBLICA. REJEIÇÃO DA AÇÃO. INEXISTÊNCIA DE ATO ÍMPROBO. EXTINÇÃO DO PROCESSO PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. DECISÃO FUNDAMENTADA. ART. 17, §8º, DA LEI N. 8;429/92. PREQUESTIONAMENTO. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. (…). 2. É possível a rejeição da ação civil pública, na fase preambular, quando evidente a inexistência de ato de improbidade administrativa, na forma do art. 17, §8º, da Lei n. 8.429/92. Em observância ao princípio do in dubio pro societate, a rejeição sumária da inicial necessita de fundamentação pormenorizada e só há de ocorrer se cabalmente demonstrada a improcedência ou inexistência do fato, quer pela duvidosa configuração do ato de improbidade, quer pela ausência de indícios dos fatos narrados na inicial da ação, ou a inadequação da via eleita. 3. (…). 4. A improbidade administrativa que dá ensejo à responsabilização correspondente materializa-se pelo ato marcadamente corrupto, desonesto, devasso, praticado de má-fé ou caracterizado pela “imoralidade qualificada” do agir. Nesse contexto, não havendo caracterização de qualquer ato ímprobo na conduta praticada pelo Apelado, impõe-se a manutenção da sentença que rejeitou a ação proposta e extinguiu o processo. Precedentes do STJ. 5. (…). 6. Apelação desprovida. (…). (TJAC – AC 0800200-79.2014.8.01.0001, ACÓR. 18.553, 1ªCC, RELATORA DESEMBARGADORA CEZARINETE ANGELIM, JULGAMENTO: 15/2/2018). (Grifos e omissões nossos).
O contraditório preliminar (diferentemente da limitação de titularidade ativa para ajuizamento de ações ímprobas), conforme previsto nos §§ 7º e 8º do artigo 17 da Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA), se constitui em importante instrumento a rejeição de ações de improbidade administrativa desarrazoadas, precipitada e com fins de prejudicar adversários políticos.
No Projeto de Lei n. 10.887/2018, ainda que excluído o contraditório preliminar (infelizmente), também constam mecanismos jurídicos para elidir o prosseguimento de ações ímprobas temerárias e com fins politiqueiros, merecendo destaques a possibilidade de rejeição da petição inicial e de julgamento de improcedência da ação em qualquer momento processual se verificada a inexistência do ato de improbidade administrativa pela autoridade judiciária competente:
Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, salvo o disposto nesta lei.
(…)
§3º A petição inicial observará o seguinte:
I – o autor deverá individualizar a conduta do réu, apontando os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência das hipóteses dos arts. 9º a 11, desta Lei, e de sua autoria, salvo impossibilidade devidamente fundamentada;
II – será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 77 e 80 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015;
(…)
§5º A petição inicial será rejeitada nos casos do art. 330, da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, bem como quando não preenchidos os requisitos a que se referem os incisos I e II do §3º. ou ainda quando manifestamente inexistente o ato de improbidade imputado.
(…)
§14. Em qualquer momento do processo, verificada a inexistência do ato de improbidade, o juiz julgará a demanda improcedente. (…).
O Projeto de Lei n. 10.887/2018 exige que a petição inicial contenha a descrição dos fatos com todas as suas circunstâncias, o elemento volitivo do agente e o enquadramento legal da conduta, podendo a autoridade competente, de plano e a qualquer tempo, repelir a postulatória que não contenha os requisitos e pressupostos de sua validade previstos no Código de Processo Civil e na própria Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA).
Tudo com fins de rechaçar o processamento de ações ímprobas desprovidas de indícios mínimos de autoria e materialidade de uma das figuras ímprobas (STJ RECURSO ESPECIAL RESP 295642 RO; TJDF – 20160110287610APC – RES. 65 CNJ – JULG 09/11/2016 – REL. TEÓFILO CAETANO – DJE: 21/11/2016. PÁG. 121-143).
Aliadas as ponderações precedentes, também com fins de elidir a argumentação de que a titularidade exclusiva do Ministério Público para a proposição de ações de improbidade administrativa prevista no Projeto de Lei n. 10.887/2018 é imperativa para coibir o manejo de ações ímprobas com fins políticos, eis o seguinte.
Os legitimados ativos para a propositura de ações de improbidade administrativa (pessoa jurídica lesada e Ministério Público), nos termos do que previsto na Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA), têm o dever de apurar e buscar a punição exemplar de agentes mediante a existência mínima de provas de que os atos ilegais qualificados por eles foram praticados e se enquadram em uma das figuras típicas previamente estabelecidas em lei.
A vinculação dos legitimados (membros da Advocacia Pública e do Ministério Público) é na apuração dos fatos, sendo facultativo o manejo (ajuizamento) de ação de improbidade administrativa: o ajuizamento de qualquer ação de improbidade administrativa impulsiva ou depreciativa a terceira pessoa enseja a responsabilização do agente público (representantes da pessoa jurídica lesada e do Ministério Público).
A Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA), até porque seu fim é punir agentes ímprobos e não inábeis, exige que o manejo de qualquer ação de improbidade administrativa deva ser lastreado em elementos mínimos de autoria e materialidade da prática do ato ilegal qualificado.
Agir de forma diferente e com objetivos espúrios sujeita o agente deflagrador da representação a responsabilização penal e a indenizar, material e moralmente a vítima das acusações ilegais e levianas sofridas, conforme expressamente declarado no artigo 19 da Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA):
Art. 19. Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente público ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente.
Pena: detenção de seis a dez meses e multa.
Parágrafo único. Além da sanção penal, o denunciante está sujeito a indenizar o denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado.
A responsabilidade é extensível ao Poder Público.
Neste prol, como se sabe, a regra norteadora da responsabilidade civil estatal encontra-se estampada no §6° do artigo 37 da Constituição da República:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(…)
§6°. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
E diante da consagração da responsabilidade estatal prevista no §6° do artigo 37 da Constituição Cidadã, dúvidas inexistem que a Administração Pública pode ser responsabilizada por atos de seus agentes por condutas temerárias e com fins espúrios, inserindo-se nesse rol os membros da Advocacia Pública (advogados gerais, procuradores estaduais, distritais e municipais, etc.) e do Ministério Público (federal e estadual).
Assim, ocorrendo qualquer dano a terceira pessoa por atos de agentes públicos no exercício de suas funções tem o prejudicado a faculdade de manejar a competente ação indenizatória em desfavor do Estado, sendo assegurado a este o dever de manejar ação regressiva em desfavor do agente público responsável pelo dano.
Esse entendimento, ainda que timidamente, tende a ser modificado.
Isto por força do que disposto no artigo 28 do Decreto-lei n. 4.657/1942 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – LINDB):
Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
Pela norma legal em evidência, o agente público pode ser responsabilizado diretamente pelo ofendido por seus atos, como por exemplo, no caso em que um procurador emita um parecer por dispensa de processo licitatório que vincule a atuação do gestor público.
Essa responsabilização pessoal do agente parece ser a medida mais acertada.
Não se mostra justo e razoável que a Administração Pública, sem dizer dos próprios administrados que como se diz no jargão popular “é quem paga a conta”, seja acionada judicialmente por terceiro prejudicado em razão de ato técnico e decisão de seus agentes, como por exemplo, no manejo de ações ímprobas infundadas por membros da Advocacia Pública e do Ministério Público que sequer passam pelo crivo dos gestores público, mas, a toda evidência fica restrita no âmbito dos setores técnicos da Administração Pública.
Em confirmação ao entendimento anterior e por analogia, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu ser admissível a estipulação de astreintes contra a autoridade pública que voluntariamente descumpre determinação judicial imposta ao Poder Público:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ASTREINTES. AGENTE POLÍTICO QUE FOI PARTE NO POLO PASSIVO DA AÇÃO, BEM COMO TEVE SUA RESPONSABILIDADE PESSOAL ATESTADA NA ORIGEM. CABIMENTO DA MULTA DIÁRIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVO TIDO COMO VIOLADO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF, APLICÁVEIS POR ANALOGIA. COISA JULGADA. PRETENSÃO DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. DIVERGÊNCIA NÃO DEMONSTRADA. 1. O ora agravante, à época Secretário de Estado da Administração e dos Recursos Humanos do Governo do Rio Grande do Norte, foi condenado, ante sua responsabilidade pessoal, pela Corte de origem ao pagamento de astreintes devido ao não cumprimento imediato de determinação judicial no bojo de mandado de segurança do qual ele foi, efetivamente, parte impetrada. 2. A matéria não analisada no julgado a quo cujo debate não foi suscitado pela oposição de embargos declaratórios naquela instância encontra óbice nas Súmulas 282 e 356 do STF, aplicáveis por analogia. 3. As astreintes podem ser direcionadas pessoalmente às autoridades ou aos agentes responsáveis pelo cumprimento das determinações judiciais, em particular quando eles foram parte na ação. Precedentes: AGRG NO ARESP 472.750/RJ, REL. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJE 9/6/2014; E RESP 1.111.562/RN, REL. MIN. CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJE 18/9/2009.
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE ASTREINTES EM DESFAVOR DE AUTORIDADE. AGRAVO INTERNO DO ENTE ESTATAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Considerando-se que o Ente Federativo manifesta sua vontade por meio de autoridade pública, é possível a atribuição de multa que objetive assegurar o cumprimento de decisão judicial pelo Administrador Público responsável (RESP 1.399.842/ES, REL. MIN. SÉRGIO KUKINA, DJE 3.2.2015; AGRG NO ARESP 472.750/RJ, REL. MIN. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJE 9.6.2014).
