Educação & Cultura
Como o ensino híbrido pode favorecer a personalização da aprendizagem?
Modelo pode ser aplicado em diferentes contextos para fortalecer o protagonismo dos estudantes, identificar suas dificuldades e potencializar seus saberes
Ensino híbrido: eis um termo que a pandemia propagou entre escolas e redes de ensino nestes últimos anos. Mas se, em um primeiro momento, a maioria dos educadores teve contato com esta metodologia de forma repentina – para não dizer emergencial –, passado o caos gerado pela Covid-19, algumas definições e revisões se fazem necessárias. Afinal, o que pode ser considerado ensino híbrido? A mera junção de aulas ou atividades presenciais com outras feitas no ambiente online? E como esta modalidade pode favorecer a personalização do processo de ensino e aprendizagem?
Para José Moran, professor especialista em metodologias ativas e recursos digitais, é preciso ampliar a conceituação de ensino híbrido para uma metodologia que envolve e integra as múltiplas possibilidades da cultura digital com a aprendizagem que acontece nas interações presenciais. E este entendimento extrapola a questão do ambiente.
“Não é transpor uma aula presencial tradicional para o online, pois não há nada de inovador nisso. Quando falo dessas mesclas, falo de outras sinergias, como trabalhar áreas de conhecimento que se integram”, aponta. “O híbrido está no âmbito da integração, da personalização, de favorecer a escolha e o ritmo do aluno e, ao mesmo tempo, a necessidade de interagir com os demais e aprender junto.”
Moran explica que há quatro principais dimensões que compõem o ensino híbrido: a espacial, isto é, o ambiente onde a aprendizagem ocorre; a temporal, que consiste no fato das atividades serem síncronas ou assíncronas; a da metodologia, ou seja, como as experiências estão desenhadas e quais práticas estão envolvidas para que o aluno participe; e por fim, a do papel docente, que se refere à forma como o professor irá mediar tudo isso.
Modelos de ensino híbrido
O ensino híbrido é uma metodologia ativa que pode assumir diferentes formas ao ser aplicada na sala de aula. Conheça 3 das opções mais difundidas:
Rotação por estações: Consiste em criar uma espécie de circuito dentro da sala de aula, onde cada estação propõe uma abordagem diferente para o tema estudado, podendo trazer ou não um suporte tecnológico. As atividades de cada estação possuem começo, meio e fim, além de terem o mesmo tempo de duração para garantir essa independência mútua. Os alunos se movimentam pelos espaços e trabalham em colaboração para co-construir o conhecimento sobre o objeto de estudo.
Sala de aula invertida: O modelo estimula que o aluno estude conteúdos antes da aula presencial, seja lendo um texto, vendo um vídeo ou realizando qualquer outro trabalho. O objetivo é que a sala de aula seja um espaço mais interativo, usado para realizar debates em grupos, tirar dúvidas com os colegas e o professor ou mesmo utilizar o material produzido antes da aula presencial para a construção de novos conhecimentos.
Laboratório rotacional: Neste formato, a turma se organiza em dois grandes grupos. Enquanto um realiza alguma atividade mediada pelo professor na própria sala de aula ou em outro espaço da escola, o outro grupo desenvolve práticas mais autônomas usando os recursos digitais disponíveis na instituição. Posteriormente, invertem-se os grupos. Assim como na rotação por estações, aqui também é importante a independência dos dois momentos.
Formação de professores é o primeiro passo
Moran defende que é possível aderir ao modelo, em maior ou menor grau, apesar de todas as barreiras presentes nas redes públicas, como o elevado número de alunos por sala, baixa conectividade e acesso a recursos tecnológicos. “Todas as escolas podem ter um razoável acesso ao ensino híbrido, pois a ênfase é a busca por adaptar o currículo às necessidades e ritmos dos alunos.”
Foi o que aconteceu na rede municipal de Jundiaí, no interior de São Paulo. O advento da pandemia desestabilizou inicialmente os educadores e gestores, que não se sentiram preparados para trabalhar de forma remota com as crianças, assim como ocorreu na maioria das escolas do Brasil. De saída, ao invés de investir em equipamentos tecnológicos, a rede optou por um caminho que seria mais viável financeiramente e proveitoso pedagogicamente: a formação de professores.
“Não adiantaria ter o melhor maquinário do mundo se os professores não fizessem o melhor uso. Então, adotamos uma lógica invertida: trabalhamos os conceitos de ensino híbrido a partir da literatura mais atualizada e começamos uma formação de base com a rede”, conta Vastí Ferrari, gestora de Educação do município. “Isso trouxe uma mudança de comportamento, e aí sim vieram as aquisições tecnológicas.”
