Internacional
As decisões mais importantes da Suprema Corte dos EUA no ano judiciário 2020/2021
Em tempos de mudança em sua composição, Corte teve temporada morna; no próximo termo a pauta será mais quente
A Suprema Corte está “na muda”. Com três novos juízes designados durante a administração republicana de Donald Trump (Kevanaugh, Gorsuch e Barrett), o tribunal constitucional americano, em tese, possui hoje um bloco conservador forte de seis juízes (pois esses novatos se somaram aos veteranos Thomas e Alito, além do presidente Roberts). Restam três liberais, designados pelos últimos presidentes democratas pré-Biden: Breyer (Clinton), Sotomayor e Kagan (Obama).
Muitos nos EUA esperavam que os julgamentos a partir da nomeação da Juíza Barrett acabariam em previsíveis e monótonos placares de 6 x 3, fixados em linhas claramente ideológicas. Mas não foi o que ocorreu. Houve unanimidades, maiorias substanciais improváveis e uma aparente divisão em três blocos, com o Presidente Roberts “suingando” e atraindo, vez ou outra, Kevanaugh e Berret para o centro. Porém, também houve alguns poucos (e sensíveis) julgamentos em que o embate “conservadores v. liberais” ficou evidente e estes tomaram a esperada sova de seis a três, notadamente no julgamento economicamente relevante do caso trabalhista Cedar Point Nuersery v. Hassid (ver comentário abaixo).
Contribuiu para a aparente imprevisibilidade das composições de maiorias o próprio fato da renovação de um terço do tribunal em curto espaço de tempo, o que sempre abala um colegiado desta espécie, já que os juízes adventícios estabelecem novas afinidades intelectuais e abalam harmonias longamente sedimentadas. Porém, o que parece ter sido decisivo para frustrar os exercícios de adivinhação dos cronistas da Corte, foi o fato de que a pauta de julgamentos foi bastante morna, tirante três ou quatro casos mais delicados do ponto de vista ideológico.
Não houve no ano que ora se encerra, por assim, dizer, “grandes casos”, daqueles que entrarão para os compêndios de “landmark decisions”, ou os que mobilizam militantes apaixonados “pró” e “contra” uma determinada causa, obrigando a corte a reforçar a segurança diante das escadarias do histórico palácio de mármore. Ademais, ajuntamentos que tais nem teriam sido possíveis, pois as medidas de restrição decorrentes da pandemia ainda persistem em Washington D.C. e durante todo o termo judiciário não houve sessões públicas, os advogados sustentaram pelo telefone.
Mesmo os casos mais sensíveis politicamente foram decididos com notável modéstia judicial, sendo evidente que os juízes tenham optado por decisões bastante “estreitas” do ponto de vista da fixação de precedentes, evitando proferir grandes declarações de princípio abrangentes, como ficou claro no caso de liberdade religiosa e direitos homoafetivos (Fulton v. City of Philadelphia) ou no de liberdade de expressão de alunos em redes sociais (Mahanoy School v. L.B.), conforme comentário mais adiante.
Assim, embora alguns analistas sustentem que a Corte estaria dividida num aparente 3-3-3, representando uma possível compartimentação direita/centro-direita/esquerda, parece ainda muito cedo para interpretar a nova realidade decorrente das nomeações do governo Trump, o que talvez só fique claro quando o próximo ano judiciário se iniciar em outubro, termo em que os Justices enfrentarão uma pauta de fato candente, com casos já admitidos que serão de fato relevantes, sobre temas que dividem as paixões dos americanos: armas, aborto e ações afirmativas.
Eu, particularmente, sou cético com relação a essa teoria 3-3-3, pois nos casos “realmente importantes”, aqueles que “doem no bolso” do empresariado ou que tocam no sistema político, já pudemos perceber claramente a maioria dos seis juízes conservadores exercendo suas preferências ideológicas através de discurso jurídico.
Por fim, ao que tudo indica, permanecerá para o próximo ano judiciário o dilema da aposentadoria do Juiz Stephen Breyer, atualmente com 82 anos, que integra a corrente liberal. Os Democratas aguardam ansiosamente sua aposentadoria antes das midterm elections de novembro do próximo ano, quando poderão perder o precário controle do Senado, decisivo na sabatina de indicação. Seria, para alguns, a última chance de Biden indicar e conseguir aprovar um nome jovem que possa manter a cadeira liberal por longos anos. Mas Breyer parece gostar bastante do seu trabalho e, como todo homem de sua idade, mostra-se um tanto caprichoso e turrão.
