Esporte
Debêntures-fut e Sociedade Anônima do Futebol de propósito específico
Pela Lei Pelé, os clubes de futebol poderão se transformar ou criar a Sociedade Anônima do Futebol
Resolvendo discussões iniciadas ainda no âmbito da Lei Pelé (Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998), foi sancionada, em 9 de agosto de 2021, a Lei nº 14.193, de 6 de agosto de 2021, que institui a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) como entidade de prática desportiva e dispõe sobre normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas e regime tributário específico.
Pela nova lei, os clubes de futebol poderão se transformar ou criar (inclusive a partir de cisão do departamento de futebol) as SAF, que também podem ser constituídas por iniciativa de pessoa natural, jurídica ou fundo de investimento. Estas novas entidades têm caráter empresarial, em oposição ao regime de associação sem fins lucrativos atualmente adotado pelos clubes.
As SAF deverão ter por objeto social o fomento e o desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática do futebol, obrigatoriamente nas suas modalidades feminino e masculino, a formação de atleta profissional de futebol, nas modalidades feminino e masculino, e a obtenção de receitas decorrentes da transação dos seus direitos desportivos, a exploração, sob qualquer forma, dos direitos de propriedade intelectual de sua titularidade ou dos quais seja cessionária, incluídos os cedidos pelo clube ou pessoa jurídica original que a constituiu, a exploração de direitos de propriedade intelectual de terceiros, relacionados ao futebol, a exploração econômica de ativos, inclusive imobiliários, sobre os quais detenha direitos, quaisquer outras atividades conexas ao futebol e ao patrimônio da SAF, incluída a organização de espetáculos esportivos, sociais ou culturais e participação societária.
Importante notar que é permitida, ainda, a integralização do capital social da SAF, pelo clube ou pessoa jurídica original, com transferência de ativos, tais como, o nome, marca, dísticos, símbolos, propriedades, patrimônio, ativos imobilizados e mobilizados, inclusive registros, licenças, direitos desportivos sobre atletas e sua repercussão econômica, detidos pelo clube de futebol.
Neste novo regime jurídico, parece viável a constituição de uma SAF com propósito específico (uma SAF-SPE), incorporando em seu patrimônio determinados ativos materiais e imateriais do clube de futebol, para, por exemplo, promover o desenvolvimento de determinados atletas, participar em campeonatos ou competições específicas, bem como voltadas à condução de projetos especiais.
Assim, estas atividades estariam juridicamente segregadas do clube ou pessoa jurídica original, uma vez que a lei estabelece que a SAF não responde por obrigações do clube, anteriores ou posteriores à data de sua constituição, observadas disposições específicas.
A possibilidade de a SAF desenvolver atividades lucrativas sem que suas receitas sejam objeto de execução por credores do clube tem relevância especial quando se cogita uma operação de captação de recursos no mercado, via emissão das “debêntures-fut”.
Debêntures são títulos de crédito emitidos por sociedades anônimas, representativos de empréstimo tomado pela emissora junto a terceiros, nos termos e condições estabelecidos na competente escritura de emissão de debêntures. Estes títulos são disciplinados pela Lei nº 6.404, de 1976 (a Lei das S.A., que disciplina, subsidiariamente, as SAF) e amplamente utilizados no financiamento corporativo.
As debêntures quando emitidas pelas SAF denominam-se “debêntures-fut”, os recursos captados com sua emissão devem ser alocados especificamente nas atividades desenvolvidas pela SAF e devem obedecer alguns requisitos legais adicionais, tal como o estabelecimento de pagamento periódico de rendimentos, remuneração por taxa de juros não inferior ao rendimento anualizado da caderneta de poupança, permitida a estipulação, cumulativa, de remuneração variável, vinculada ou referenciada às atividades ou ativos da SAF, ter prazo igual ou superior a 2 (dois) anos, sendo vedada a liquidação antecipada por meio de resgate ou pré-pagamento e recompra da debênture pela SAF ou por parte a ela relacionada.
A segregação patrimonial e a autonomia da SAF em relação ao clube original conferem segurança jurídica ao investimento, por terceiros, nas debêntures-fut, uma vez que os recursos captados nestas emissões deverão ser destinados às atividades específicas desenvolvidas pela SAF, sendo que parte de suas receitas serão destinadas ao pagamento dos rendimentos e amortização das debêntures-fut, em benefício dos investidores, sem confusão com outros créditos e débitos do clube. Lembrando que a debênture configura-se como valor mobiliário, desta forma, caso ofertadas publicamente, as debêntures-fut deverão observar a regulamentação específica da Comissão de Valores Mobiliários.