Internacional
Análise desmente “cadáveres em movimento” nas ruas de Bucha
Governo russo e perfis pró-Russia em redes sociais afirmam que imagens de corpos espalhados pelas ruas da cidade ucraniana foram encenadas. Checagens da DW e do “NYT” desmentem as alegações
Desde o final de semana, circulam diversas imagens terríveis do que restou em Bucha, nos arredores de Kiev, após a retirada das tropas russas. Uma rua repleta de corpos pelo chão. As vítimas não usam uniformes militares. Algumas estão amarradas. Após a divulgação de vídeos pelas Forças Armadas da Ucrânia nos dias1 de abril e2 de abril, jornalistas de veículos internacionais também estiveram na região e noticiaram sobre os mortos.
Soldados russos são acusados de fuzilarem civis. O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, falou em “genocídio”; o chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, condenou “os crimes das forças de segurança da Rússia”, e o secretário-geral da ONU, António Guterres, se disse “profundamente chocado”.
Ao mesmo tempo circula nas redes sociais, impulsionada pela Rússia, uma acusação monstruosa: de que as cenas de Bucha não passam de uma encenação.
O Ministério da Defesa da Rússia escreveu no Telegram que os vídeos são uma “produção encenada e provocação”. A embaixada russa em Berlim seguiu a alegação e disse considerar as imagens de Bucha “mais uma encenação do regime de Kiev para a imprensa ocidental”. A porta-voz do Ministério do Exterior russo, Maria Zakharova, chegou a dizer que sabe que os Estados Unidos e a Otan supostamente encomendaram os vídeos para colocar a culpa em Moscou.
Não há provas de encenação
As instituições russas, no entanto, não fornecem provas para essas alegações. Perfis pró-Rússia propagam a narrativa nas redes sociais de que tudo não passa de uma grande mentira: atores teriam sido posicionados nas ruas para parecerem corpos. A prova estaria num dos vídeos que mostram os mortos numa rua em Bucha.
As alegações: um usuário de uma rede social afirma que um dos corpos do lado direito do vídeo teria movimentado o braço. Outro pergunta sarcástico se um cadáver pode mexer a mão e outro se levantar. “O que está sendo encenado aqui?”, acrescenta.
De acordo com a checagem de fatos da DW, essa alegação é falsa.
No vídeo citado, não dá para ver um corpo levantando o braço ou um dos cadáveres se levantando de repente. A DW verificou as duas alegações e localizou a área onde as imagens foram gravadas: a rua Yablunska, em Bucha. Alguns edifícios aparecem em imagens do Google Street View feitas em 2015, e outros foram construídos aparentemente depois. O comboio que gravou o vídeo ia na direção nordeste.
A primeira alegação seria de que um dos corpos à direita do vídeo teria mexido a mão. Realmente parece que há algo que se move à medida que a imagem se aproxima do corpo, porém, não se trata de uma mão. Análises de imagem feitas pela DW mostram que se trata de uma gota de chuva no para-brisa do carro de onde está sendo feita a gravação. Essa gota se move para cima devido ao vento contrário, dando a impressão de um movimento. Uma outra versão do vídeo, filmada em melhor qualidade, mostra claramente que se trata de uma gota de chuva e não de um movimento de mão.
O legista forense digital Dirk Labudde, professor da Faculdade de Mittweida, analisou as imagens para a DW. Após separar os frames do vídeo, o especialista constatou que se trata “de um artefato no para-brisa do veículo de onde está sendo feita a filmagem que aparece em todos os frames” e que “numa análise detalhada não foi identificado movimento de uma pessoa”.
Curvatura do retrovisor sugere movimento
A outra alegação seria de um corpo que se levanta após a passagem do carro de onde está sendo feita a filmagem. O movimento teria aparecido no espelho retrovisor do veículo. Aqui mais uma vez se trata de uma falsa interpretação. A análise feita pela DW mostra que o corpo continua deitado no lugar onde estava.
A combinação do movimento do carro com a mudança de direção da câmera para a frente explica essa falsa interpretação. O espelho retrovisor possui uma curvatura que aumenta o campo de visão. A reprodução do vídeo em velocidade menor mostra que o corpo permanece na mesma posição até mesmo na imagem gravada no retrovisor. Essa também é a conclusão de Labudde.
“Uma alteração na imagem no espelho pode ser percebida devido à mudança de perspectiva da câmera, da curvatura desigual do retrovisor e da distorção do reflexo gerada por isso. Essa alteração dá a impressão de que o corpo que aparece no retrovisor se move. Essa alteração, porém, é coerente com os pontos imóveis ao redor do corpo. Isso indica que não houve nenhum movimento real desse corpo enquanto a câmera estava gravando”, explica o especialista.
