Internacional
Vacinações falsas sabotam luta contra covid na Índia
Grupos criminosos se aproveitam do desespero dos indianos para se protegerem da pandemia, agravado por lentidão na obtenção oficial de doses. Um problema sistêmico: até 20% dos fármacos do país são falsificados
A descoberta de falsos postos de vacinação contra a covid-19 em cidades como Bombaim e Calcutá chocou a Índia. Segundo a mídia nacional, milhares caíram no engodo, desesperados por se proteger contra a pandemia. As autoridades prometem adotar medidas firmes contra inoculações não autorizadas.
Num dos casos, Debanjan Deb, de 28 anos, se apresentou como funcionário público e aplicou injeções em cerca de 2 mil cidadãos, inclusive um deputado do partido do governo Bharatiya Janata (BJP). Na capital financeira Bombaim, pelo menos 2.053 residentes receberam vacinas falsas em nove locais não autorizados, organizados por uma companhia de gestão de eventos.
A polícia constatou que todos os frascos rotulados Covishield e Covaxin continham, em vez dos imunizantes, o antibiótico Amikacin, usado para combater diversas infecções bacterianas. Até o momento, foram presos seis suspeitos. Deb responde por tentativa de homicídio.
Alerta para se manter vigilante
Segundo declarou à DW o chefe de polícia Vishwas Patil, “um grupo bem organizado está envolvido nessas vacinações falsas, temos que estar em guarda de agora em diante”. Por sua vez, o governo federal indiano tenta minimizar o escândalo, alegando tratar-se de “aberrações” isoladas”.
“Nós vacinamos mais de 330 milhões. Esses casos podem ser facilmente identificados, do momento em que a pessoa não receba uma mensagem do aplicativo CoWin”, declarou na terça-feira (29/06) o secretário do Ministério da Saúde local Lav Agarwal, completando: “Estamos em contato com autoridades estaduais, que vêm adotando medidas.”
O governo do estado de Bengala Ocidental, no leste do país, suspendeu todos os centros de vacinação, exceto aqueles localizados em hospitais públicos e privados. A Secretaria de Saúde local está revisando as diretrizes para os postos de vacinação.
“A população está abalada por esses incidentes. Precisamos reabrir esses postos cuidadosamente e com mais precauções. Vamos dizer aos cidadãos para estarem mais vigilantes”, comentou uma autoridade de Calcutá, sob condição de anonimato.
Lentidão e burocracia encorajam fraudes
Segundo analistas, a liberação arrastada dos imunizantes e o procedimento dolorosamente longo para marcar uma vacinação no aplicativo do governo deixaram muitos frustrados. E elementos criminosos viram no fato uma oportunidade para fazer dinheiro.
“Os preços desiguais de vacinação também cria um racha na sociedade. A população está claramente apressada para receber suas injeções. As autoridades precisam agir com firmeza para impedir tais casos, no futuro”, apela a pulmonologista pediátrica Shally Awasthi, da King George’s Medical University de Lucknow, no norte indiano.
Especialistas sanitários calculam que a Índia precisa de 130 mil a 140 mil centros de vacinação, com mais de 100 mil profissionais de saúde e 200 mil funcionários de apoio, a fim de vacinar os grupos prioritários, os quais totalizam mais de 300 milhões de individuos.
“Não é surpresa tantos indianos estarem se tornando presa da fraude da vacina. Mesmo os da classe média estão entrando em pânico”, observa Vineeta Bal, uma cientista do Instituto Nacional de Imunologia.
Problema sistêmico da Índia
Segundo a firma de software McAfee, a Índia e o Chile são as duas nações do mundo mais visadas por falsos aplicativos visando seduzir a população com promessas de vacinas.
“Com a maior parte do mundo ainda ansiosa quanto à covid-19 e se vacinando, os cibercriminosos se aproveitam desses medos com apps, mensagens de texto e convites nas redes sociais falsos. Malwares e links maliciosos, ocultos dentro dessas falsificações, exibem publicidade e tentam roubar dasos e credenciais bancárias”, relatou a empresa em abril.
Os analistas apelam para que as autoridades, parceiros das cadeias de fornecimento, fabricantes de vacinas e consumidores trabalhem em conjunto, a fim de garantir inoculações seguras e autorizadas. “É basicamente um problema de distribuição”, afirma o virólogo Shahid Jameel.
Além das vacinas anti-covid falsas, medicamentos forjados estão disponíveis por todo o país. Segundo o Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR), quase 20% de todos os produtos farmacêuticos vendidos na Índia em 2019 era fraudes. Em 2015, o órgão regulador indiano Central Drugs Standard Control Organization (CDSCO) concluiu que 4,5% dos medicamentos genéricos do país eram falsificados ou de baixa qualidade.