Segurança Pública
Debatedores defendem punição diferenciada para criminosas lactantes
Lei já garante prisão domiciliar para gestante ou mãe cuja vítima não seja o próprio filho; proposta exclui do benefício presas por tráfico de drogas ou crime hediondo
Em audiência pública da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados participantes defenderam proposta (PL 3644/19) que permite ao juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar para as mães que amamentam.
A conversão para a prisão domiciliar só não será possível quando a lactante estiver presa por crime hediondo ou equiparado, como o tráfico de drogas.
O projeto já passou pelo Senado e pela Comissão de Segurança Pública da Câmara. Agora, aguarda análise da Comissão de Seguridade, que realizou o debate a pedido da relatora, a deputada Leandre (PV-PR).
Na Comissão de Segurança Pública, a proposta foi alterada em relação ao texto do Senado, para prever a exclusão, do benefício, daquelas lactantes presas por crime hediondo. O projeto original concede o benefício para todas, independentemente do crime.
Atualmente, o Código de Processo Penal já estabelece o cumprimento da prisão em regime domiciliar no caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência. A condição para isso é que ela não tenha cometido crime com violência, nem com grave ameaça, e que a vítima não seja seu filho ou dependente.
Custos sociais
Na audiência, Ana Cifali, do Instituto Alana, destacou que os custos sociais do afastamento das lactantes de seus bebês impactam toda a sociedade. Ela também citou dados para exemplificar a situação de extrema vulnerabilidade em que ficam as crianças afastadas de suas mães.
De acordo com Ana Cifali, o período da infância, determinante no desenvolvimento biopsicossocial, coloca as crianças em situação de “hipervulnerabilidade”, o que demanda proteção prioritária. E aquelas que têm pais encarcerados estão ainda mais vulneráveis.
“Pesquisa realizada em 2018 pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) diagnosticou que grande parte das crianças com pais e mães privados de liberdade integram famílias que estão inseridas em algum tipo de programa de auxílio de renda, não visitavam seus pais na prisão e passaram a exercer algum tipo de trabalho após a prisão do seu responsável”, alertou.
Ela citou outra pesquisa, realizada pela Fiocruz, onde é possível verificar que a prisão tem um “efeito devastador sobre os filhos das pessoas encarceradas”.
Ainda segundo Ana Cifali, metade das mulheres presas não tem companheiros. “Muitas delas são abandonadas pelos companheiros após o cárcere, 80% das mulheres são responsáveis pelo sustento da casa – ou seja, sem elas é muito comum que as crianças sejam encaminhadas ao acolhimento institucional.”
De acordo com Ana Cifali, o projeto em discussão busca garantir, desde a primeira infância, oportunidades para o desenvolvimento saudável e integral das crianças. Ela se posicionou, porém, de forma contrária à modificação feita na Câmara. Segundo Cifali, seria um retrocesso, pois afetaria a maioria das mulheres, que ficaria impedida de obter a prisão domiciliar. Para ela, a lei atual já dá conta do necessário, que é garantir que mulheres que cometeram crimes com violência ou grave ameaça fiquem nas prisões.
Acolhimento
O juiz do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Antônio Tavares ressaltou que as prisões ainda são um ambiente essencialmente masculino, muitas vezes inadequado para mães e suas necessidades.
“A lógica prisional e socioeducativa foi e ainda é construída predominantemente para os homens, fazendo com que as unidades prisionais e socioeducativas femininas e, principalmente, as mistas, deixem de ter estrutura física e de pessoal para o amparo e a assistência de mulheres e adolescentes, especialmente as gestantes, seja no pré-natal, seja no trabalho de parto, durante o período de lactância ou mesmo na atenção aos bebês e crianças filhas dessas mulheres.”
Raum Batista, da Associação Brasileira Terra dos Homens, criticou a prisão como único meio de punição e afirmou que ela traz graves consequências para o desenvolvimento da família, assim como traumas. As crianças, exemplificou, sofrem com medo, culpa e raiva. Ele também propôs que sejam pensadas estratégias para o acompanhamento dessas mulheres em prisão domiciliar.
A deputada Leandre sugeriu que, além da proposta em debate, outras sugestões sejam analisadas, por exemplo, alterações que tenham como objetivo mais integração entre o sistema prisional e o Sistema Único de Assistência Social, no que diz respeito ao acolhimento das crianças.
“Com o debate, vamos amadurecendo muitas outras coisas e, talvez, algumas contribuições possam vir para que a gente possa propor alguma outra medida prevista nas atribuições da Câmara dos Deputados. Talvez propondo uma legislação autônoma dentro daquilo que vocês acham que é mais específico, principalmente onde é preciso cruzar essas duas políticas, que é a do sistema prisional com a de assistência”, disse a deputada.
O projeto que permite ao juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar para as mães que amamentam, se aprovado na Comissão de Seguridade Social, ainda precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e pelo Plenário.