Corpos estariam nas ruas desde março
Uma investigação do jornal americano The New York Times, com base em imagens de satélites feitas pela empresa Maxar, revelou ainda que os corpos estão desde 19 de março nas ruas de Bucha, e em alguns dos casos, como na rua Yablunska, eles aparecem nas imagens desde 11 de março.
O antes e depois comparando as imagens de satélite de 19 de março e o vídeo de 2 de abril mostra que os corpos estão na mesma posição. Isso rebate claramente a alegação da Rússia de que os corpos apareceram nas ruas depois da retirada das tropas russas em 30 de março.
Essa não é a primeira vez desde a invasão da Ucrânia que a Rússia nega acusações de supostos crimes de guerra e alega que provas para tais atos seriam falsas.
Moscou também classificou as imagens do ataque a uma maternidade em Mariupol como encenação. O ataque e suas consequências para a população civil foram documentados em detalhes desde então. Já o governo russo não forneceu nenhuma prova para a alegada encenação do ataque.
A destruição nas cidades da Ucrânia
Em meio à rejeição de rendição ucraniana em Mariupol, no sudeste do país, Rússia ataca também a capital Kiev.
Foto: Daniel Ceng Shou-Yi/ZUMA/picture alliance
Igreja atingida
Objetos religiosos em parte destruídos em um prédio da igreja ortodoxa danificado por bombardeios pesados Tchernihiv, na Ucrânia, em 6 de abril de 2022.Foto: Serhii Nuzhnenko/REUTERS
Corpos pelas ruas e valas comuns
A retirada das tropas russas das cercanias de Kiev vai revelando imagens atrozes. No subúrbio de Bucha, pelo menos 280 residentes fuzilados jazem em valas comuns. Além disso, invasores teriam deixado armadilhas explosivas para trás. Autoridades internacionais exigem investigação de eventuais crimes de guerra.Foto: Zohra Bensemra/REUTERS
Fragilidade do vidro
Vidros de janelas estilhaçados em prédio de apartamentos em Irpin, na Ucrânia, neste dia 31 de março de 2022.Foto: Zohra Bensemra/REUTERS
Só ruínas do mercado
Restou apenas a estrutura do mercado central de Chernihiv, destruído por um bombardeio em 30 de março de 2022.Foto: Vladislav Savenok/AP/picture alliance
Escombros na periferia de Kiev
Um jornalista caminha em meio a escombros de casas e prédios após um ataque russo em Byshiv, na periferia de Kiev, capital da Ucrânia, em 27 de março.Foto: Rodrigo Abd/AP Photo/picture alliance
Destruição por toda parte
Fileira de ônibus queimados colocados pelos defensores do Batalhão Azov ucraniano para impedir o avanço das forças russas na cidade portuária de Mariupol neste dia 23 de março.Foto: Maximilian Clarke/SOPA Images via ZUMA Press/picture alliance
Tanque destruído
Um tanque destruído provavelmente pertencente às forças da pró-Rússia entre os escombros no norte da Mariupol em ruínas. A batalha entre as forças pró-russas e as forças de defesa ucranianas lideradas pelo batalhão Azov continua na cidade portuária de Mariupol também neste dia 23 de março.Foto: Maximilian Clarke/SOPA Images via ZUMA Press/picture alliance
Centro comercial destruído
Um centro comercial no bairro de Podilskyi, no noroeste de Kiev, foi completamente destruído por um ataque russo em 21 de março, 26º dia da invasão da Ucrânia. Autoridades informaram que ao menos oito pessoas morreram em decorrência do bombardeio.Foto: Daniel Ceng Shou-Yi/ZUMA/picture alliance
Vista da destruição
Homem remove uma cortina em uma escola danificada entre outros edifícios residenciais em Kiev, Ucrânia, em 18 de março. Forças russas intensificaram ataques a cidades ucranianas, com novos lançamentos de mísseis e bombardeios nas proximidades da capital, Kiev.Foto: Rodrigo Abd/AP Photo/picture alliance
Fogo na noite
Um depósito queima após ser atingido por um bombardeio de artilharia no norte da cidade de Kiev em 17 de março, quando as operações militares russas no país entraram em seu 22º dia.Foto: Narciso Contreras/AA/picture alliance
Pertences para trás
