Internacional
Como candidatura à Otan deve impactar economia da Finlândia
Estreitos laços comerciais com Moscou podem tornar árido caminho de Helsinque rumo à aliança militar ocidental. Já Suécia, menos dependente dos russos, tem menos com que se preocupar
Em 2021, as exportações da Suécia para a Rússia totalizaram 2,49 bilhões de dólares (mais de R$ 12 bilhões), correspondendo a apenas 1,3% de suas exportações totais, de acordo com o banco de dados comerciais Comtrade, das Nações Unidas.
Em 2020, a Suécia importou 1,22 bilhão de dólares (R$ 6 bilhões) da Rússia. A baixa dependência da Suécia em relação às importações russas se deve em grande parte ao fato de suas fontes de energia terem origens principalmente domésticas. O PIB do país foi revisado para baixo para este ano dos 3%, mas permanece relativamente robusto, em 2,5%. A inflação provavelmente será uma preocupação, mas analistas dizem que a Suécia está praticamente imune a qualquer consequência direta das restrições impostas ao comércio com a Rússia.
A Finlândia, no entanto, é outra história. A Rússia – com a qual a Finlândia, membro da UE desde 1995, compartilha uma fronteira de 1.300 quilômetros – ameaçou punir o país se este aderir à Otan.
A Finlândia em 2021 enviou 5,4% de suas exportações totais para a Rússia e quase 12% de suas importações vieram da Rússia. Não é um grande número, mas a Rússia desempenha um papel importante em alguns dos principais setores da Finlândia como, por exemplo, na indústria de papel e, mais crucialmente, no fornecimento de energia.
Presença finlandesa na Rússia
Até agora – e apesar da ocupação da Crimeia pela Rússia, seguida pelas sanções da UE e as contra-sanções russas –, o país manteve aberta uma relação comercial importante com a Rússia, onde muitas empresas finlandesas têm operações comerciais. Em 2019, as empresas finlandesas tinham 295 subsidiárias na Rússia, com vendas líquidas combinadas num total de 6,5 bilhões de euros (R$ 33.9 bilhões). Em 2020, as companhias russas tinham 20 subsidiárias na Finlândia, com vendas líquidas combinadas de 3,2 bilhões de euros (R$ 16,7 bilhões), empregando cerca de 740 pessoas.
A Finlândia exportou em 2021 um total de 68,8 bilhões de euros (R$ 360 bilhões), dos quais 3,7 bilhões de euros (R$ 19 bilhões) foram para a Rússia, ou cerca de 5,4% do total. As importações da Finlândia no mesmo período foram de 72,7 bilhões de euros (R$ 379 bilhões), dos quais o valor das importações da Rússia foi de € 8,6 bilhões (R$ 44,8 bilhões), ou 11,9% do total das importações. Os maiores parceiros comerciais bilaterais da Finlândia são a Alemanha e a Suécia, seguidas pela Rússia.
As sanções da UE impostas em março aumentaram os desafios para a Finlândia. O impacto das sanções levou a uma maior queda no comércio entre a Finlândia e a Rússia do que quando a União Soviética entrou em colapso em 1991, segundo o diretor de estatísticas da alfândega finlandesa, Olli-Pekka Penttila.
Em entrevista à agência de notícias Reuters, Penttila citou alguns riscos de reputação como motivos para a retirada de empresas finlandesas da Rússia. A refinaria finlandesa Neste, por exemplo, substituiu algumas de suas importações de petróleo bruto da Rússia por petróleo norueguês. Os grupos florestais finlandeses UPM e Stora Enso pararam de comprar madeira russa porque os certificadores internacionais a rotularam de “madeira de conflito”. Em 2021, a indústria florestal finlandesa importou cerca de 10% de seu consumo anual da Rússia, segundo dados do Instituto Finlandês de Recursos Naturais. A concessionária finlandesa Fortum interromperá todos os negócios na Rússia e está avaliando o desinvestimento de suas operações russas.
“Sanções e boicotes voluntários já interromperam a maior parte do comércio além da energia”, diz Pasi Kuoppamaki, economista-chefe do Danske Bank, à DW.
“A maioria das consequências são negativas para a economia finlandesa. Muitas empresas exportadoras precisam encontrar novos mercados, o que levará tempo, num momento em que a recuperação global pós-pandemia está enfrentando ventos contrários”, explica Kuoppamaki. Ele diz, entretanto, que o lado positivo é que indústrias como serrarias podem se beneficiar da falta de concorrência da Rússia, e a demanda por madeira doméstica crescerá à medida que as importações da Rússia forem encerradas.
