AGRICULTURA & PECUÁRIA
Dia do Agronegócio: tecnologias de precisão aumentam produtividade, mas ainda são pouco presentes
Especialistas falam ao IT Forum sobre como dados, algoritmos e maquinários tecnológicos ajudam o setor
Nessa sexta (25) é celebrado o Dia do Agronegócio – uma das principais indústrias brasileiras. Segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) relativos ao ano de 2020, o agro representa cerca de 26,6% do PIB do país. Por outro lado, o uso de tecnologia ainda caminha a passos curtos em comparação a outros mercados. Uma pesquisa feita em 2020 sobre Agricultura Digital no Brasil (Embrapa, Sebrae e Inpe) revelou que mais de 84% dos agricultores brasileiros já afazem o uso da internet.
Por outro lado, Marcos Ferraz, presidente da Associação Brasileira de Agricultura de Precisão e Digital (AsBraAP), afirma que ainda há uma adoção relativamente baixa no que diz respeito a adoção de tecnologias de precisão. O mesmo levantamento mostrou que menos de 20% das propriedades usam sistemas de localização por GPS e menos de 8% utilizam mapas digitais ou informações localizadas geograficamente.
“Existem dois tipos de tecnologias que facilitam a chamada ‘agricultura de precisão’ as tecnologias que melhoraram a obtenção de informações e recomendações das lavouras, como sistemas de amostragem de solo de forma localizada, imagens de satélite, drones e sensores e as tecnologias para execução destas recomendações de forma mais precisa como os sistemas de posicionamento, válvulas e motores capazes de regular as máquinas e aplicar os insumos de forma inteligente, considerando as variações existentes dentro da área”, comenta ele.
A Raízen está entre as empresas que apontam para a tecnologia como aliada no aumento de produtividade e eficiência. Fabio Mota, vice-presidente da empresa no Brasil, disse em entrevista ao IT Forum que toda a cadeia de produção da companhia é automatizada com computador de bordo e piloto automático.
“Hoje, temos mais de um milhão de campos de futebol em terras. Nós usamos imagens via satélite ou drones para sobrevoar todas as terras para decidir onde plantar, como plantar, qual insumo será agregado, entre outros dados. Essas informações são calculadas por algoritmos que criam o plano de plantio ou colheita e enviam para o maquinário”, exemplifica ele. Esse planejamento é crucial no caso do plantio de cana de açúcar, pois as máquinas precisam caminhar sem que passe por cima da plantação e, para isso, a assertividade passa por centímetros.
Os algoritmos de eficiência da Raízen também são tomadores de decisões em outros quesitos, como a distribuição na operação dos campos. Se um equipamento precisa buscar uma colhedora em um ponto para levar a outro, os algoritmos fazem a agenda para o despacho inteligente. “Além disso, temos o monitoramento de todas as operações. A gente tem uma central de monitoramento em Piracicaba que funciona 24/7 para saber se tudo está funcionando como deveria e caso não, o que deve ser feito”, diz o executivo.
Em um futuro não tão longe, Mota aposta que os maquinários serão autônomos e frisa que os operadores, hoje, têm uma postura de monitoramento e backup caso uma máquina deixe de funcionar. O presidente da AsBraAP também acredita que a agricultura está em constante evolução no que diz respeito à produtividade.
“Novos produtos, máquinas, sementes modelos e técnicas de cultivo surgem a cada ano. Com a tecnologia vamos tornar as operações mais eficientes pois seremos capazes de entender melhor o processo agrícola, através do monitoramento do processo. A tecnologia possibilitará uma gestão baseada em dados, fazendo com que o agricultor erre menos, diminuindo os riscos e aumentando a lucratividade”, revela.
Os dados, inclusive, têm grande valor na Raízen. De acordo com o vice-presidente, os dados proprietários são uma grande vantagem competitiva pela sua grande quantidade – uma das maiores no Brasil. Hoje, a companhia tem um time de mais de 60 engenheiros e cientistas de dados para determinar identificação de falhas, de daninhas, para otimização, entre outros. A Raízen já trabalha, por exemplo, para prever as terras que têm mais probabilidade de ter um incêndio. Dessa forma, é possível se antever e diminuir a janela de tempo para combater o incidente.
Apesar de tantos benefícios no uso de tecnologia, ainda há diversos desafios em sua adoção. “O principal deles é a capacitação técnica, a falta de mão de obra especializada faz com que as tecnologias sejam subutilizadas, o agricultor pode até gastar o dinheiro adquirindo tecnologias, mão não tem a capacitação para utilizar todo o seu potencial ou até desconhece as possibilidades. Essa questão também afeta a qualidade da divulgação e venda dos benefícios destas tecnologias, o que acaba gerando desconfiança. Aliado a isso estão os altos custos iniciais de aquisição de muitas tecnologias, já é difícil investir altos valores, se é algo que o usuário não entende de forma clara, fica ainda mais complicado”, alerta Ferraz.
