Segurança Pública
CCJ aprova relatório que propõe penas mais rigorosas para crimes
Texto final da Subcomissão Especial para Assuntos Penais também dificulta progressão de regime dos presos; parecer foi criticado pela oposição
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (29) o relatório final da subcomissão que propôs mudanças na legislação para endurecer penas de crimes como homicídio, furto, roubo e uso irregular de verba pública, além de dificultar a progressão de regime para presos.
A votação se deu de forma desmembrada e, além do texto principal do relatório, foram aprovados dois dos oito anteprojetos de lei apresentados pelo relator da Subcomissão Especial para Assuntos Penais, deputado Carlos Jordy (PSL-RJ). Um dos anteprojetos aprovados trata do estupro de pessoa maior de 14 e menor de 18 anos. O outro endurece a pena para quem cometer crime contra idosos.
Em linhas gerais, no relatório, Jordy recomendou modificações no Código Penal, na Lei de Execução Penal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Estatuto do Idoso.
“A maioria da população pede maior rigor na legislação penal. Nosso Código Penal é de 1940, um documento totalmente desatualizado. Assim como diversas das nossas legislações estão desatualizadas”, afirmou o relator.
O texto recebeu críticas de deputados da oposição, e o Psol votou contra o relatório. A deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS) enxergou no documento o fortalecimento do “discurso do populismo penal”, com a tentativa de apresentar soluções mirabolantes para problemas complexos.
“O sistema carcerário e de segurança pública no Brasil está falido. É um sistema que prende muito e prende mal. Os grandes traficantes, os mandantes, os assassinos, os estupradores não são a maioria da população carcerária. O sistema retroalimenta a seletividade, a criminalização da pobreza e também as facções criminosas”, declarou Fernanda Melchionna.
Para ela, a solução do problema passa pela garantia de direitos humanos, como os direitos à alimentação, à informação e ao emprego.
Na avaliação de Carlos Jordy, no entanto, dizer que um criminoso não teve oportunidades na vida não pode ser justificativa para o cometimento de crimes, ainda que tenha destacado a importância dos direitos humanos. Segundo ele, a pena não é apenas ressocializadora, mas punitiva também, para que a vítima tenha sensação de justiça, já que seu bem não pode ser reparado.
Também o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) é favorável a penas mais duras e ao cumprimento integral da punição dentro dos presídios, apesar de reconhecer o papel da educação no enfrentamento da criminalidade. “Ou a gente prevê pena real ou a gente vai continuar com abatimento, progressão de regime. O sujeito dá uma saidinha e não volta mais ou utiliza a saidinha para cumprir missão de chefe de facção criminosa”, comentou.
Por sua vez, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) demonstrou preocupação com pontos do relatório. Ela acredita que a CCJ poderia dar um passo além para o enfrentamento da criminalidade no Brasil, sobretudo no que diz respeito à qualidade da perícia e do inquérito.
“Grande parte dos crimes no Brasil não encontra desfecho de responsabilização efetiva dos criminosos. Temos de contribuir para a área da perícia. A perícia é a ação policial inteligente, que soma-se à investigação para dar concretude na prova”, defendeu a parlamentar.
Anteprojetos aprovados
Um dos anteprojetos de lei (APJ 4/21) aprovados nesta quarta enquadra como estupro de vulnerável o crime sexual cometido contra pessoa menor de 18 e maior de 14 anos, sendo o agente ascendente da vítima, como padrasto ou madrasta, tio ou tia ou ainda educador, entre outros.
Fernanda Melchionna: relatório fortalece “discurso do populismo penal”
“Há uma lacuna a ser suprida. Hoje estupro de vulneráveis é de menor de 14. Estupro comum é acima dessa idade. Maiores de 14 e menores de 18 estão em um limbo”, argumentou Carlos Jordy. “Nesse limbo, há pessoas que estão suscetíveis à autoridade de pais, padrastos, tios, educadores e tutores e, muitas vezes, são acuadas por conta dessa autoridade”, continuou.
A pena prevista no Código Penal para estupro de vulnerável é reclusão de 8 a 15 anos.
O outro anteprojeto aprovado (APJ 8/21) amplia a punição para quem se apropriar de bens ou rendimentos (como aposentadorias e pensões) dos maiores de 60 anos. A pena atual, que é reclusão de 1 a 4 anos e multa, sobe para reclusão de 3 a 10 anos.
Os anteprojetos aprovados serão numerados individualmente e passarão a tramitar na Câmara como propostas legislativas.
Novos tipos
A análise dos outros seis anteprojetos de lei sugeridos por Carlos Jordy deverá ocorrer na próxima quarta-feira (6), pelos integrantes da CCJ. As proposições lidam com temas penais variados.
Na Parte Geral do Código Penal, Jordy propõe a criação da figura do “dolo eventual”, quando o agente assume o risco de produzir o resultado e não age de modo a evitá-lo.
Também cria o tipo “culpa temerária”, que ocorre quando o agente, por imprudência, negligência ou imperícia, pratica uma ação reconhecidamente perigosa. Pode ser aplicada, por exemplo, quando um motorista dirige embriagado e se envolve em um acidente.
Já o crime de homicídio tem a pena elevada para 8 a 20 anos de reclusão. Hoje é de 6 a 20 anos. Furto e roubo também recebem penas maiores se o autor é criminoso habitual (acrescida de 1/3 à metade).
Uma alteração no ECA permite que, em atos infracionais análogos a crimes hediondos, o adolescente infrator tenha a pena de internação de até 10 anos, em vez dos 3 anos máximos estabelecidos atualmente. Também dobra o prazo máximo de internação provisória antes da sentença (de 45 para 90 dias).
Progressão de regime
O relatório torna ainda mais difícil a transferência de presos de bom comportamento para um regime menos rigoroso (por exemplo, de fechado para semiaberto). Hoje, por exemplo, o réu primário condenado por crime hediondo progride de regime ao cumprir 40% da pena. O anteprojeto amplia para 50%.
Também acaba com o livramento condicional para estupro de vulnerável e crimes hediondos, quando houver morte da vítima. Outra sugestão é a exigência de realização de exame criminológico para a progressão de regime dos condenados por delitos mais graves (contra a vida e sexuais). Além disso, o relatório acaba com as saídas temporárias de condenados por crime hediondo ou equiparado.
Administração pública
Jordy propôs também mudanças no Código Penal para prever a punição por peculato (com pena de reclusão de 2 a 12 anos e multa) para o funcionário público que fizer uso indevido de bem infungível sob sua guarda. São bens que não podem ser substituídos, como obras de arte ou objetos raros.
Já o funcionário que der à verba pública um destino diferente do que manda a lei, ainda que sem vantagem pessoal, terá a pena ampliada para reclusão de 2 a 6 anos e multa. Hoje é de [[g detenção]] de 1 a três 3, ou multa.
Subcomissão
A Subcomissão Especial para Assuntos Penais foi criada a partir de proposta do próprio Carlos Jordy. A presidência coube ao deputado Guilherme Derrite (PP-SP). Em três meses, o colegiado realizou oito audiências públicas sobre a legislação penal.