Segurança Pública
As pensões militares, cujos óbitos tenham ocorrido a partir da Lei Federal nº 13.954/2019, devem ser concedidas na forma do art. 24-B do Decreto-Lei nº 667/1969, com paridade e integralidade?
As pensões provenientes de militares cujos óbitos tenham ocorrido a partir de 17/12/2019 devem ser concedidas com paridade e integralidade ou valem as normas em sentido contrário previstas em leis estaduais?
Para iniciar o debate proposto no presente artigo, temos que a Lei Federal nº 13.954/2019 instituiu o novo Sistema de Proteção Social dos Policiais Militares, sendo a nova sistemática advinda da EC nº 103, de 2019, que deu nova redação ao Art. 22, inciso XXI da Constituição Federal de 1988, atribuindo competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação, mobilização, inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares.
A discussão aqui proposta afigura-se importante, ou seja, aplicabilidade ou não da norma federal em detrimento das normas estaduais em curso, uma vez que os estados e Distrito Federal dispõem de regramento próprio para o seu corpo castrense. Ademais, como é no Estado de Alagoas, a Lei Estadual nº 7.751, de 2015, sem as alterações impostas pela Lei Complementar Estadual nº 52, de 2019, dispõe abertamente sobre a previdência dos militares. Referida lei estadual institui o fundo previdenciário exclusivo militar em seu Art. 31e no Art. 88 usque Art. 97, regulamenta a previdência dos servidores militares, inclusive no que se refere à concessão, pagamento e manutenção das pensões militares e os dependentes aptos a recebê-las.
A celeuma gira em torno: i) da competência privativa da União (Art. 22 da CF/88); e ii) o princípio do direito adquirido. Para dirimir a dúvida sobre a aplicabilidade ou não da Lei Federal nº 13.954, de 2019, há necessariamente que se socorrer da interpretação histórica cominada com interpretação teleológica.
A Lei Federal nº 13.954, de 2019 teve o condão de equalizar e sistematizar de forma igualitária o Sistema de Proteção Social dos Policiais Militares, uma vez que as normas e tratativas entre os estados eram completamente diferenciadas, o que gerava injustiças. Antes da edição da norma sob testilha o que se verificava era a a divergência de tratamento entre as leis estaduais. Muito se discutiu acerca de se instituir tratamento igualitário, sendo certo que a padronização era necessária.
Não se pode olvidar que os estatutos militaristas, cunhados em décadas passadas, não têm visão previdenciária, uma vez que o enfoque atual da previdência dos servidores (civis e militares) não é garantir previdência ao servidor pro labore facto (extensão do fato de trabalharem para o serviço público) e sim pelas suas contribuições ao sistema previdenciário (caráter contributivo).
Dentre as dissensões encontradas nos estatutos dos militares, podemos citar as seguintes ocorrências em alguns entes federados: contagem de tempo fictício; promoção ao ser transferido para a reserva remunerada; adicional de inatividade; auxílio invalidez; na reforma por invalidez, promoção para posto superior; promoção post mortem; idade mínima para a reserva remunerada e reforma (totalmente diferenciada dos servidores civis); ausência de contribuição previdenciária dos inativos e ausência de contribuição previdenciária patronal dos militares afastados sem remuneração.
No entanto, vale cientificar que desde a edição da Lei Federal nº 9.717, de 27 de novembro de 1998, houve preocupação com a previdência dos militares, que trouxe, inclusive, várias imposições aos estados no que tange à realidade atuarial de seus sistemas. Neste sentido, a ementa da lei:
Dispõe sobre regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal e dá outras providências.
Vale cientificar que buscando a solvabilidade dos fundos previdenciários e equalização das contas públicas, chegou a ser aventada a possibilidade de encaminhamento de proposta de emenda constitucional no que diz respeito à previdência dos militares, com adoção de regras mínimas e consequente regulamentação por lei geral previdenciária militar.
