Segurança Pública
Os guardas municipais podem averiguar denúncia anônima?
Ultimamente, em nossos tribunais, vem sendo questionada a possibilidade de os guardas municipais realizarem busca pessoal, domiciliar ou veicular, após o recebimento de denúncia anônima de suposta prática criminal.
Para entendermos melhor o assunto, faz-se necessária a análise constitucional e legal a respeito do tema.
Conforme determinação constitucional (artigo 144, caput, da Constituição Federal), os órgãos de segurança pública são: 1).Polícia Federal; 2).Polícia Rodoviária Federal; 3).Polícia Ferroviária Federal; 4).Polícias Civis, 5).Polícias Militares e Corpo de Bombeiros Militares e 6).Polícias Penais Federais, Estaduais ou Distritais. Sendo que a eles cabem preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio e no caso específico das Polícias Federal e Civil, exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária.
Já as Guardas Municipais, não se enquadram nas entidades de segurança pública e são destinadas à proteção dos bens, serviços e instalações do município (artigo 144, § 8º da Constituição Federal). Sendo que o Estatuto Geral das Guardas Municipais (Lei 13.022/2014), disciplinou mais especificamente suas atribuições, estabelecendo que:
Artigo 4º. É competência geral das guardas municipais a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município;
Artigo 5º. São competências específicas das guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais:
IV – colaborar, de forma integrada com os órgãos de segurança pública, em ações conjuntas que contribuam com a paz social;
V -colaborar com a pacificação de conflitos que seus integrantes presenciarem, atentando para o respeito aos direitos fundamentais das pessoas;
XIII – garantir o atendimento de ocorrências emergenciais, ou prestá-lo direta e imediatamente quando deparar-se com elas;
XIV – encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário;
Parágrafo único. No exercício de suas competências, a guarda municipal poderá colaborar ou atuar conjuntamente com órgãos de segurança pública da União, dos Estados e do Distrito Federal ou de congêneres de Municípios vizinhos e, nas hipóteses previstas nos incisos XIII e XIV deste artigo, diante do comparecimento de órgão descrito nos incisos do caput do artigo 144 da Constituição Federal , deverá a guarda municipal prestar todo o apoio à continuidade do atendimento.
Pois bem, da simples leitura dos dispositivos apresentados, facilmente se constata que os agentes municipais de vigilância não possuem atribuição para realização, de forma isolada e autônoma, de funções de Polícia Judiciária.
Ao contrário, o Estatuto Geral das Guardas Municipais (Lei 13.022/2014) confere aos seus membros a possibilidade de colaborar ou atuar em conjuntocom os demais órgãos de segurança, sob pena do reconhecimento da ilegalidade de sua atuação. Vejamos os precedentes a respeito:
Inexiste óbice à prisão em situação de flagrância, efetivada por guardas municipais ou qualquer outra pessoa, não havendo falar, em tais casos, em ilicitude das provas daí decorrentes. Na hipótese, entretanto, após denúncia anônima, guardas municipais abordaram o réu e, com ele não encontrando entorpecentes, seguiram até terreno localizado nas proximidades, onde foram apreendidos. Desempenhada atividade de investigação, deflagrada mediante denúncia anônima, que desborda da situação de flagrância, deve ser mantido o reconhecimento da invalidade das provas dela decorrentes. (STJ. RESP 1.854.065/SP. 02.06.2020).
Considera-se ilícita a busca pessoal, domiciliar pessoal e veicular executadas por guardas municipais sem a existência da necessária justa causa para a efetivação da medida invasiva. (STJ. RHC 142.588/PR. 25.05.2021).
Tráfico de drogas. Pleito de trancamento da ação penal. Possibilidade em relação ao paciente. Drogas apreendidas por guardas civis municipais, no interior de residência, após atos de investigação, o que só seria cabível por agentes da Polícia Judiciária. Atuação dos agentes municipais que não encontra respaldo no artigo 144, § 8º, da CF e na Lei n. 13.022/2014. Ilicitude da prova evidenciada. Ordem concedida. (TJSP. HC 2207704-51.2020.8.26.0000. Julgamento 07.10.2020).
Habeas Corpus. Tráfico de drogas. Impetração que espera o trancamento da ação penal com base na nulidade da prova. Busca e apreensão realizada por Guardas Municipais. Ausência de justa causa. Ordem concedida. (TJSP. HC 2016545-19.2020.8.26.0000. Julgamento 04.08.2020).
Assim, conclui-se que os guardas municipais têm a sua atuação restrita àquela prevista na Constituição Federal, cabendo-lhes a tarefa principal de proteger o patrimônio do município. Ocorre que entre as suas atribuições, não está inserido o poder de realizar atividades investigativas para desvendar ocorrência e autoria de crimes quando recebem informações a respeito.
Como qualquer do povo, estão autorizados a prender quem estiver em flagrante delito (artigo 301 do Código de Processo de Penal). Contudo, não podem extrapolando sua competência constitucional, investigar denúncias anônimas e realizar buscas não autorizadas.
Agindo dessa maneira, exercerão ilegalmente atividade típica de Polícia Judiciária e as provas colhidas e prisões realizadas, serão consideradas nulas.
AUTOR
Marco Antonio Cravo – Advogado Criminalista. Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal. Pós-graduado em Ciências Criminais e Pós-graduando em Direito Constitucional.