Internacional
Um ano de protestos de mulheres contra o regime em Belarus
Desde as controversas eleições de 9 de agosto de 2020, Lukashenko enfrenta uma resistência sem precedentes – e com protagonismo feminino. Elas, que já foram fortes apoiadoras, agora desafiam o “último ditador da Europa”
Há um ano, em 9 de agosto de 2020, Alexander Lukashenko se declarava vencedor das eleições presidenciais em Belarus. Em meio a acusações de fraude eleitoral, o resultado levou a protestos em massa a nível nacional, seguidos de uma onda aparentemente interminável de prisões, tortura e intimidação de manifestantes e opositores.
“Tive a sensação de que logo viriam atrás de mim também”, diz Anna Koval, que, ao lado de outros voluntários, recolheu alimentos, artigos de higiene e vestuário para as pessoas detidas.
“Brincamos que sofremos de fobia de ônibus, um distúrbio de ansiedade específico de Belarus”, afirma Koval. “Nos referimos aos ônibus pequenos com pessoas desconhecidas que podem parar você na rua a qualquer momento e forçá-lo a entrar no veículo. Eles não dizem quem são nem por que estão te levando. Isso pode acontecer até mesmo com pessoas que não são politicamente ativas.”
A história pessoal de Koval, que se sentiu obrigada a deixar seu país há quatro meses, e de várias outras mulheres belarussas é contada pela jornalista Alice Bota em seu novo livro, Die Frauen von Belarus (As mulheres de Belarus, em tradução livre), que acaba de ser publicado pela editora alemã Berlin Verlag.
“Há algo de nobre quando as pessoas superam seus medos e enfrentam uma luta desigual, mesmo tendo muito a perder. Também quando permanecem pacíficos, apesar de experimentarem tanta violência”, diz Bota.
São mulheres como essas que reconheceram sua força e desafiaram Lukashenko. Elas têm um papel decisivo na resistência contra um regime que não concede às mulheres nenhum lugar na política.
A mudança de posição das mulheres
Durante décadas Lukashenko personificou a figura paterna, o protetor da nação. As mulheres estiveram entre seus principais apoiadores e votaram em massa nele nas eleições presidenciais.
“As garantias sociais eram importantes para as mulheres – e o regime assegurava que as garantias sociais fossem mantidas. As mulheres eram particularmente vulneráveis e dependiam da ajuda do Estado quando não tinham um parceiro masculino, com subsídio parental, licença-maternidade e vagas em creches”, explica Alice Bota em entrevista à DW.
Mas a situação mudou abruptamente. As mães ficaram horrorizadas ao ver seus próprios filhos sendo maltratados nas ruas durante os protestos, então não podiam ficar indiferentes e perdoar Lukashenko por isso.
“Embora prevalecesse um matriarcado nas famílias dos países socialistas, com a mulher mantendo a família unida, trabalhando, cuidando dos filhos e talvez ainda dos pais, o sistema era e ainda é dominado pelos homens”, diz Bota.
“Um papel especial é atribuído às mulheres, e elas são veneradas, mas ao mesmo tempo tiveram seu lugar relegado. Mas agora as mulheres se superaram e estão visíveis – e até surpresas com sua própria força”, afirma a autora.
Três mulheres contra Lukashenko
Lukashenko não esperava tal resistência das mulheres. Maria Kolesnikova, uma musicista e feminista; Svetlana Tikhanovskaya, dona de casa, ex-professora e mãe; e Veronika Tsepkalo, gerente de TI e também mãe, tornaram-se três das principais figuras da oposição belarussa. Elas são o novo rosto – um rosto feminino – da revolução no país.
De braços dados, as três mulheres percorreram todo o país, falaram com jornalistas e se mostraram fortes e determinadas perante as multidões. O símbolo especial de Tsepkalo foi o sinal da vitória; o de Tikhanovskaya, o punho cerrado; e o de Kolesnikova, o coração.
Inicialmente, Lukashenko não levou as mulheres a sério: ele as chamava de “meninas” que “sabem fazer almôndegas” mas não sabem falar de política. Essa atitude depreciativa em relação às mulheres e as palavras humilhantes em público se revelaram seu maior erro: de protetor da nação, ele virou um inimigo odiado.
Na verdade, essas três mulheres nunca quiseram se envolver na política – mas acabaram forçadas pelas circunstâncias. Elas assumiram a causa política depois que os maridos de Tikhanovskaya e Tsepkalo foram impedidos de concorrer nas eleições, assim como Viktar Babaryka, cuja campanha era chefiada por Kolesnikova.
Elas conseguiram assustar Lukashenko – que reagiu de forma ainda mais dura. Enquanto Tikhanovskaya e Tsepkalo fugiram para o exterior, Kolesnikova está em prisão preventiva à espera de julgamento, podendo ser sentenciada a até 12 anos de prisão.
O despertar da sociedade civil
Alexander Lukashenko está no poder desde 1994. Dois anos após a posse, a Constituição belarussa foi alterada por referendo, dando a ele poderes praticamente ilimitados. O chefe de Estado introduziu símbolos estatais que lembram fortemente a era soviética. As tradições belarussas e até mesmo a língua belarussa são mal vistas.
“Mesmo para os melhores conhecedores de Belarus, os protestos foram uma surpresa. Por que não aconteceram antes?”, questiona a jornalista Alice Bota. “O cinismo do Estado na crise do coronavírus, as declarações de Lukashenko e o escárnio sobre os mortos fizeram com que a sociedade se redescobrisse. Surgiu assim uma nova sociedade civil.”
“Muitos subestimaram o nível de insatisfação. E essas três mulheres se tornaram catalisadoras. Talvez os protestos tivessem ocorrido da mesma forma, mas elas contrastaram fortemente com a linguagem desdenhosa do regime. Elas falaram sobre amor e respeito”, acrescenta Bota.
Um ano depois dos protestos, o regime belarusso não fez qualquer concessão à sociedade civil. Pelo contrário, a intimidação e a tortura ainda estão na ordem do dia. Mas a luta nas ruas e a revolução feminina continuam.
“No momento está ocorrendo uma limpeza radical de dissidentes”, afirma Marina Vorobei, jornalista de Belarus e fundadora da Freeunion.online, uma plataforma na internet que ajuda pessoas a se organizarem em associações e iniciativas públicas.
“Não são perseguidos apenas os que participam dos protestos, mas simplesmente qualquer um que possa ser considerado membro da sociedade civil, como as ONGs”, completa Vorobei. “Desde o início de julho, mais de 50 ONGs em Belarus foram revistadas.” Segundo ela, somente no dia 14 de julho, data que passou a ser conhecida como “Quarta-feira negra” para as ONGs do país, foram realizadas buscas em pelo menos 18 organizações públicas.
Vorobei afirma que o setor de ONGs em Belarus nunca tinha visto uma onda tão grande de prisões, buscas e apreensões em massa. Portanto, parece que os protestos estão agora se deslocando das ruas para a esfera online, onde os ativistas podem agir com maior proteção. De qualquer forma, nenhum deles está pensando em desistir – Anna Koval e Marina Vorobei concordam.