A Advocacia Pública tem competência para representar o ente instituidor, defendendo e promovendo a defesa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e, na condição de agente público, o advogado tem responsabilidade pessoal civil e regressiva, administrativa e disciplinar, sem exclusão de eventual responsabilidade criminal pelos atos praticados em razão de seu cargo, conforme regras estampadas nos artigos 182 e 184 ambos do Código de Processo Civil:
Art. 182. Incumbe à Advocacia Pública, na forma da lei, defender e promover os interesses públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por meio da representação judicial, em todos os âmbitos federativos, das pessoas jurídicas de direito público que integram a administração direta e indireta.
Art. 184. O membro da Advocacia Pública será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções.
As considerações anteriores, em todos os seus termos, também são aplicáveis aos membros do Ministério Público, estabelecendo o Código de Processo Civil, em seu artigo 181, o seguinte:
Art. 181. O membro do Ministério Público será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções.
As inviolabilidades por atos e manifestações conferidas aos membros da Advocacia Pública e do Ministério Público não são absolutas, devendo eles serem responsabilizados por atos dolosos e fraudulentos praticados em desfavor de terceiros quando no exercício de suas funções:
(…) O Supremo Tribunal Federal já fixou o entendimento de que não é absoluta a inviolabilidade do advogado, por seus atos e manifestações, o que não infirma a abrangência que a Magna Carta conferiu ao instituto, de cujo manto protetor somente se exclui atos, gestos ou palavras que manifestamente desbordem do exercício da profissão, como a agressão (física ou moral), o insulto pessoal e a humilhação pública a proclamada imunidade profissional do advogado não é absoluta. (…). (STF – HABEAS CORPUS: HC 105134/SP).
(…) A imunidade profissional, garantida ao advogado pelo Estatuto da Advocacia não alberga os excessos cometidos pelo profissional em afronta à honra de quaisquer das pessoas envolvidas no processo, seja o magistrado, a parte, o membro do Ministério Público, o serventuário ou o advogado da parte contrária. O advogado que, atuando de forma livre e independente, lesa terceiros no exercício de sua profissão responde diretamente pelos danos causados, não havendo que se falar em solidariedade de seus clientes, salvo prova expressa da ‘culpa in eligendo’ ou do assentimento a suas manifestações escritas, o que não ocorreu na hipótese. (…). (STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 932.334 – RS (2007/0047387-9) RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI).
(…) O advogado que utiliza linguagem excessiva e desnecessária, fora de limites razoáveis da discussão da causa e da defesa de direitos, continua responsável penalmente. Alcance do §2º do art. 7º da Lei 8.906/1994 frente a Constituição Federal (arts. 5º, caput, e 133). Suspensão parcial do preceito pelo STF na ADIn 1.127-8. Jurisprudência dominante no STF e STJ, a partir da Constituição de 1988. Seria odiosa qualquer interpretação da legislação vigente conducente à conclusão absurda de que o novo Estatuto da Ordem teria instituído, em favor da nobre classe dos advogados, imunidade ampla e absoluta, nos crimes contra a honra e até no desacato, imunidade essa não conferida ao cidadão brasileiro, às partes litigantes, nem mesmo aos juízes e promotores. O nobre exercício da advocacia não se confunde com um ato de guerra em que todas as armas, por mais desleais que sejam possam ser utilizadas. Recurso de habeas corpus a que se nega provimento. (…). (STJ – 5ª T. – RCH 4.889 – REL. ASSIS TOLEDO – RT 734/583).
RESPONSABILIDADE APLICÁVEL ÀS AÇÕES REGIDAS PELA LEI FEDERAL N. 8.429/1992 (LIA).
A propositura de ações de improbidade administrativa por advogados públicos e membros do Ministério Público sem suportes fáticos ou jurídicos ou com fins espúrios dão ensejo a responsabilização, ainda que de forma regressiva e independentemente da apuração de suas condutas pelos órgãos de classes a que se encontram vinculados.
Em conclusão, não se inibe a propositura de ações ímprobas temerárias ou com viés político restringindo a atuação do Poder Público, mas, a toda evidência, mantém-se inalterado o contraditório preliminar (art. 17, §§ 7º e 8, da LIA), ampliando-se o rol de legitimados ativos (art. 1º, da LIA) e punindo os membros da Advocacia Pública ou do Ministério Público que utilizarem de suas prerrogativas com fins espúrios (arts. 181 e 184, do CPC).
AUTOR
Francisco Valadares Neto – Graduado Bacharel em Direito pelo Instituto Luterano de Ensino Superior de Ji-Paraná (ILES/ULBRA). Concluiu, em 2004, pós-graduação em Direito Público pela Faculdade Integrada de Pernambuco (FACIP), obtendo o título de Pós-Graduado em Direito Constitucional. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, na cidade de Buenos Aires – Argentina (2016). Atualmente, além das atividades de advogado, exerce o cargo de Procurador Jurídico do Município de Brasiléia – Estado do Acre.