No entanto, por opção do Congresso Nacional, o pacto que acabou vigendo foi a modificação do inciso XXI do Art. 22, da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019, que culminou com a seguinte redação:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
[…]
XXI – normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação, mobilização, inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019).
Com base no dispositivo, a União acabou por editar a Lei Federal nº 13.954, de 2019, que instituiu o Sistema de Proteção Social dos Militares e trouxe igualdade de tratamento dos policiais militares estaduais em relação aos militares das Forças Armadas.
É premente a necessidade de se admitir que a competência para instituição de regras de previdência para a categoria dos militares passou a ser da União. Neste contexto, vale buscar apoio no STF, que delimita o tema da competência privativa. Nesta liça, temos:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 5º DA LEI 4.244/08 DO DISTRITO FEDERAL. PORTE DE ARMA PARA OS SERVIDORES ATIVOS DA CARREIRA DE APOIO ÀS ATIVIDADE POLICIAIS CIVIS. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE MATERIAL BÉLICO. PRECEDENTES. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DA AÇÃO. 1. O artigo 5º, da Lei Distrital 4.244/2008, que autorizou o porte de arma de fogo funcional para os servidores ativos da Carreira de Apoio às Atividades Policiais Civis, afronta o artigo 21, VI, CRFB. 2. É da competência privativa da União legislar sobre material bélico (art. 21, VI, CRFB). Inconstitucionalidade formal de legislação estadual ou distrital que trata da matéria. Precedentes. 3. Pedido na ação direta de inconstitucionalidade julgado procedente. (STF, ADI 4.991 DISTRITO FEDERAL, RELATOR: MIN. EDSON FACHIN, DJe de 19/02/2020).
Assim, a LF nº 13.954, de 2019 tem que ser acolhida como de observância obrigatória por todos os entes da federação. Vale informar que foi editada em 16 de dezembro de 2019, ou seja, anterior às leis complementares estaduais editadas pós EC nº 103/2019.
Noutra senda, temos que para compensar o direito adquirido dos militares, a LF nº 13.954, de 2019, trouxe no seu Art. 26 a seguinte regra envolvendo o tema do direito adquirido:
Art. 26. Ato do Poder Executivo do ente federativo, a ser editado no prazo de 30 (trinta) dias e cujos efeitos retroagirão à data de publicação desta Lei, poderá autorizar, em relação aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios em atividade na data de publicação desta Lei, que a data prevista no art. 24-F e no caput do art. 24-G do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, incluídos por esta Lei, seja transferida para até 31 de dezembro de 2021.
A título de exemplo e com base no dispositivo, o Estado de Alagoas acabou por editar o Decreto Estadual nº 68.852, de 14 de janeiro de 2020 (DOE/AL do dia seguinte), prorrogou o prazo para vigência dos dispositivos acima elencados para 31 de dezembro de 2021, conforme seu Art. 2º:
Art. 2º Fica prorrogado para 31 de dezembro de 2021 a data prevista nos arts. 24-F e o 24-G, do caput, do Decreto-Lei nº 667, de 1969.
A controvérsia levantada gravita nitidamente em torno da prorrogação da correta aplicabilidade do Art. 24-F e do Art. 24-G, ambos da LF nº 13.954, de 2019, que assim prescrevem:
Art. 24-F. É assegurado o direito adquirido na concessão de inatividade remunerada aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, e de pensão militar aos seus beneficiários, a qualquer tempo, desde que tenham sido cumpridos, até 31 de dezembro de 2019, os requisitos exigidos pela lei vigente do ente federativo para obtenção desses benefícios, observados os critérios de concessão e de cálculo em vigor na data de atendimento dos requisitos.