Abaixo, uma descrição sumária e brevíssimos comentários dos dez julgamentos que reputo os mais importantes da Suprema Corte dos EUA, no ano judiciário que se encerrou oficialmente na última quinta-feira, pela ordem cronológica de publicação das decisões.
Sanchez et ux. v. Mayorkas, Secretary of Homeland Security, et al. – José Santos Sanchez, cidadão de El Salvador, entrou ilegalmente com sua esposa nos Estados Unidos, em 1997. Em 2001, o casal conseguiu um visto de proteção temporária (Temporary Protected Status – TPS), regime previsto para imigrantes que estariam em perigo em seu país natal. Esse documento é provisório, já que o governo federal pode cancelá-lo a qualquer momento por ato discricionário, se entender que não mais subsistem as condições que justificaram sua emissão. Em 2014, os Sanchez requereram ao Serviços de Imigração e Cidadania dos EUA um visto de residência permanente (Lawful Permanent Resident – LPR), o qual foi indeferido pelo fato de que os requerentes haviam adentrado ao país ilegalmente. Os salvadorenhos sustentaram que ao conceder o visto de proteção temporária, o governo dos EUA havia voluntariamente desconsiderado sua entrada ilegal, que não poderia ser óbice para a concessão do visto de residência permanente. Atuando em interpretação da legislação federal de imigração, a Suprema Corte, à unanimidade, fixou o entendimento de que a norma imigratória exige de forma taxativa que o candidato ao visto de residência permanente tenha entrado de forma legal no país, e que a concessão de proteção temporária por si só não tem o condão de afastar aquele requisito. Imigrantes que se encontram na situação dos Sanchez só conseguirão um visto de permanência definitiva caso haja alteração nas leis de imigração.
Fulton v. City of Philadelphia – Essa decisão era, talvez, a mais esperada do ano na Suprema Corte, por ser o caso mais sensível a envolver direitos de minorias e liberdade religiosa. A cidade da Filadélfia, na Pennsylvania, gere um programa público de adoção de órfãos e de tutela de crianças cujos pais não estão em condições de exercer seu poder parental. O programa de “foster care” é executado através de associações civis sem fins lucrativos, conveniadas à prefeitura, inclusive igrejas. Uma entidade católica questionou sua exclusão do programa municipal de adoção de órfãos, por recusar sua designação para casais homoafetivos, ao argumento de que isso violaria sua doutrina religiosa. A Suprema Corte, em decisão surpreendentemente unânime, redigida de forma muito emblemática por seu presidente John Roberts, considerou inconstitucional a exclusão da Igreja católica do programa, recorrendo a uma forma de ponderação de valores: “o recorrente busca apenas uma acomodação que o permitirá continuar servindo aos interesses das crianças da Filadélfia, de uma forma que seja compatível com sua doutrina religiosa; ele não pretende impor essa doutrina a ninguém mais”. A decisão entendeu que a restrição imposta pela municipalidade não passa no critério de escrutínio estrito aplicável à Primeira Emenda. Os juízes optaram, no entanto, por uma decisão estreita, mantendo o precedente Employment Division v. Smith (1990), segundo o qual não se pode invocar a religião para se eximir de uma obrigação a todos imposta pela lei, fato que explicaria a adesão dos juízes liberais.
