Internacional
Como os vinicultores alemães enfrentam a ressaca da enchente
Para muitos produtores de vinho do oeste da Alemanha, a catástrofe das inundações recentes pode significar ruína. Mas eles têm dois trunfos: solidariedade e ideias criativas como o selo “originalmente enlameado”
Os vinicultores da região de Ahrtal, no oeste da Alemanha, dizem que esta é sua pior safra, e é claro que têm razão. E no entanto valem cada centavo os 120 euros doados a eles, por exemplo, em troca de seis garrafas de vinho com o selo especial de qualidade “originalverschlammt” (originalmente enlameado). Pois o dinheiro do “Flutwein”, o vinho da enchente, beneficia os 50 produtores cujas adegas foram atingidas pelas recentes inundações na região, e que agora estão praticamente diante da ruína total.
Entre eles está Benno Gilles, um dos mais atingidos pelo desastre meteorológico. Quando a água chegou, o vinicultor de Marienthal se entrincheirou no sótão com a família e os hóspedes de seu hotel-pensão, e viu com os próprios olhos as massas d’água arrastarem embora sua existência: “Eu trabalho há 40 anos como vinicultor, uma firma familiar de terceira geração. E em poucas horas tinha ido tudo embora.”
Sua vinícola é uma parada muito apreciada pelos excursionistas da Rotweinwanderweg, a rota do vinho tinto do vale do rio Ahr. Além de saborear a bebida produzida por Gilles – 25 mil litros por ano –, os visitantes podem também pernoitar num dos cinco quartos da pensão.
Pequenos produtores foram os mais atingidos
No entanto, duas semanas após a enchente, Marienthal ainda lembra um palco de guerra, e o vinhedo de Gilles é uma devastação só. “Calculo que se foram umas 10 mil garrafas e todas as minhas máquinas. E também meio hectare da minha plantação. Se tiver sorte, vou poder produzir no ano que vem, para salvar a safra de 2022.”
Em sua adega, 8 mil litros de vinho jazem em gigantescos tonéis de carvalho, que agora é preciso engarrafar, ao lado de milhares de garrafas imundas. Mas: “Vamos conseguir. A gente não desiste!”, assegura o empresário.
Também o vizinho Paul Schumacher só pensou por um momento em jogar tudo para o alto, quando a torrente praticamente destruiu seu vinhedo. Depois que a água baixou, a geladeira do salão de hóspedes estava pendurada no lustre do teto. “No primeiro dia, pensei: meu Deus, e agora? Mas, se as finanças permitirem, vamos tentar continuar.”
Pelo menos Schumacher conseguiu salvar 20 mil de suas garrafas de vinho, quase todas ainda com a etiqueta. Ele acaba de mandá-las para serem lavadas pelos produtores de frutas das redondezas. Também em sua adega, nada menos do que 42 barris aguardam engarrafamento. Antes da inundação, ele exportava para a Dinamarca, Bélgica, até Eslováquia.
Seu sonho de vida sempre foi produzir o próprio vinho. Mais de 20 anos atrás, Schumacher começou bem pequeno, até comprar o vinhedo em Marienthal em 2006. Com cinco hectares de área de cultivo, assim como Gilles ele não é um dos grandes produtores de Ahrtal. E foram eles que a catástrofe atingiu com maior dureza.
“Calculo que os 60% dos vinicultores não têm seguro contra desastres naturais, eu também não”, comenta Schumacher. “Mas o vinho é o motor econômico para tudo, hotéis, gastronomia e trabalhadores manuais dependem da viticultura. Se ela não funcionar mais, a coisa vai ficar muito feia por aqui.”
“Originalmente enlameado”
O homem que não quer permitir que isso aconteça não mede esforços, no momento, para colocar sua vinícola em perfeita ordem após a enchente. Peter Kriechel é o maior produtor da região, e ao mesmo tempo presidente da associação Ahrwein, encarregada do marketing dos vinicultores locais. Foi ele que, juntamente com a dona de restaurante Linda Kleber, teve a ideia do “Flutwein”.
A coisa funciona assim: quem faz uma doação pode adquirir pela internet os vinhos que não se perderam na cheia, no estado em que foram resgatados. As garrafas sujas de lama têm potencial de se tornar símbolo da região, simbolizando, ao mesmo tempo, a catástrofe e o clima de renascimento.
A iniciativa, implementada em apenas três dias, já está prestes a ultrapassar a marca de 1 milhão de euros. “Perdemos toda infraestrutura aqui, não há pontes, nem estradas, nem água, eletricidade, gás, possivelmente até o ano que vem”, relata Kriechel. “Toda a economia foi destruída numa dimensão inimaginável, vai ser uma maratona chegarmos até onde estávamos.”
Solidariedade sem limites
Kriechel teve que se despedir de mais de um quarto de suas 200 mil garrafas estocadas, após a inundação da adega. Por 12 dias ficou sem eletricidade. Todas as máquinas, como as prensas, estão quebradas. Seus 22 empregados ainda passam para lá e para cá pela fábrica, de lavadora de alta pressão em punho. “Em comparação com os outros vinicultores, porém, nós aqui em Ahrweiler ainda saímos só com uns arranhões. Muitos colegas perderam tudo, não sobrou sequer uma única garrafa.”
A solidariedade que se manifesta de forma impressionante na região também uniu os vinicultores, não só na iniciativa Flutwein. Nos vinhedos do Ahrtal, 60 colegas da região do rio Mosela e de outras partes da Alemanha se empenharam diariamente para, de algum modo, salvar a safra de 2021: concorrentes se transformaram em amigos que arregaçam as mangas na hora do aperto.
Pode-se comprar o vinho da enchente online até 1º de setembro. No momento, Peter Kriechel organiza a logística para as entregas. Ele está plenamente convencido de que as garrafas não apenas servem para decorar qualquer boa adega, como podem tranquilamente ser bebidas.
“Acabo de receber um telefonema do laboratório que tirou amostras dos vinhos. Eles dizem que o conteúdo não foi prejudicado, em absoluto, nada impede o consumo. Isso é muito importante para nós – embora a ideia do donativo esteja em primeiro plano, é claro.”