Art. 24-G. Os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios que não houverem completado, até 31 de dezembro de 2019, o tempo mínimo exigido pela legislação do ente federativo para fins de inatividade com remuneração integral do correspondente posto ou graduação devem:
I – se o tempo mínimo atualmente exigido pela legislação for de 30 (trinta) anos ou menos, cumprir o tempo de serviço faltante para atingir o exigido na legislação do ente federativo, acrescido de 17% (dezessete por cento); e
II – se o tempo mínimo atualmente exigido pela legislação for de 35 (trinta e cinco) anos, cumprir o tempo de serviço exigido na legislação do ente federativo.
Parágrafo único. Além do disposto nos incisos I e II do caput deste artigo, o militar deve contar no mínimo 25 (vinte e cinco) anos de exercício de atividade de natureza militar, acrescidos de 4 (quatro) meses a cada ano faltante para atingir o tempo mínimo exigido pela legislação do ente federativo, a partir de 1º de janeiro de 2022, limitado a 5 (cinco) anos de acréscimo.
Vale informar que o Estado de Alagoas vem dando tratamento atuarial aos seus servidores militares desde a edição da Lei Estadual nº 7.114, de 2009, que criou o fundo previdenciário financeiro dos militares:
Art. 17. O Fundo dos Militares atenderá ao pagamento dos benefícios de previdência funcional concedidos aos militares do Estado de Alagoas, independentemente da data de ingresso ou de concessão do benefício.
Art. 18. O Fundo dos Militares atenderá, também, ao pagamento dos benefícios concedidos, independentemente da data de concessão, aos dependentes dos militares do Estado de Alagoas.
Com a criação de fundo específico e inserção da categoria na lei do regime próprio de previdência, o Estado de Alagoas corrigiu várias distorções então existentes, ou seja, modernizando e atualizando a sua previdência militarista. A sistemática seguiu com a Lei Estadual nº 7.751, de 2015, que colocou fim a quaisquer outras discussões em relação às regras de pensões dos militares. Ou seja, fazendo seu dever de casa, o Estado de Alagoas tratou de separar benefícios previdenciários de benefícios assistencialistas além de dar tratamento atuarial em relação aos seus militares.
Com a fixação do Decreto Estadual nº 68.852/2020, surgiu a altercação: qual direito adquirido? Aqui entramos no tema específico. Para perscrutá-lo, recorro à decisão do Supremo Tribunal Federal contida no RE 630.501, cuja ementa transcrevo:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. DIREITO ADQUIRIDO AO MELHOR BENEFÍCIO. Tem relevância jurídica e social a questão relativa ao reconhecimento do direito adquirido ao melhor benefício. Importa saber se, ainda que sob a vigência de uma mesma lei, teria o segurado direito a eleger, com fundamento no direito adquirido, o benefício mais vantajoso, consideradas as diversas datas em que o direito poderia ter sido exercido, desde quando preenchidos os requisitos mínimos para a aposentação. Repercussão geral reconhecida, de modo que restem sobrestados os recursos sobre a matéria para que, após a decisão de mérito por esta Corte, sejam submetidos ao regime do art. 543-B, § 3º, do CPC. (RE 630501 RG, Relator(a): ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 21/10/2010, DJe-224 DIVULG 22-11-2010 PUBLIC 23-11-2010 EMENT VOL-02436-02 PP-00423).
(O destaque é meu).
E numa decisão mais recente, temos:
EMENTA: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. DIREITO ADQUIRIDO. RECONHECIMENTO. PRECEDENTES. 1. O acórdão do Tribunal de origem está alinhado à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, em reconhecimento do direito adquirido ao melhor benefício, ainda que sob a vigência de uma mesma lei, teria o segurado direito a eleger o benefício mais vantajoso. Precedentes. 2. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, fica majorado em 25% o valor da verba honorária fixada anteriormente, observados os limites legais do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (RE 1156918 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 26/10/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-240 DIVULG 12-11-2018 PUBLIC 13-11-2018).
Para o Supremo Tribunal Federal, o direito adquirido é aquele a ser invocado em prol do segurado, nunca o contrário. Ou seja, em tema de direito adquirido, é o segurado que vai eleger o melhor benefício em matéria previdenciária.