California v. Texas – A maior conquista da administração Obama, o Affordable Care Act (justamente por isso conhecido como Obamacare), é um sistema de seguro saúde obrigatório, o qual envolve contrapartidas fiscais entre União e Estados, que desde sempre enfrentou oposição dos Republicanos, inclusive nos tribunais. Grupos conservadores já haviam tentado derrubar o programa em duas ocasiões anteriores, ao argumento de sua inconstitucionalidade (baseado em questões de devido processo legal e de federalismo), mas a Suprema Corte, em atitude de deferência ao legislativo e executivo, manteve o Obamacare em pé, ainda que por maiorias estreitas (e por esse motivo, inclusive, alguns conservadores mais radicais não perdoam o presidente John Roberts, que votou com os liberais no caso National Federation of Business v. Sebelius (2012)). A ação, neste caso, foi ajuizada por dezoito estados governados pelo Partido Republicano, que questionavam a natureza tributária do seguro saúde depois que uma lei federal alterou a compulsoriedade de sua contratação. A Suprema Corte sequer adentrou ao mérito da questão, pois decidiu, em maioria de sete votos a dois, inclusive com o voto de Clarence Thomas (que votou contra a constitucionalidade do programa em 2012), que os Estados que ajuizaram a demanda não demonstraram prejuízo efetivo em relação à causa de pedir, pelo que lhes faltaria “standing”, um requisito processual semelhante ao nosso “interesse processual”. Politicamente, o julgamento significa que o Obamacare dificilmente poderá ser derrubado no judiciário.
National Collegiate Athletic Association v. Alston – Esse foi, possivelmente, o julgamento da Suprema Corte que mais atraiu a atenção da mídia dos EUA neste ano judicário, por tratar de uma paixão dos americanos: esportes universitários. A enorme repercussão do caso está relacionada ao debate sobre o suposto “amadorismo” das milionárias competições esportivas organizadas pelas ligas universitárias. O National Collegiate Athletic Association é a “federação esportiva” que estabelece as regras relativas a toda normatização do esporte universitário, vedando a sua “profissionalização”, embora seja permitida a concessão de bolsa de estudos. O caso em questão tratava da possibilidade de concessão de benefícios extras além da bolsa de estudos, como auxílios para moradia, roupas, equipamentos eletrônicos, entre outros, o que era vedado pelas normas da NCAA. O requerente sustentou que essa regras, tal como ajustada entre todas as equipes por meio da NCAA, violava a Lei Antitruste, já que funcionaria como uma combinação para manter os esportistas em um determinado patamar de remuneração. A Suprema Corte, em decisão unânime, concordou com essa tese, deixando, inclusive, entreaberta a possibilidade de que em futuras ações se questione a própria possibilidade de pagamento de salários ou bonus aos atletas universitários. Se isso ocorrer em um futuro próximo, será uma verdadeira revolução no mundo esportivo dos EUA.
Nestlé USA, Inc. et al. v. Doe – Seis cidadãos do Mali, hoje adultos, ajuizaram uma ação na Justiça Federal dos EUA contra as corporações Nestlé e Cargill, alegando que foram sequestrados quando eram crianças em seu país natal e traficados para trabalhar em plantações de cacau na Costa do Marfim, onde laboravam em longas jornadas e eram mantidos em situação servil, inclusive com restrições à sua liberdade de locomoção. O objeto do pedido é uma indenização contra as empresas mencionadas, pelo fato de que as cacaueiras marfinenses integram a cadeia de produção das empresas com sede nos EUA, as quais financiavam e prestavam assistência técnica aos produtores africanos. Os advogados dos malinenses sustentavam que as corporações americanas, apesar de muitas evidências sobre violações aos direitos dos trabalhadores rurais, falharam em fiscalizar as condições em que o cacau comercializado era produzido. A Suprema Corte entendeu que, embora as empresas rés estejam formalmente constituídas sob as leis dos EUA, e em tese poderiam ser processadas perante a Justiça Federal por cidadãos estrangeiros, não se estabeleceu no processo um liame fático concreto entre as ações empresariais praticadas nos EUA e o alegado trabalho escravo na Costa do Marfim. Embora os juízes tenham se dividido quanto a ratio decidendi, prevaleceu o voto do Juiz Clarence Thomas no sentido de que uma mera alegação de que “as principais decisões operacionais” das empresas eram tomadas nos EUA não é suficiente para suscitar a aplicação extraterritorial do direito americano, que de qualquer forma seria inaplicável a esse tipo de conduta corporativa. A decisão dificulta enormemente a responsabilização jurídica das empresas americanas por violações a direitos humanos em suas cadeias de produção. Comentei essa decisão em detalhes aqui no JOTA.
