CIÊNCIA & TECNOLOGIA
Os desafios do Brasil para exportar hidrogênio verde
Com um dos maiores potenciais de produção de hidrogênio verde do mundo, fábricas no país precisam ganhar escala e vencer desafios logísticos de exportação
No Parque Tecnológico da Universidade Federal do Ceará (UFC), o primeiro laboratório aberto dedicado exclusivamente ao hidrogênio verde (H2V), deve sair em breve do papel. Ele vai testar as teorias desenvolvidas em universidades que buscam resolver os principais gargalos desta indústria nascente.
O centro está próximo ao Complexo Industrial e Portuário do Pecém, o primeiro a lançar, ainda em 2021, um hub específico para esta fonte limpa de energia. Considerado combustível estratégico para que o mundo reduza as emissões de CO2, gás de efeito estufa que acelera as mudanças climáticas, o hidrogênio verde é produzido a partir de fontes renováveis, como eólica e solar.
A expectativa é que o estado lidere a produção e exportação no setor até 2050. “As pesquisas estão com foco no processo de eletrólise, para que ela se torne cada vez mais eficiente; na melhoria do rendimento das células de combustíveis que fazem a conversão do hidrogênio em energia – elétrica ou aquecimento, e no transporte”, detalha Fernando Nunes, diretor do parque tecnológico, em entrevista à DW.
A eletrólise da água – modelo consolidado de produção –, deve guiar a fabricação nesse momento. No estado nordestino, que sofre com escassez de chuvas na porção semiárida do território, a água usada no processo deve vir do mar, dessalinizada, ou de reuso, indica Nunes.
“O Ceará tem um potencial enorme de energia eólica, usada na conversão da água em oxigênio e hidrogênio por eletrólise”, argumenta o pesquisador.
A primeira usina do tipo no Brasil começou a operar em Pecém no fim de janeiro último. A unidade, fundada pela EDP Brasil, tem capacidade de produção de 250 Nm3/h do gás. A eletrólise, movida a energia solar, é feita num equipamento que saiu da NEA/Hytron, empresa de base tecnológica que nasceu dentro da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp.
H2V Made in Brazil
O eletrolisador entregue à EDP para a planta-piloto foi o primeiro da América Latina de tecnologia PEM (membrana de troca de prótons) com capacidade de geração maior que 1 megawatt. Essa é a energia de entrada máxima que o equipamento suporta, e que rende, como produto, 250 Nm3/h de hidrogênio.
“O eletrolisador é montado em módulos conteinerizados. Estamos em fase de expansão para atender sistemas modulares de 1 a 5 megawatts, com capacidade total de 70 megawatts/ano”, explica Marcelo Veneroso, diretor-geral da NEA/Hytron.
Fundada em 2003, a Hytron nasceu de um grupo de mestrandos e doutorandos do Laboratório de Hidrogênio da Unicamp. Em novembro de 2020, a empresa foi adquirida pelo Neuman & Esser Group, da Alemanha, e passou a fazer parte do NEA Group.
Além da opção de eletrólise alcalina e PEM, considerada mais moderna e eficiente, a empresa é a única no país que domina a tecnologia para produzir hidrogênio verde a partir de biocombustível. Moléculas de hidrogênio podem ser extraídas do etanol e do biometano numa espécie de “forno” ou reator.
“Como o mundo caminha para projetos de grande porte, qualquer aumento de eficiência significa retorno mais rápido dos investimentos”, pontua Veneroso.
Salto de produção urgente
A intenção de vários países, como a Alemanha, de usar H2V como fonte de energia traz grandes desafios ao Brasil como país fornecedor, aponta Monica Saraiva Panik, diretora de Relações Institucionais da Associação Brasileira do Hidrogênio, ABH2.
“A diferença é a escala que está sendo proposta com o aumento de projetos de plantas em todo o mundo, de megawatt para gigawatt. Não é um problema tecnológico, as fabricantes já têm fábricas automatizadas, mas não na escala que o mercado precisa”, justifica Panik.
O desafio, argumenta a especialista, deve ser encarado também como uma oportunidade. “Aumentar as linhas de produção para atender essa demanda mundial é urgente e pode ser visto como uma chance de reindustrialização do Brasil”, afirma Panik, citando empresas como Thyssen e Siemens, que têm unidades no país.
A guerra da Rússia contra a Ucrânia virou também uma ameaça à segurança energética alemã, que acelera o processo de transição rumo a fontes renováveis, já que tinha sua economia altamente dependente do então barato gás russo.
O estímulo a parcerias no Brasil, por outro lado, teve início antes do conflito. “Nós trabalhamos desde 2019 ajudando a criar oportunidades para desenvolver o Brasil como parceiro no fornecimento de H2V para Alemanha”, diz Ansgar Pinkowiski, diretor de Transição Energética e Sustentabilidade da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha no Rio de Janeiro, AHK Rio.
Em breve, a Alemanha deve divulgar o resultado do primeiro leilão para contratação de fornecimento de H2V na forma de amônia, metanol e combustível sustentável de aviação. Segundo o edital, os contratos são exclusivos para importação. Ainda não se sabe se empresas brasileiras serão contempladas.
Os empecilhos do transporte
Para que o Brasil se torne um grande exportador, algumas inovações logísticas ainda são necessárias. Para ser transportado em forma gasosa, o H2V requer muita pressão. Em forma líquida, é preciso resfriá-lo a -253 °C. “Gasta-se muita energia para isso”, diz Fernando Nunes.
Uma das alternativas é transformar o combustível limpo em amônia, NH3. “O nitrogênio é capturado do ar, e a amônia pode ser transportada de 12°C a 15°C. Estudamos outras formas, como transformar o H2V em sais de magnésio e boro, que é sólido”, explica Nunes, acrescentando que o custo desta conversão ainda é muito elevado.
Quando chegar ao destino, caso o produto precise ser convertido novamente em hidrogênio verde, mais energia será gasta no local para essa transformação. “Por isso as pesquisas estão sendo desenvolvidas para se chegar a um ponto que seja mais econômico e seguro”, diz Nunes.
Por esse motivo, uma das possibilidades em discussão é fazer no Brasil o beneficiamento de matéria-prima que seria exportada e transformada na Alemanha, como minério de ferro. Em vez de consumir a energia alemã para fabricação do aço, por exemplo, o processo ocorreria no Brasil movido a H2V. “Esse é um uso também em debate”, afirma Ansgar Pinkowiski, da AHK Rio.
Até 2030, o Brasil deve contar com um parque de produção de H2V em bom funcionamento, comenta Nunes. “Para 2050, a expectativa é que o país consiga suprir até 70% da energia que a Europa precisa com essa fonte”, afirma o pesquisador.