Ocorre que, como dito linhas atrás, o Estado de Alagoas já dava tratamento atuarial/financeiro diferenciado aos seus servidores militares. Nesta senda, vale dizer que a sistemática introduzida pela LF nº 13.954, de 2019 é muito mais benéfica à categoria do que a da LE nº 7.751, de 2015. Então ao se deixar de aplicar a LF nº 13.954, de 2019, sob o manto do Decreto Estadual nº 68.852, de 2020, qual seria o direito adquirido a ser resguardado? Direito adquirido a regras mais severas? Não tem lógica tal desiderato.
Não se deve deixar de observar que as regras de pensão militarista dispostas no Art. 26, da LF nº 13.954, de 2019, devem ser consideradas como regras de transição, de um sistema para o outro.
Regras transitórias podem ser tomadas como sendo o reconhecimento do legislador a uma expectativa de direito, visto que as novas regras de elegibilidade do benefício visando a solvabilidade e sustentabilidade do sistema previdenciário ao qual é vinculado serão mais rígidas tanto na concessão como no ingresso.
Noutro giro, não há até o presente momento, nenhuma declaração de inconstitucionalidade a respeito da competência da União no que se refere ao Sistema de Proteção Social dos Militares instituído pela LF nº 13.954, de 2019. Ao reverso, o colendo Tribunal de Justiça de São Paulo exarou a seguinte decisão:
Recurso Inominado. Policial Militar. Averbação tempo serviço na iniciativa privada. Declaração de inconstitucionalidade, em controle difuso, do parágrafo único, do art. 24-G, do Decreto Lei 667/69, incluído pelo art. 25 da Lei 13.954/19; de trecho do art. 24-A, inciso I, alínea a, do Decreto Lei 667/69 e, ainda, do art. 17 do Decreto Lei 260/70. Impossibilidade. Inconstitucionalidade da lei não verificada. Recurso não provido Sentença que é de ser mantida por seus próprios fundamentos (art. 46 da Lei 9.099/95). (TJ/SP, Processo RI 1011169-37.2020.8.26.0625 SP 1011169-37.2020.8.26.0625, Órgão Julgador 1º Turma Cível e Criminal, Publicação 26/04/2021, Julgamento 26 de Abril de 2021, Relator José Claudio Abrahão Rosa).
(Grifei).
Por outro lado, na ACO 3.396, o Plenário do Supremo Tribunal Federal proferiu a seguinte decisão:
EMENTA: AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. CONSTITUCIONAL. FEDERALISMO E RESPEITO ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA. LEI 13.954/2019. ALÍQUOTA DE CONTRIBUIÇÃO PARA INATIVIDADE E PENSÃO. POLICIAIS E BOMBEIROS MILITARES ESTADUAIS. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA ESTABELECER NORMAS GERAIS. ART. 22, XXI, DA CF/88. EXTRAVASAMENTO DO CAMPO ALUSIVO A NORMAS GERAIS. INCOMPATIBILIDADE COM A CONSTITUIÇÃO. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
1. Ação Cível Originária ajuizada por Estado-membro com o objetivo não afastar sanção decorrente de aplicação, aos militares, de alíquota de contribuição para o regime de inatividade e pensão prevista na legislação estadual, em detrimento de lei federal que prevê a aplicação da mesma alíquota estabelecida para as Forças Armadas.
2. É possível a utilização da Ação Cível Originária a fim de obter pronunciamento que declare, incidentalmente, a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, particularmente quando esta declaração constituir-lhe a sua causa de pedir e não o próprio pedido.
3. As regras de distribuição de competências legislativas são alicerces do federalismo e consagram a fórmula de divisão de centros de poder em um Estado de Direito. Princípio da predominância do interesse.
