Educação & Cultura
Brincadeiras sensoriais: entre descobertas e desenvolvimento
Entenda a importância dessas atividades para o desenvolvimento integral dos pequenos e como planejá-las na Educação Infantil
Nos primeiros anos de vida de uma criança, as descobertas preenchem cada instante. As cores, os cheiros e os sons vão sendo desvendados por olhos atentos, mãozinhas ágeis, tudo acompanhado por sorrisos e até choros. É nessa interação entre o corpo e o meio ambiente que os pequenos vão se desenvolvendo de forma integral. Por isso as brincadeiras sensoriais são tão importantes para os bebês e crianças bem pequenas.
“As brincadeiras sensoriais são ótimas fontes de descoberta, pois estimulam os sentidos. Aqui, estamos falando de sensações diversas, percebidas pelos estímulos sensoriais, tais como cheiros, temperaturas, texturas, sons e cores”, explica Vládia Maria Pires, pedagoga, mestre em Educação e supervisora educacional da rede municipal de Campina Grande (PB).
Para desenvolver essas brincadeiras com a turma, uma possibilidade acessível, aponta Vládia, é a exploração de um ambiente natural onde haja condições para que os bebês e crianças bem pequenas possam sentir a textura da terra e o cheiro das plantas e pegar pedrinhas, folhas e gravetos pelo caminho.
Desde 1995 atuando na Educação Infantil e hoje professora de apoio pedagógico no CEI Antônio Brühmüller, em Joinville (SC), Marli Kloczko afirma que essas atividades sempre rendem momentos significativos para o desenvolvimento e a socialização, que podem ser comprovados pelo próprio envolvimento nas propostas.
“Uma vez organizamos o ambiente com beterraba cozida, ralada e inteira e, em vasilhas menores, colocamos amido de milho. Uma das bebês, que demorou um pouco mais para se sentir segura no CEI, aquele dia se sentou, olhou para tudo o que estava ao seu redor e começou a explorar cada item. Com as mãos cheias de amido de milho, olhou para a professora, passou a mão no rosto e demonstrou muita alegria, expressando sua satisfação naquele momento”, conta a educadora.
Esse envolvimento dos pequenos com os materiais propostos, segundo Marli, revela a potência das ações e marca positivamente o professor. “As crianças tendem a aprender mais quando os sentidos são estimulados. Dessa forma, as atividades sensoriais são importantes para o desenvolvimento infantil. Com elas, criam-se possibilidades para que os pequenos conheçam o mundo por meio dos cheiros, texturas, sons e sabores.”
Como as brincadeiras sensoriais dialogam com a BNCC?
Do ponto de vista do planejamento da prática pedagógica, ressalta Vládia, o importante ao propor esse tipo de atividade é garantir às crianças ações que as coloquem no centro do processo de descoberta, assim como preconizam os direitos de aprendizagem estabelecidos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
O documento fala dos direitos de brincar, explorar, expressar, participar, conviver e se conhecer, e como eles podem ser garantidos com a oferta de diferentes fontes de estímulo. Mais especificamente, aconselha que essas interações e esses recursos estejam ao alcance das crianças e inseridos em contextos que possibilitem a escolha e o tempo adequado para cada exploração. “Nesse sentido, o papel observador e brincante do professor é fundamental para apoiar as curiosidades e descobertas de cada criança”, diz Vládia.
Espaço para aguçar os sentidos das crianças
Na UME Professor João Walter Sampaio Smolka, em Santos (SP), quando a turma sai da sala, um ambiente todo especial já foi montado para recebê-la no pátio. No chão, ao alcance de todos, balaios com folhas de manjericão, alecrim e hortelã perfumam o ambiente. Ao lado, ficam dispostos chocalhos, guizos amarrados a cordas e diversos instrumentos musicais. Um pouco mais à frente, recipientes com água, argila e materiais de madeira completam um circuito colorido, que é um grande convite à brincadeira e à investigação.
As crianças ficam livres para interagir com os objetos que quiserem. As professoras se sentam no chão e seguram e brincam com alguns dos materiais, dando um recado claro para os pequenos: “Peguem e aproveitem também”. Se no começo há algumas carinhas desconfiadas, em poucos minutos o cenário se transforma: as folhas vão sendo picotadas, as mãos, mergulhadas nas tigelas com argila e água, e todo o espaço se enche com os sons dos pequenos instrumentos musicais e risadinhas.