Cedar Point Nursery v. Hassid – Este foi o processo trabalhista mais importante julgado pela Suprema Corte neste ano judiciário. Para os críticos da atual composição conservadora – especialmente em matéria econômica – este foi o caso “Lochner” da presidência Roberts. Uma lei estadual da California de 1975 sobre trabalho no campo permite que sindicalistas visitem propriedades rurais no Estado, em horários de intervalo dos trabalhadores, para fins de mobilização e de verificação das condições de trabalho, durante determinados dias no ano. A Califórnia é o único Estado dos EUA que tem esse tipo de norma, bastante comum na Europa. A empresa agrícola recorrente sustentou que a lei estadual californiana violaria a cláusula da Quinta Eemenda que proíbe desapropriações para fins públicos sem justa indenização. A Suprema Corte tem jurisprudência em que distingue a utilização secundária da propriedade privada pelo Estado, para fins regulatórios de atividades econômicas (por exemplo, para passagem de oleodutos ou cabos aéreos de energia elétrica), da despropriação em si (per se). A decisão não surpreendeu pelo placar, seis a três em linhas ideológicas (como acontece em quase todas as questões trabalhistas relevantes), mas pela afirmação bastante questionável, no voto prevalente do Presidente Roberts, de que a entrada dos sindicalistas equivaleria a uma desapropriação “per se”, o que se mostra contraditório à propria jurisprudência da Corte no caso Pruneyard Shopping Center v. Robins (1980), quando o tribunal declarou constitucional decisão da justiça californiana que permitiu a militantes estudantis solicitarem assinaturas de consumidores em um centro comercial privado. Caso emblemático em que a maioria conservadora mostra a que veio.
Lange v. California – Depois de ganhar muito dinheiro no setor imobiliário, Arthur Lange aposentou-se na meia idade e mudou-se para Sonoma, Califórnia, para “curtir a vida adoidado”. Uma noite, depois de beber algumas taças de vinho, voltou para casa com seu carro conversível, ouvindo música alta e buzinando sem sentido. Um policial que patrulhava a área, percebendo a sua “animação” talvez excessiva, passou a segui-lo (Lange trafegava em baixa velocidade) e deu sinal de luz para que encostasse o carro. Lange não parou e continuou até a sua casa; o policial seguiu na cola. Lange acionou o controle do portão eletrônico da garagem e entrou com seu carro. Quando o portão estava descendo, o policial saltou de seu veículo e travou o mecanismo. Ato contínuo, entrou na garagem de Arthur e verificou que o condutor estava com hálito etílico, pelo que ele foi detido e processado criminalmente, sob alegação de dirigir alcoolizado e usar aparelho de som em volume além do permitido em via pública. Lange recorreu da decisão, alegando que o policial invadiu o seu domicílio sem um mandado judicial de busca e apreensão, pelo que a prova de que estava alcoolizado deveria ser anulada, por violação à Quarta Emenda, nos termos do célebre precedente Mapp v. Ohio. A Suprema Corte tem uma exceção à exigência de mandado de busca e apreensão nas situações em que policiais estão em uma “hot pursuit”, isto é, quando a polícia está em uma perseguição de risco e o perseguido em fuga se refugia em sua casa para evitar a detenção. Lange, no entanto, alegou que não estava sendo “perseguido”, pois sequer percebera que uma viatura policial o seguia; portanto, não estava “em fuga”. E, além disso, a exceção prevista pela jurisprudência da Suprema Corte não poderia ser aplicada porque ele não havia cometido um “crime”, mas sim uma mera “contravenção” (misdemeanor). Em decisão umânime, redigido pela Justice Elena Kagan, a Suprema Corte deu razão a Lange. “A fuga de um suspeito de um delito de baixo potencial ofensivo nem sempre justifica uma violação ao domicílio sem mandado judicial. O agente policial deve considerar todas as circunstâncias em caso de perseguição, para determinar se de fato há uma necessidade emergencial de cumprimento da lei. Em muitas situações, a polícia poderá ter boas razões para entrar – prevenir violência, destruição de provas ou evasão da própria casa. Mas quando o policial tem tempo para obter um mandado ele deve fazê-lo, mesmo com eventual risco de fuga.” O Juiz Alito proferiu voto ainda mais severo: “As imagens de vídeo mostram que não havia uma tentativa de detenção e o Sr. Lange na verdade não estava fugindo. A perseguição não era de risco e sequer era perseguição”.