4. A Constituição Federal de 1988, presumindo de forma absoluta para algumas matérias a presença do princípio da predominância do interesse, estabeleceu, a priori, diversas competências para cada um dos entes federativos União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios e, a partir dessas opções, pode ora acentuar maior centralização de poder, principalmente na própria União (CF, art. 22), ora permitir uma maior descentralização nos Estados-Membros e nos Municípios (CF, arts. 24 e 30, inciso I).
5. Cabe à lei estadual, nos termos do art. 42, § 1º, da Constituição Federal, regulamentar as disposições do art. 142, § 3º, inciso X, dentre as quais as relativas ao regime de aposentadoria dos militares estaduais e a questões pertinentes ao regime jurídico.
6. A Lei Federal 13.954/2019, ao definir a alíquota de contribuição previdenciária a ser aplicada aos militares estaduais, extrapolou a competência para a edição de normas gerais, prevista no art. 22, XI, da Constituição, sobre inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares.
7. Ação Cível Originária julgada procedente para determinar à União que se abstenha de aplicar ao Estado de Mato Grosso qualquer das providências previstas no art. 7º da Lei 9.717/1998 ou de negar-lhe a expedição do Certificado de Regularidade Previdenciária caso continue a aplicar aos policiais e bombeiros militares estaduais e seus pensionistas a alíquota de contribuição para o regime de inatividade e pensão prevista em lei estadual, em detrimento do que prevê o art. 24-C do Decreto-Lei 667/1969, com a redação da Lei 13.954/2019. Honorários sucumbenciais arbitrados em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), nos termos do artigo 85, § 8º, do CPC de 2015, devidos ao Estado-Autor. (STF, PLENÁRIO, AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 3.396 – DISTRITO FEDERAL, RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES, J. 05/10/2020, DJe de 19/10/2020).
Compulsando detalhadamente a decisão proferida, com fundamento no voto proferido pelo Ministro Relator Alexandre de Moraes, temos que o decisum não tem efeito vinculante, pois não se enquadra nas hipóteses previstas nos cinco incisos que acompanham o Art. 927 do Código de Processo Civil[1]. Vale dizer que na decisão foi declarada a inconstitucionalidade incidental da lei federal, mas o acórdão não menciona eventual efeito vinculante.
Além do mais, o Plenário da Corte Suprema já declarou que a competência legislativa federal (CF, Art. 22, XXI), não exclui a competência legislativa dos Estados para tratar das especificidades atinentes aos temas (reforma, reserva e pensão dos policiais militares e bombeiros). Senão vejamos:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 8º, 9º E 10 DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL 125/2012, DE MINAS GERAIS. LEGITIMIDADE ATIVA DAS ENTIDADES DE CLASSE. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 42, §§ 1º E 2º, E 142, § 3º, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXIGÊNCIA DE LEI ESTADUAL ESPECÍFICA. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA O ESTABELECIMENTO DE NORMAS GERAIS. ARTIGO 22, XXI E XXIII. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal estabelece os seguintes requisitos a serem atendidos pelas entidades de classe no ajuizamento de ação de controle concentrado: a) abrangência nacional; b) delimitação subjetiva da associação; c) pertinência temática; e d) compatibilidade entre a abrangência da representação da associação e o ato questionado. Requisitos atendidos pelas associações postulantes. Legitimidade ativa reconhecida. 2. A Lei Complementar Estadual 125/2012, do Estado de Minas Gerais, por tratar exclusivamente sobre o regime jurídico dos militares daquele Estado e sobre regras de previdência do regime próprio dos militares e praças, tem a especificidade exigida pela Constituição Federal, atendendo ao comando dos arts. 42, §§ 1º e 2º e 142, § 3º, X, da Constituição Federal. 3. O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência dominante no sentido de reconhecer que cabe à lei estadual, nos termos do art. 42, § 1º, da Constituição Federal, regulamentar as disposições do art. 142, § 3º, inciso X, dentre as quais as relativas ao regime de aposentadoria dos militares estaduais. A atribuição da competência legislativa federal para edição de normas gerais das polícias militares e corpos de bombeiros militares, necessárias para regular a competência, estrutura, organização, efetivos, instrução, armamento, justiça e disciplina que lhes importem um controle geral, de âmbito nacional, não exclui a competência legislativa dos Estados para tratar das especificidades atinentes aos temas previstos pela própria Constituição como objeto de disciplina em lei específica de cada ente estatal em relação aos militares que lhes preste serviço. 4. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida e, no mérito, julgada improcedente. (STF, PLENÁRIO, AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.912 – MINAS GERAIS, RELATOR: MIN. EDSON FACHIN, DJe de 11/05/2016).
