Nacional
A primeira vitória de Lula
Com a extinção do Orçamento Secreto e aprovação da PEC da Transição, Lula sai em vantagem sobre Arthur Lira, mas não pretende queimar pontes com presidente da Câmara
Por: ANA VIRIATO – IstoE
Lula externou a aliados durante toda a transição que o êxito do governo poderia esbarrar em Arthur Lira, caso o deputado continuasse a atuar, na prática, na posição de primeiro-ministro. A ponderação não era inédita. Durante a campanha, o petista criticou o poder de barganha do congressista, garantido pelas emendas de relator, e chegou a classificar o Orçamento Secreto como a maior excrescência política do País. Apesar do incômodo e do discurso político, a reversão do mecanismo pelo governo eleito era descartada logo na largada — seria como, nas palavras de aliados do futuro presidente, mexer em um vespeiro. Lula não precisou se arriscar. A primeira vitória política do petista consolidou-se pelas mãos de um nome indicado por ele ainda em 2006 ao Supremo Tribunal Federal: ministro Ricardo Lewandowski.
Fiel da balança, Lewandowski pegou Brasília de surpresa ao acompanhar a relatora do processo, Rosa Weber, e fechar maioria na corte pela derrubada do Orçamento Secreto, que consumiria R$ 19,4 bilhões dos cofres da União em 2023. Embora satisfeitos, mesmo grãos-petistas demonstraram espanto com a decisão alguns minutos depois do julgamento. “Ele havia dito em uma entrevista na sexta-feira, depois de o Congresso institucionalizar as emendas de relator, com novas regras de distribuição, que as alterações resolviam preocupações do STF e seriam consideradas. Todos acreditavam que estava resolvido em uma costura pró-Lira e Pacheco”, pontuou um deputado, sob reserva.
Não há quem se arrisque a dizer às claras se Lewandowski e Lula articularam o voto. Lira, porém, pensa que sim, em alinhamento com a avaliação de aliados do presidente eleito. Leva-se em consideração a teia de acontecimentos do final de semana. Na manhã de domingo, Lira visitou o presidente eleito no Hotel Meliá, no centro de Brasília, para discutir os meandros da PEC da Transição. O tom da conversa não foi nada ameno. Lira foi Lira e colocou à mesa as exigências do Centrão para se alinhar ao governo, com uma lista de cargos cobiçados à mesa, os quais concentram-se, sobretudo, na Saúde, um dos currais eleitorais do Progressistas em gestões anteriores. Não mencionou as emendas de relator — acreditava que o assunto estava resolvido.
Lula não gostou nada do que ouviu. Mais tarde, durante a noite, Gilmar Mendes expediu uma liminar em que autorizou o governo a retirar o Bolsa Família da conta do teto de gastos em 2023 e apontou até mesmo uma fonte de custeio para financiar a alocação. Com isso, tirou parte do poder de barganha de Lira — o programa social, prioridade do PT, afinal, estava garantido por uma medida judicial. O xeque-mate veio no dia seguinte, uma segunda-feira, quando Lewandowski votou pela inconstitucionalidade do Orçamento Secreto e tirou das mãos do presidente da Casa uma moeda que ele planejava usar para se fortalecer na corrida pela reeleição. As reclamações de Lira à jogada ensaiada chegaram aos ouvidos de Lula por emissários, como José Guimarães, futuro líder do governo na Câmara, e Alexandre Padilha, escolhido para comandar as Relações Institucionais.
Lula desafiará Lira?
Aliados de Lula pontuam que o golpe duplo não pôs Lira de joelhos. Demonstrou, porém, que o deputado “não estava mais negociando com um inábil político”, como Jair Bolsonaro. “Mesmo depois do julgamento, a PEC permaneceu mais vantajosa. O texto construído no Congresso não excepcionaliza somente o Bolsa Família. Ele livra da âncora mais de R$ 23 bilhões em investimentos e doações para o Fundo Amazônia, por exemplo”, comenta o deputado petista Ênio Verri. Não à toa, o PT manteve a costura e conseguiu emplacar na Câmara a proposta de Emenda à Constituição, fazendo concessões. Aceitou reduzir o prazo de validade da matéria de dois para um ano e dividiu igualmente a bolada do Orçamento Secreto com o parlamento: R$ 9,7 bilhões foram transformados em emendas individuais e R$ 9,7 bilhões ficaram nas mãos do Executivo, sob a coordenação do ministro da Casa Civil, Rui Costa.
Com o Bolsa Família resolvido, expoentes da ala “mais radical” do PT fizeram circular a informação de que a bancada cogitaria o apoio a um candidato alternativo na corrida pela Presidência da Câmara, como Luciano Bivar (União Brasil-PE). Aliados do círculo mais próximo de Lula, no entanto, abafaram a boataria. Sob reserva, apontam que Lula não quer comprar um Arlindo Chinaglia 2.0, em referência ao deputado petista bancado por Dilma Rousseff que, em 2015, perdeu a disputa para Eduardo Cunha e despertou no emedebista a inimizade pela então presidente. Ou seja, não valeria a pena dar um salto no escuro, com a chance de afundar o governo logo na largada. Frisam ser bom, porém, que Lira sinta que o jogo não está tão ganho quanto imaginava.