Essa é uma das diversas propostas organizadas pela professora Adriana Passos por meio do projeto Brinquemusicando, que já faz parte da rede municipal santista há duas décadas. É claro que, com o passar dos anos, o projeto se modificou, mas o objetivo principal tem se mantido o mesmo: oferecer formação para as professoras trabalharem o desenvolvimento dos pequenos por meio de música, movimento, artes visuais e literatura, tudo de forma sensorial.
Uma vez por semana, a professora Adriana e outras educadoras inscritas no projeto participam de formações para serem “brincantes” em suas unidades – termo que elas mesmas utilizam no dia a dia. Segundo Adriana, o foco está em levar momentos significativos para os pequenos. Para isso, o planejamento é uma etapa fundamental do processo. “Primeiro, o professor precisa pensar nos materiais que vai utilizar para estimular as crianças e depois pensar cada etapa: que música usar? Vou realizar alguma leitura? Quais provocações posso fazer?”
Além disso, o professor também tem de levar em conta que as crianças precisam de tempo para conhecer, reconhecer e interagir com os objetos. O que significa que, provavelmente, será necessário repetir algumas etapas em dias diferentes. Adriana conta, por exemplo, que há crianças na turma que, na primeira vez que brincaram com argila, só olharam, não quiseram tocá-la, o que só aconteceu, de fato, em uma segunda oportunidade.
“É preciso respeitar o momento das crianças. Para isso, os registros ao longo do processo são fundamentais”, explica a professora, que fotografa as atividades focando as descobertas dos pequenos a cada encontro, o que alimenta o portfólio e serve de base para o planejamento dos encontros seguintes.
Brincadeiras sensoriais e desenvolvimento integral
A professora Iva Passos é coordenadora e está à frente das formações do Brinquemusicando. Segundo ela, as atividades do projeto possibilitam um desenvolvimento integral das crianças, fomentando desde habilidades motoras e de oralidade até o fortalecimento da autonomia e da autoestima. E isso, afirma Iva, acontece porque as práticas incentivam o movimento livre, dando oportunidade para os pequenos serem protagonistas.
Por isso, um dos pontos trabalhados pela formação de professores é fazer com que as educadoras reconheçam o próprio corpo no espaço. “É preciso que elas se percebam como um corpo inspirador para a criança e disponível para o brincar. Depois, elas precisam se ver como autoras desse projeto, porque a comunidade escolar onde estão é única e elas precisam descobrir suas peculiaridades e potências”, explica Iva.
Por fim, as formações também focam no desenvolvimento das professoras enquanto pesquisadoras e provocadoras. “Nesse sentido, estudamos bastante os teóricos da Educação, da literatura e das culturas popular e erudita.”
Pontos de atenção ao planejar atividades sensoriais
Ao propor atividades que estimulam os sentidos, é importante que todo o processo seja centrado na curiosidade das crianças. Para tanto, o planejamento do professor deve estar voltado para despertar esse interesse e, consequentemente, a ação protagonista dos pequenos.
“A ação do professor precisa favorecer a autonomia das crianças, o que não quer dizer que ele sairá de cena, muito pelo contrário, ele estará presente e atento para apoiar as singularidades apresentadas pelas crianças e planejar contextos e ações voltados para atender os interesses do grupo”, pontua a pedagoga e mestre em Educação Vládia Maria Pires.
Nesses momentos, avalia a professora Marli Kloczko, a observação do professor é importante para identificar e apoiar, por exemplo, tanto a criança que chora ao sentir algo diferente em suas mãos ou pés como aquela que explora com todo seu corpo, expressando a alegria da descoberta. “Esses momentos precisam ser registrados para que o professor possa refletir sobre sua prática e acompanhar o desenvolvimento de cada criança.”
Para planejar
1. Verifique os espaços e materiais não estruturados a serem utilizados, de forma a garantir total segurança para os pequenos;
2. As experiências gustativas, em especial, devem ser realizadas após uma pesquisa com os familiares sobre possíveis alergias;
3. Ao colocar as crianças para explorar, é fundamental preparar todo o espaço antes, pensando no bem-estar e na segurança de todos;
4. Esteja disponível para incentivar os pequenos nas brincadeiras, mas respeite o tempo de cada um. Lembre-se de que eles precisam conhecer e reconhecer os materiais e nem sempre irão querer interagir com estes logo na primeira atividade;
5. Pense em como fazer os registros das ações e reações das crianças. A partir deles, organize os próximos encontros e analise o desenvolvimento de cada criança.
Nova Escola