Internacional
ONU propõe diálogo com Talibã para formar novo governo no Afeganistão
Conselho de Segurança das Nações Unidas cobra defesa dos direitos humanos e das mulheres após islamistas tomarem o poder. Países querem evitar que território afegão se torne plataforma para o terrorismo
O Conselho de Segurança das Nações Unidas pediu nesta segunda-feira (16/08) o estabelecimento de conversações para a formação de um novo governo no Afeganistão, depois de o Talibã tomar o poder no país.
A reunião dp Conselho foi marcada às pressas na sede da ONU, em Nova York, pouco depois de os insurgentes tomarem a capital, Cabul, e após o presidente afegão, Ashraf Ghani, fugir para o exterior.
Representantes dos 15 Estados-membros do Conselho divulgaram uma declaração conjunta, redigida em consenso, pedindo o fim das hostilidades e a criação de um novo governo que seja “unido, inclusivo e representativo”, com a participação de mulheres.
Na primeira declaração do Conselho desde a tomada de poder pelos islamistas, os representantes pediram a “continuidade institucional e aderência às obrigações internacionais do Afeganistão que, assim como a segurança de todos os cidadãos afegãos e estrangeiros, devem ser asseguradas”.
O Conselho reivindicou o “fim imediato da violência” e a “restauração da segurança e da ordem civil e constitucional”, e pleiteou o início de conversações urgentes para resolver a crise de autoridade e encontrar soluções, através de um processo orientado e dirigido pelos próprios afegãos.
A declaração pede que todas as partes acatem as normas e padrões internacionais de direitos humanos e “encerrem todos os abusos e violações”. Os países pedem também acesso imediato a voluntários da ONU e de outras organizações para possibilitar o envio de ajuda humanitária a milhões de pessoas, “inclusive através das linhas de combate”.
“Não podemos abandonar os afegãos”
O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu durante a reunião de emergência que o mundo se una para combater o que chamou de “ameaça terrorista global no Afeganistão”.
“A comunidade internacional deve se unir para assegurar que o Afeganistão jamais volte a ser usado como plataforma ou porto seguro para organizações terroristas”, disse Guterres.
“Apelo ao Conselho de Segurança e à comunidade internacional como um todo que permaneçam unidos, que trabalhem e atuem juntos”
Ele disse que a ONU deve usar “todas os instrumentos disponíveis” para suprimir a ameaça terrorista, além de “garantir que os direitos humanos fundamentais sejam respeitados”. “O mundo está nos observando. Não podemos e não devemos abandonar o povo do Afeganistão”, sublinhou.
Guterres ressaltou que é fundamental que os “direitos duramente conquistados para as mulheres e meninas afegãs devem ser protegidos”.
O embaixador afegão na ONU, Ghulam Isaczai, pediu que as nações “declarem de modo inequívoco” que não reconhecerão um governo do Talibã.
Plataforma para o terrorismo
A China, por sua vez, se declarou pronta para uma relação “amigável e de cooperação” com o próximo governo, enquanto a Rússia confirmou que está “estabelecendo contato s com representantes das novas autoridades”.
O representante do Paquistão, país vizinho ao Afeganistão, reclamou que a Índia, que ocupa atualmente a presidência rotativa do Conselho de Segurança, rejeitou um pedido para que pudesse falar na reunião.
O Reino Unido estava entre os países que insistem que Talibã “honre suas promessas de proteger e manter os direitos humanos, incluindo os das mulheres, meninas e minorias”.
“Se o Talibã continuar a abusar dos direitos humanos, eles não podem esperar gozar de legitimidade aos olhos do povo afegão ou da comunidade internacional”, disse o vice- representante permanente britânico James Kariuki.
Os Estados Unidos endossaram as declarações de Guterres. “Devemos assegurar que o Afeganistão jamais se torne uma base para o terrorismo”, disse a embaixadora americana na ONU, Linda Thomas-Greenfield.
Ela observou que “populações civis, incluindo jornalistas e não combatentes, devem ser protegidos”, e pediu que as organizações humanitárias tenham permissão de continuar seus trabalhos no país, assolado pela seca e também pela covid-19.
Thomas-Greenfield pediu a liberação imediata de mais de 500 toneladas de ajuda humanitária que, segundo informou o Programa Alimentar da ONU, estão paradas nos postos de fronteira do país, agora controlados pelos islamistas.
A embaixadora sublinhou que “os cidadãos afegãos e internacionais que queiram deixar o país devem ter permissão para fazê-lo com segurança”. Ela prometeu que os EUA serão “generosos ao reassentar afegãos” e que todos os países precisam contribuir mais para esse fim.
Nesta segunda, Suhail Shaheen, porta-voz do Talibã, declarou no Twitter que as ordens estritas para os militantes eram de não fazer mal a ninguém. “A vida, propriedade e honra de ninguém será prejudicada, mas sim deve ser protegida pelos mujahidim”, afirmou.
Antes, seu colega Mohammad Naeem dissera à emissora Al Jazeera que o Talibã não queria viver em isolamento e almejava relações internacionais pacíficas.
Cabul à mercê dos islamistas
Cabul, que tem 4,4 milhões de habitantes, era um dos últimos redutos ainda sob a autoridade do governo afegão. O regime do país implodiu nas últimas horas após uma ofensiva-relâmpago dos talibãs, que agora voltam ao poder 20 anos depois de serem expulsos da capital por uma coalizão liderada pelos EUA.
Assim como ocorreu com dezenas de outras cidades afegãs nas últimas duas semanas, Cabul foi tomada sem resistência efetiva das tropas governamentais. O Exército afegão evitou combates e tropas foram vistas fugindo para países vizinhos.
Os talibãs ocuparam Cabul pela primeira vez outubro de 1996 e pelos cinco anos seguintes lideraram um regime totalitário que ficou conhecido pela repressão brutal a mulheres – simbolizada pela imposição da burca – e pela aplicação de uma versão extremamente arcaica e tirânica do islã.
Com o retorno do grupo ao poder, aumenta o temor de que a situação dos direitos humanos volte a se deteriorar e que o Afeganistão seja mais uma vez usado como base para terroristas islâmicos. Há expectativa de que os talibãs anunciem uma mudança de nome do país para Emirado Islâmico do Afeganistão, a designação que o país teve entre 1996 e 2001, durante o regime original dos radicais.
A queda de Cabul também é uma humilhação para os serviços de inteligência americanos, que nesta semana ainda previam que a capital só cairia nos próximos três meses. Os americanos ainda estavam no processo de retirar suas últimas forças do país.
O prazo final era 31 de agosto. O presidente americano Joe Biden também havia rechaçado em julho a hipótese de uma tomada de poder pelo talibã e na ocasião mencionou que o governo afegão tinha 300 mil militares bem equipados.