Laços energéticos
A Finlândia carece de fontes domésticas de energia fóssil e precisa importar grandes quantidades de petróleo, gás e outros recursos energéticos, incluindo urânio para energia nuclear.
O país recebeu cerca de 34% de seu suprimento total de energia da Rússia em 2021, de acordo com a Statistics Finland e o Natural Resources Institute. A Finlândia importava cerca de 80% de seu petróleo bruto da Rússia.
O consumo finlandês de energia per capita é o mais alto da UE, com metade da energia consumida pela indústria. O clima frio faz com que uma parcela de 25% do consumo seja usada em aquecimento, e as longas distâncias fazem com que 16% sejam destinados ao transporte.
Se a Rússia cortar o fornecimento de gás para a Europa no final de maio, os efeitos na economia finlandesa seriam piores do que a interrupção das importações de petróleo, segundo o ministro da Economia, Mika Lintila, já que um grande número de empresas finlandesas depende do gás russo. “Seria um duro golpe para a indústria finlandesa. Estamos falando de milhares de empregos”, ressalta o ministro. “Se as importações russas de gás cessarem, o preço do gás que recebemos pela Estônia aumentará. O preço da eletricidade também aumentaria”, alerta Lintila.
Em abril, a primeira-ministra finlandesa, Sanna Marin expressou seu desejo de “se livrar dos combustíveis fósseis russos”. Uma pesquisa do Greenpeace aponta que 78% dos entrevistados finlandeses são a favor de que Finlândia interrompa as importações de energia russa, mesmo que isso signifique contas mais altas.
A empresa de energia finlandesa majoritariamente estatal Fortum era até recentemente parceira da empresa estatal russa de energia Rosatom no projeto da usina nuclear de Fennovoima, mas anunciou a rescisão do contrato em 2 de maio, citando atrasos e riscos crescentes associados à guerra na Ucrânia.
Fontes alternativas
No início de abril, Finlândia e Estônia decidiram em conjunto alugar um navio terminal de GNL (gás natural liquefeito) para ajudar a dar fim ao consumo de gás russo. O navio, uma unidade flutuante de armazenamento e regaseificação, ficará localizado na costa da Finlândia, próximo à rede de transporte de gás.
A parcela do gás na matriz energética finlandesa é de apenas 6%, mas é importante para a indústria. Parte do gás também passa pelo gasoduto Balticconnector, que vai até o terminal Klaipeda LNG, na Lituânia.
A empresa estatal russa RAO Nordic suspendeu recentemente as exportações de eletricidade para a Finlândia, culpando as sanções ocidentais. Autoridades finlandesas disseram que as importações de eletricidade russa representam apenas 10% de seu consumo e que o déficit pode ser administrado.
“A falta de importações de eletricidade da Rússia será compensada importando mais eletricidade da Suécia e gerando mais eletricidade na Finlândia”, diz Reima Paivinen, vice-presidente sênior de operações do sistema de energia da operadora nacional de rede, Fingrid.
No entanto, perder o fornecimento de gás faria com que Neste, Metsa e outras empresas dos setores florestal, químico e alimentício tenham encontrar fontes alternativas de energia. “Embora a economia da Finlândia seja mais atingida do que a maioria das outras economias da zona do euro pela perda mais ampla de comércio com a Rússia, o efeito direto de uma interrupção no fornecimento de gás russo seria pequeno”, explica o Nordea Bank.
A Finlândia importou 70% menos petróleo bruto da Rússia em março, substituindo-o por importações da Noruega, segundo dados publicados pela alfândega do país. O valor das compras de petróleo da Rússia em março caiu 45% em relação ao ano anterior.
A Neste, maior compradora de petróleo bruto da Rússia, anunciou duas semanas após o início da guerra que havia substituído a maior parte de seu petróleo russo por outros tipos, como o Brent.
Consequências para a Rússia
“A Finlândia e a Suécia respondiam por cerca de 3% das exportações russas, cuja perda seria um golpe adicional para a economia russa, que caminha para uma recessão severa”, afirma Kuoppamaki.
Ele explica que, além das rendas obtidas do comércio, a Rússia precisa de tecnologias estrangeiras para modernizar sua própria produção e manter o crescimento da produtividade. A Rússia deve, segundo o economista, enfrentar um crescente atraso tecnológico em relação ao mundo desenvolvido e sua importância econômica diminuirá. “A Rússia tem usado a energia como uma ferramenta estratégica e no futuro ninguém quer continuar dependente da energia russa. O futuro da economia russa parece sombrio”, conclui Kuoppomaki.