(Os destaques são meus).
Ou seja, no julgado acima, o Supremo Tribunal Federal diz expressamente que se aplicam as regras estaduais (específicas) no que não conflitarem com as regras federais, dentro do âmbito das competências suplementares (estados e municípios) e competência privativa da União, reforçando a tese aqui defendida.
Noutro prisma, registre-se que o Supremo Tribunal Federal, no Tema 1.177 / RG, a despeito de não declarar a inconstitucionalidade da Lei Federal nº 13.954, de 2019, posicionou-se no sentido de declarar a inconstitucionalidade, no que se refere especificamente ao tema das alíquotas de contribuição previdenciária a serem aplicadas. Nesta liça, assim ficou ementada a decisão proferida:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. FEDERALISMO E REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS. ARTIGO 22, XXI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COM A REDAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL 103/2019. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE NORMAS GERAIS DE INATIVIDADES E PENSÕES DAS POLÍCIAS MILITARES E DOS CORPOS DE BOMBEIROS MILITARES. LEI FEDERAL 13.954/2019. ALÍQUOTA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA INCIDENTE SOBRE A REMUNERAÇÃO DE INATIVOS E PENSIONISTAS. EXTRAVASAMENTO DO ÂMBITO LEGISLATIVO DE ESTABELECER NORMAS GERAIS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MULTIPLICIDADE DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. CONTROVÉRSIA DOTADA DE REPERCUSSÃO GERAL. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. (STF, RE 1338750 RG, Relator(a): MINISTRO PRESIDENTE, Tribunal Pleno, julgado em 21/10/2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-213 DIVULG 26-10-2021 PUBLIC 27-10-2021)
Voltando à discussão proposta e no que se refere especificamente ao Decreto Estadual-Alagoas nº 68.852, de 2020, tem-se que o mesmo não observou o conteúdo finalístico e teleológico do Art. 26 da Lei Federal nº 13.954, de 2019, especificamente no que se refere ao tema de pensão post mortem. Como visto, a intenção legislativa foi em suma o resguardo de direitos adquiridos. Nesta senda, temos através de uma leitura correta que direitos adquiridos devem ser tomados como direitos que beneficiem, e não o contrário. Ocorre que, com a prorrogação prevista no Decreto Estadual nº 68.852, de 2020, acaso aplicado, presta-se à invocar direitos desvantajosos e não benéficos. Na realidade o decreto citado ao ser aplicado, torna-se prejudicial aos servidores militares, posto que prolonga regras mais inconvenientes e desvantajosas. Tal desiderato foge à lógica interpretativa acerca de regras de transição e ao tema ligado a direitos adquiridos.
No que o Decreto Estadual nº 68.852, de 2019, resguarda pontual e verdadeiramente direitos adquiridos, deve ser aplicado. A assertiva deve partir da observância dos casos concretos a serem analisados no âmbito da Procuradoria Administrativa.
No que tange à referência de que outros estados da federação editaram decretos de prorrogação das regras, não se pode olvidar que, como dito linhas acima, os sistemas previdenciários militaristas brasileiros não guardavam sintonia em suas regras de acesso. Em muitos estados, sequer houve separação dos fundos previdenciários de civis e militares. Neste contexto, não há que se comparar a previdência militarista de outros estados com Alagoas que não seja baseada numa pesquisa aprofundada e com detalhamento das regras.