Startups jovens, mas em crescimento
Para apoiar grandes e pequenos produtores rurais brasileiros, um ecossistema rico de startups agro – também conhecidas como “agtechs” – tem se desenvolvido no país. São, em sua maioria, empresas com soluções voltadas para agricultura de precisão, biotecnologia, crédito rural, e automação – focadas, principalmente, em trazer ganhos de eficiência, produtividade e inteligência para o agronegócio.
Ele ainda é, no entanto, um ecossistema relativamente jovem e pequeno quando comparado a outros segmentos da economia de startups do país. Isso é especialmente verdade quando levamos em consideração a importância do agronegócio para o Brasil.
As agtechs, por sua vez, sequer figuram na lista dos cinco segmentos de startups que mais recebem investimentos no Brasil. Segundo o AgTech Report 2021, estudo elaborado pelo hub de inovação Distrito sobre startups agro, o segmento recebeu US$ 4,7 milhões em sete rodadas de investimento no ano passado. O valor é ínfimo perto dos US$ 3,7 bilhões arrecadados por startups do setor financeiro no Brasil em 2021.
“Há setores crescendo muito mais rápido na digitalização, na inovação e atraindo mais investimentos de venture capital, como fintechs, retailtechs, proptechs, e mesmo healthtechs”, disse Gustavo Araujo, cofundador do hub de inovação Distrito, ao IT Forum. “O agro começou a despontar em inovação no ano passado, sobretudo com plataformas de fintech levando crédito para o fazendeiro, que é algo que faz parte do dia a dia do agronegócio.
Também chamadas de “agrifintechs”, explica Araújo, empresas como Agrolend, Terra Magna e Nagro têm despontado como as startups que mais movimentam o cenário agtech, e respondem pelos principais maiores aportes no país. Para 2022, o executivo afirma que esse segmento deve continuar como o de maior potencial do setor, com as maiores arrecadações. No seu relatório de potenciais “unicórnios” de 2022, a Distrito já coloca a Solinftec, de agricultura de precisão, como potencial primeira agtech brasileira a ultrapassar um valor de mercado de US$ 1 bilhão.
Há alguns fatores que explicam a disparidade entre o tamanho do ecossistema agtech e o tamanho do agronegócio brasileiro, no entanto. Um deles é a dispersão desse mercado pelo território nacional. “O mercado ainda é jovem porque há, primeiro, a dificuldade de estar muito espalhado pelo Brasil”, conta Araújo, do Distrito.
Segundo o Agtech Report 2021, São Paulo é o estado de maior concentração de agtechs, com 112 empresas. Mas, se considerada a população de cada estado, a região Sul desponta com média superior a três startups agtech a cada milhão de habitantes.
Outro motivo para o segmento ainda estar em “early stage” é visto como cultural. Apesar dos esforços de digitalização, o agronegócio brasileiro ainda é considerado um setor “tradicional”, em que a adoção de tecnologia não segue o mesmo ritmo de setores como serviços financeiros, varejo, saúde ou educação.
“A gente está em uma fase de transição”, avaliou João Paulo Pedroso Silva, consultor de negócios sênior da XMobots, startup do setor de automatização com drones. “No mercado agro de dez ou quinze anos atrás, nós consumíamos muita tecnologia, mas comprávamos [de fora] em um pacote pronto. Aí quebrávamos a cabeça para adaptá-la ou ajustá-la às condições brasileiras. Mas essa ficha vem caindo e, hoje, temos muito mais fé e confiança no que é desenvolvido aqui e nas empresas que estão aqui”, completou.
A XMobots é um dos exemplos das startups que tem despontado como um caso de sucesso junto ao agronegócio brasileiro. Fundada em 2007 e localizada em São Carlos, no interior de São Paulo, a empresa é uma das maiores fabricantes do Brasil e América Latina especializada em projetos e produção de drones.
Em 2020, a startup investiu na inauguração de uma nova fábrica na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica de Itajubá (Incit), em Minas Gerais, para dar conta da demanda por drones do setor. Hoje, a frota de drones agro no Brasil é estimada em seis mil unidades. A fábrica teve o início de suas operações adiadas por conta da pandemia, mas deverá ajudar a companhia a atender demandas crescentes, como a de drones de mapeamento e de pulverização.
“Eu tenho visto grandes multinacionais que antes eram fabricantes de fertilizantes, de defensivos ou multiplicadores de sementes, e hoje, todas estão fabricando soluções”, explicou Pedroso Silva, da XMobots. “Só entregar um produto de qualidade hoje em dia já não é mais o suficiente para você estar nesse mercado.”
De acordo com o executivo, para se adaptar a essa realidade, grandes empresas do setor têm duas alternativas: ou criam departamentos para desenvolver tecnologia internamente ou olham para startups. No Brasil, essa segunda opção vem ganhando força. “O legal da startup é que o investimento é relativamente pequeno para você começar a ter uma solução. Muitas vezes um aplicativo de celular ou uma inteligência artificial que trabalha os dados e dá uma informação relevante para o produtor, já provoca uma revolução”, avaliou. “A gente vê isso se multiplicando”.