Mahanoy Area School District v. B.L. – Brandi Levy tinha quatorze anos de idade e havia acabado de entrar no ensino médio de uma High School na Pennsylvania. Quando se candidatou a entrar na equipe de cheerleader da escola, não foi selecionada e expôs sua frustração em uma mensagem para sua rede social no Snapchat: “fuck school, fuck cheer, fuck softball, fuck everything”. A postagem veio junto com sua foto, em que erguia ostensivamente o dedo médio. O post chegou ao conhecimento da direção da escola, que a suspendeu das atividades esportivas da escola por um ano. A Suprema Corte entendeu que a punição violou o direito de liberdade de expressão da estudante, pois a escola, na situação particular, não estava in loco parentis, isto é, na posição de substituir o comando disciplinar dos pais. Embora a decisão tenha afirmado que as escolas não podem monitorar os alunos vinte e quatro horas por dia nas redes sociais, afirmou que em determinadas situações que afetem gravemente o ambiente escolar (como assédio, bullying ou amaças), os alunos podem ser responsabilizados por suas palavras em redes sociais. Em síntese, a Suprema Corte limitou – mas não vedou – a possibilidade de restringir o discurso de alunos em redes sociais, quando estes se encontram fora da escola e do horário escolar. Comentei essa decisão em detalhes aqui no JOTA.
Brnovitch v. Democratic National Committee – No estado do Arizona, se um eleitor comparecer a uma sessão eleitoral que não tem certeza ser a sua ou se o seu nome por algum motivo não constar da lista de eleitores daquela sessão, ele ainda assim pode votar, em apartado. Posteriormente, a comissão apuradora checará o nome e o endereço do eleitor e se concluir que ele estava em uma sessão errada, o voto será anulado. O Partido Democrata questionou a constitucionalidade da lei estadual, por entender que a anulação do voto, nessa hipótese, desconsidera a manifesta vontade do eleitor. A questão é divisiva do ponto de vista político, porque os Democratas sustentam que esse tipo de norma afeta principalmente a população com menor grau de instrução, como pobres, negros e latinos, suprimindo, por via indireta, seu direito de voto, com violação à cláusula constitucional de igual proteção das leis. Ainda que a controvérsia possa parecer em sua face uma “questiúncula”, já que dificilmente uma eleição seria definida por esse tipo de voto descartado, o que está em questão é a possibilidade de os Estados estabelecerem normas arbitrárias de votação, em outros casos que terão maior abrangência, conforme a extensão do precedente. Como era de se esperar em questões que envolvem “voting rights”, o resultado espelhou a divisão ideológica da corte, com os seis conservadores votando pela constitucionalidade da norma arizonense, e os três liberais vencidos.
Americans for Prosperity Foundation v. Bonta – Uma lei estadual da Califórnia determina que organizações privadas sem fins lucrativos devem informar ao Procurador Geral de Justiça do Estado os nomes e endereços dos seus maiores doadores, com a finalidade de evitar possíveis fraudes. Essas informações são recebidas em sigilo e mantidas em caráter confidencial. O recorrente, uma associação civil californiana, argumenta que essa exigência é inconstitucional, por violar o direito de livre associação da Primeira Emenda, já que isso inibiria potenciais associados a se filiarem. A argumentação é que os doadores poderiam ser assediados publicamente por contribuir com causas que dividem a opinião pública. Esta que foi a última decisão do ano, em matéria politicamente sensível, colocou a Corte novamente, de forma emblemática, na posição “liberais v. conservadores”, em um previsível 6 x 3 em favor do sigilo dos doadores. Embora, aparentemente, a causa beneficie os Republicanos, que tem maior capacidade de obter doações empresariais, é preciso registrar que mesmo associações tradicionalmente alinhadas aos Democratas intervieram como amicus curiae em favor do recorrente, como a American Civil Liberties Union e National Association for the Advancement of Coloured People. É bom observar, no entanto, que remanesce em pé a jurisprudência da Suprema Corte que considera válidas as exigências de “disclosure” para associações civis, pessoas físicas e jurídicas nas doações para campanhas eleitorais, conforme os precedentes Citzens United v. FEC (2010) e Doe v. Reed (2010).