Mulher e criança saem às pressas de prédio residencial bombardeado por militares russos em Kiev, em foto divulgada em 16 de março.Foto: State Emergency Service of Ukraine/Handout/REUTERS
Em chamas
Bombeiros tentam em 15 de março controlar incêndio em prédio de apartamentos em Kiev danificado por bombardeio russo.Foto: State Emergency Service of Ukraine/REUTERS
Memória de um lar
Morador de Kiev observa em 14 de março edifício residencial atingido por bombardeio russo.Foto: SOPA Images/ZUMAPRESS/picture alliance
Cidade sob cerco
Mulher caminha em 13 de março em frente a edifícios residenciais atingidos por bombardeios na cidade litorânea de Mariupol, no sudeste da Ucrânia, que está cercada por militares russos e enfrenta falta de luz, mantimentos e remédios.Foto: Evgeniy Maloletka/AP Photo/picture alliance
Viagem interrompida
Imagem de 12 de março mostra um carro alvejado por balas ou estilhaços de bomba, abandonado em rua na cidade de Irpin, ao norte de Kiev, ao lado de boneca.Foto: Sergei Supinsky/AFP/Getty Images
Culto adiado
Soldado ucraniano tira foto em 10 de março de igreja danificada por ataque russo na cidade litorânea de Mariupol.Foto: Evgeniy Maloletka/AP/dpa/picture alliance
Duas vidas a menos
Grávida ferida é resgatada em 9 de março uma maternidade atingida por bombardeio russo na cidade litorânea de Mariupol. Cinco dias depois, o governo ucraniano informou que a mulher e o bebê morreram. Ela tinha ferimentos graves na pélvis e no quadril.Foto: Evgeniy Maloletka/AP/picture alliance
Restos de uma casa
Homem caminha em 8 de março em frente a casa destruída por bombardeio russo na vila de Sopino, na região de Donetsk, controlada por separatistas, no leste da Ucrânia.Foto: Alexey Kudenko/SNA/Imago
Destruição em Borodyanka
Casas queimam após serem atingidas por bombardeios na cidade de Borodyanka, perto de Kiev, Ucrânia, em 2 de março. Tropas russas entraram na Ucrânia em 24 de fevereiro, levando o presidente do país a declarar lei marcial e desencadeando uma série de severas sanções econômicas impostas por países ocidentais à Rússia.Foto: Alisa Yakubovych/EPA-EFE
Prédios civis atingidos
Prédio residencial destruído pelos recentes bombardeios, enquanto a invasão russa da Ucrânia continua, na cidade de Irpin, nas proximidades de Kiev, em 2 de março.Foto: Serhii Nuzhnenko/REUTERS
Em busca de algo para salvar
Mulheres inspecionam destroços dentro de um apartamento de um edifício residencial que os moradores locais disseram ter sido danificado pelos recentes bombardeios, na cidade de Gorlovka, controlada pelos separatistas na região de Donetsk, Ucrânia, em 2 de março.Foto: Alexander Ermochenko/REUTERS
Prédio da polícia destruído em Kharkiv
Delegacia regional de polícia em Kharkiv ficou completamente destruída após um ataque com mísseis russos em 2 de março.Foto: Ukraine State Emergency Service/AA/picture alliance
Ruínas após ataque a Kharkiv
Entrada de um prédio completamente destruída após o bombardeio pelas forças russas, na Praça da Constituição, em Kharkiv, segunda maior cidade da Ucrânia, em 2 de março.Foto: Sergey Bobok/AFP
Fuga de Kiev
Pessoas em um trem de evacuação de Kiev para Lviv, na estação central de trem da capital ucraniana, em 1º de março.Foto: Umit Bektas/Reuters
Destruição após explosão
Um membro do exército ucraniano caminha perto de um prédio após uma explosão, em meio à invasão russa da Ucrânia, em Kiev, Ucrânia, em 1º de março.Foto: Carlos Barria/Reuters
Zelenski fala à imprensa global
O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, fala a repórteres durante uma entrevista com a agência de notícias Reuters, em Kiev, em 1º de março.Foto: Umit Bektas/Reuters
Veículos destruídos
Um homem caminha entre veículos militares russos destruídos em Bucha, próximo a Kiev, em 1º de março.Foto: Serhii Nuzhnenko/AP/picture alliance
Prefeitura de Kharkiv em ruínas
Um membro do Serviço de Emergência da Ucrânia olha para o edifício da prefeitura após bombardeio na praça central de Kharkiv, em 1º de março.Foto: Pavel Dorogoy/AP/picture alliance
Fonte: DW