ECONOMIA
PL 1204/2021 e a proposta de alteração de investimentos de estrangeiros
Projeto sugere alterações sensíveis na sistemática de tributação dos fundos de investimento
O Projeto de Lei (PL) nº 1.204/2021, apresentado em 5 de abril pelo Deputado Fausto Pinato, sugere alterações sensíveis na sistemática de tributação dos fundos de investimento fechados, dos fundos de investimento em participações, bem como dos títulos públicos detidos por investidores estrangeiros.
De acordo com a Justificação do projeto, o fundamento para as referidas alterações é a condição crítica atual da economia brasileira, especialmente a queda histórica de 4,1% em 2020, situação que demandaria a busca por formas de arrecadação de recursos em áreas que não penalizassem a maioria da população. Isso porque, ainda segundo o autor do projeto, não se justificam possibilidades de planejamento tributário e de menor tributação para contribuintes mais ricos e com acesso a esses mecanismos de gestão patrimonial.
Muito embora o projeto tenha ganhado notoriedade por instituir o “come-cotas” para os fundos de investimento fechados, o seu escopo é vasto e contempla discussões relevantes para fins de planejamento tributário e sucessório e no que diz respeito à atratividade do mercado financeiro e de capitais do Brasil ao capital estrangeiro. A proposta concede tratamento tributário diferenciado a determinadas espécies de investimentos, sob a justificativa de promover a equidade social, mas, ao fazê-lo, viola outros princípios constitucionais.
Vale relembrar que os fundos de investimento são, em síntese, veículos de investimento sem personalidade jurídica, constituídos sob a forma de condomínios abertos ou fechados, pelos quais ocorre a comunhão de recursos destinados a aplicação em ativos financeiros e empreendimentos. Os fundos de investimento são denominados fechados quando não se admite o resgate de cotas durante o prazo de duração do investimento, conforme dispõe o artigo 16 da Instrução Normativa nº 1585/15. A contrario sensu, os fundos abertos são aqueles em que é possível o resgate das cotas durante o prazo de duração do fundo.
Atualmente, sob o ponto de vista tributário, os fundos de investimento gozam de regime diferenciado caso sejam fechados ou abertos. Nos primeiros, os ganhos auferidos só sofrem a incidência do Imposto de Renda quando o investidor recebe os rendimentos por amortização ou resgate de cotas, à alíquota fixa de 15%. Nos segundos, os resultados sofrem a incidência do Imposto de Renda tanto no resgate das cotas, quanto na antecipação semestral pela sistemática convencionada de “come-cotas”, às alíquotas de 15% a 22,5% conforme o prazo da carteira de títulos.
O PL 1.204/21 propõe a cobrança e o recolhimento do Imposto de Renda incidente sobre os fundos de investimento fechados de forma semestral, à medida que os rendimentos sejam auferidos, mediante a aplicação da alíquota de 15% ou 20%, à semelhança do que ocorre nos fundos de investimento abertos, pela sistemática do “come-cotas”. Importante notar a determinação da incidência “inicial” do Imposto de Renda sobre a valorização acumulada pelos fundos de investimento fechados até 31 de maio de 2022.
Adicionalmente, o projeto prevê a tributação dos cotistas destes fundos em eventos de reorganização societária – tais como: cisão, fusão, transformação e incorporação –, mediante a incidência do Imposto de Renda sobre a diferença positiva entre o valor pratimonial da cota e o custo de aquisição ajustado pelas amortizações.
No tocante aos fundos de investimento em participações (FIPs), o PL 1.204/21 disciplina que aqueles não qualificados como entidades de investimento – conforme os ditames da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) – serão equiparados a pessoas jurídicas para fins tributários. Além disso, o texto propõe a incidência de Imposto de Renda sobre os rendimentos auferidos por FIPs ainda que estes não tenham sido distribuídos aos cotistas.
Ainda, o PL 1.204/21 propõe o fim do benefício fiscal conferido a investidores estrangeiros domiciliados no exterior, consubstanciado na alíquota zero de Imposto de Renda incidente sobre os rendimentos decorrentes de títulos públicos por eles detidos. Para tanto, foi sugerida uma regra de transição, mediante a progressão de alíquotas, de forma que, em 2024, a alíquota passaria a ser semelhante a aplicável aos investidores brasileiros.