Nesta esteira, a aplicabilidade da Lei Federal nº 13.954, de 16 de dezembro de 2019, deve ser mantida, tanto em relação à inativação remunerada quanto à pensão por morte dos servidores militares.
Pelo principio da auto-tutela administrativa, os processos concessórios de pensão por morte de militar que não observaram as disposições contidas na LF nº 13.954, de 2019, devem ser revistos.
Para a concessão e cálculos do benefício de pensão por morte dos servidores militares, devem ser observadas as disposições contidas no art. 7º, §§ 1º, 2º, 2º-A e 3º c/c Art. 7º-A, da Lei no 3.765, de 4 de maio de 1960, na redação dada pela Lei 13.954, de 2019.
No que se refere a questionamento sobre quotas-partes (exumadas pela EC nº 103/2019), temos que a Lei 13.954, de 2019 em diversos momentos previu o sistema, notadamente ao modificar o Art. 3º-A da Lei no 3.765, de 4 de maio de 1960, que passou a vigorar com a seguinte redação: A contribuição para a pensão militar incidirá sobre as parcelas que compõem os proventos na inatividade e sobre o valor integral da quota-parte percebida a título de pensão militar.
Nesta liça, é cabível o sistema de quotas-partes às pensões militaristas, o que deve ser analisado caso a caso, dependendo do caso concreto posto sob examine e a ordem das classes de dependentes, conforme previsto na LF nº 13.954, de 2019.
Em alusão aos institutos da paridade e integralidade nas pensões, devem ser seguidos os comandos insertos no Art. 24-B, do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, na redação dada pela LF nº 13.954, de 2019, o qual aqui reproduzo:
Art. 24-B. Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios as seguintes normas gerais relativas à pensão militar: (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019).
I – o benefício da pensão militar é igual ao valor da remuneração do militar da ativa ou em inatividade; (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)
II – o benefício da pensão militar é irredutível e deve ser revisto automaticamente, na mesma data da revisão das remunerações dos militares da ativa, para preservar o valor equivalente à remuneração do militar da ativa do posto ou graduação que lhe deu origem; e (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)
III – a relação de beneficiários dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, para fins de recebimento da pensão militar, é a mesma estabelecida para os militares das Forças Armadas. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)
(Todos os grifos são meus).
Da dicção do dispositivo temos que às pensões militaristas foram cobertas com os institutos da paridade (inciso II) e integralidade (inciso I).
Desta forma e com base no exposto, entendo que as pensões provenientes de militares, cujos óbitos tenham ocorrido a partir de 17 de dezembro de 2019 (data de publicação da Lei Federal nº 13.954/2019, no DOU), devem ser concedidas na forma do art. 24-B do Decreto-Lei nº 667, de 1969, ou seja, com paridade e integralidade, não se lhes aplicando disposições em sentido contrário previstas em leis estaduais ou distrital.
NOTA
[1] Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II – os enunciados de súmula vinculante;
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
Autor
- Rosana Colen Moreno – Rosana Cólen Moreno. Procuradora do Estado de Alagoas. Membro da Confederação Latino-americana de trabalhadores estatais (CLATE). Especialista em previdência pública pela Damásio Educacional e em direitos humanos pela PUC/RS (em finalização). Autora do livro Manual de Gestão dos Regimes Próprios de Previdência Social: foco na prevenção e combate à corrupção, publicado pela LTr. Coordenadora da Comissão Internacional Avaliadora instituída pelo Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO-UNESCO) e denominada “Desigualdades, Exclusão e Crises de Sustentabilidade dos Sistemas Previdenciários da América Latina e Caribe. Educadora, Professora, Instrutora, Palestrante, Consultora. Participante do programa de doutorado em Direito Constitucional pela Universidad de Buenos Aires – UBA. Especialista em Regimes Próprios de Previdência (Damásio Educacional). Autora do livro: Manual de Gestão dos Regimes Próprios de Previdência Social: foco na prevenção e combate à corrupção.