Destaca-se a manutenção das regras atuais para algumas modalidades de fundos de investimento, dentre elas: os Fundos de Investimentos Imobiliários, Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, Fundos de Investimento em Ações, Fundos de Investimento cotas de FIA, Fundos constituídos exclusivamente por determinados investidores não residentes, FIP, FIP em infraestrutura, FIP na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa e Desenvolvimento e Inovação.
Constata-se que o projeto dá tratamento tributário distinto a determinadas espécies de investimentos, por meio da tributação de rendimentos pretéritos – nas disposições que preevem a incidência do Imposto de Renda sobre a valorização passada de fundos de investimento fechados e FIPs não qualificados como entidades de investimento –, por exemplo, sob a justificativa de promover a equidade social. Contudo, ao fazê-lo, viola outros princípios constitucionais.
A esse propósito, o artigo 150, inciso III, alínea a da Constituição Federal disciplina o princípio da irretroatividade tributária, segundo o qual a lei deve atuar de forma prospectiva, alcançando hipóteses de incidência tributárias ocorridas no futuro. Em outras palavras, a lei tributária não pode atingir, no presente, fatos geradores ocorridos no passado. Vê-se, portanto, que a determinação de incidência do Imposto de Renda sobre a valorização acumulada pelos fundos de investimento fechados até 31 de maio de 2022 viola o referido princípio constitucional.
Não só, ao disciplinar a incidência do Imposto de Renda sobre a valorização acumulada e sobre os rendimentos auferidos por FIPs, ainda que estes não tenham sido distribuídos aos cotistas, o projeto viola o princípio da capacidade contributiva, segundo o qual a cobrança do tributo deve ser extraída da materialidade econômico a ser tributada.
A violação se dá a partir do momento em que não se verifica o acréscimo patrimonial do contribuinte, tampouco a efetiva disponibilidade da renda, elementos basilares do fato gerador do Imposto de Renda.
Ademais, em que pese o exposto na Justificação, é preciso questionar se a suposta busca por outras formas de arrecadação através da oneração da carga tributária dos fundos de investimento fechados, FIPs e investidores estrangeiros não traria efeitos econômicos danosos em um momento tão sensível.
A esse respeito, vale citar que, em 5 de janeiro deste ano, a B3 divulgou dados que demonstram que os investidores estrangeiros retiraram mais de R$ 31 bilhões da bolsa de valores brasileira só no ano de 2020. Segundo dados da Bloomberg em conjunto com a B3, em 2021 já houve uma retirada de R$ 9,2 bilhões. Soma-se a isso a desvalorização do Real que, conforme pesquisa realizada pela Flourish, figura como a sexta moeda que mais perdeu valor em relação ao dólar.
Diante do exposto, é necessário ponderar que a complexidade da tributação no Brasil acrescida da notória carga elevada e ambiente político, econômico e de negócios instável já são elementos que desmotivam o investidor estrangeiro. Incluir nesse cenário uma tributação elevada nos fundos de investimento fechados e FIPs e revogar a alíquota zero para investimento de estrangeiros em títulos públicos poderia resultar em uma fuga dos investidores nacionais e internacionais, e, consequentemente, aumentar ainda mais a dívida pública, além de dificultar a obtenção de recursos pelas pessoas jurídicas brasileiras, justamente nesse momento de crise sanitária, em que a maioria anseia por fluxo de caixa.
Assim, embora as alterações pareçam atrativas e até mesmo apresentem um viés de justiça tributária, o resultado pode ser uma arrecadação satisfatória no curto prazo seguida da fuga de recursos, sabidamente essenciais para a economia brasileira, bem como do esvaziamento substancial do interesse dos investidores nos instrumentos objeto das alterações.
Em síntese, na prática as alterações podem trazer efeitos indesejados e agravar ainda mais a crise econômica que justifica o projeto. Além disso, do ponto de vista jurídico, a proposição apresenta pontos de atenção, especialmente no tocante aos dispositivos violadores de princípios constitucionais tributários.