Revisão curricular e “desemparedamento” da escola
O chacoalhão provocado pelo cenário pandêmico desencadeou uma revisão na proposta curricular do município. “A relação com as crianças é baseada na interação, no dia a dia. Então uma das nossas grandes premissas foi o desemparedamento da escola: entendemos que as crianças não aprendem só dentro da sala de aula, mas em qualquer ambiente, desde que haja intencionalidade pedagógica”, destaca a gestora.
Assim, as escolas da rede começaram a trabalhar atividades fora da sala de aula, sob o prisma da sala de aula invertida e do modelo de rotação por estações. “O ensino híbrido acontece em vários momentos da rotina, usando tecnologia ou não. Nessa perspectiva, construímos o currículo jundiaiense com os conteúdos relevantes para cada ciclo e sob as referências da BNCC [Base Nacional Comum Curricular]”, completa Vastí.
A formação de professores no município de Jundiaí é realizada pelo professor Fernando Trevisani, um dos organizadores do livro Ensino Híbrido: personalização e tecnologia na educação (Editora Penso, 2015).
Conhecer a turma e o aluno para intervir
Outra característica importante do ensino híbrido é o uso dos recursos digitais para coletar informações que permitem entender o nível de aprendizagem dos estudantes. Assim, é possível intervir de forma mais assertiva no processo de ensino e aprendizagem e no planejamento das atividades seguintes.
É isso que tem feito o professor de História Ailton Camargo, que leciona para o 6º ano na EM Profa Zilma Thibes Mello, em Iperó (SP). “O modelo híbrido ajuda na personalização do ensino porque fornece dados sobre a turma e os alunos, seja por meio de um formulário no Google, um aplicativo com essa função ou sites que permitem essa finalidade”, diz. “Essas estatísticas podem mostrar, por exemplo, qual questão os alunos mais erraram e, a partir disso, o professor já consegue intervir. Não precisa esperar a prova no final do bimestre para fazer recuperação.”
Recentemente, o professor valeu-se da estratégia da rotação por estações para desenvolver um projeto sobre aromas, no qual cada estação propunha uma atividade diferente em relação ao tema. Uma das estações trazia um kit de perfumes para os alunos cheirarem e identificarem a essência. Outra trazia um texto sobre como os povos antigos, como os hebreus e egípcios, se relacionavam com aromas como bálsamo, mirra e cinamomo. Havia ainda estações com aromas relacionados ao dia a dia (temperos e produtos de limpeza, por exemplo), uma com um vídeo sobre esses povos e outra com um questionário a ser respondido.
Diferentes propostas e atividades
Na hora de planejar esses espaços, alguns cuidados são necessários. “É importante que uma estação não seja pré-requisito para a outra, que não haja uma ordem. A ideia é que os alunos possam ir rotacionando e que cada estação tenha uma atividade diferente”, recomenda o professor Ailton. “Também é preciso pensar nos materiais que serão usados e nos desafios técnicos relacionados à equipamentos e conectividade, entre outros pontos.
Segundo Ailton, o projeto resultou em alunos mais engajados, que puderam explorar os conteúdos de acordo com seu ritmo e interesse. “Por exemplo, o estudante podia ir pausando o vídeo ou respondendo as questões no tempo dele.”
Professor mediador para um olhar individualizado
Professor dos Anos Finais do Ensino Fundamental no Centro Educacional João de Souza Oliveira, em Várzea Nova (BA), e na EM Adalberto Pereira, em Morro do Chapéu (BA), Paulo Cosme começou a pesquisar sobre ensino híbrido ainda antes da pandemia. O educador experimentou diferentes abordagens até certificar-se de que o modelo da rotação por estações era o que mais funcionava para suas turmas.
Assim como Ailton, o professor planeja uma atividade diferente para cada estação – no seu caso, sempre apoiadas em algum recurso tecnológico. Para averiguar o que os estudantes aprenderam com o circuito, ele propõe uma socialização ao final do trabalho. “É nesse momento que eu vou entender a aprendizagem de cada um. Em todo o processo, eu estou mediando, fazendo anotações para depois realizar a minha avaliação. No final, também dou a devolutiva para o grupo”, conta.
As informações de que o professor precisa para a personalização do ensino aparecem nessas trocas. Ao longo do percurso, ele observa os estudantes em suas interações com as estações e vai percebendo em qual atividade os alunos tiveram mais dificuldade, por exemplo, ou quais habilidades foram mais ou menos estimuladas. Tudo isso serve de base para adaptar a proposta e fazer as intervenções com os estudantes. “Procuro, na maioria das vezes, ir atrás dos alunos com mais dificuldade: se é em relação à escrita, vou insistir nisso, propor algo nesse sentido”, exemplifica o professor.
Personalização para potencializar a aprendizagem
Em Jundiaí, a personalização do processo de ensino e aprendizagem passa por muito planejamento para levar para cada escola possibilidades para além da sala de aula tradicional. Isso porque o ensino híbrido possibilita que o professor utilize as informações produzidas anteriormente nas estações de trabalho, por exemplo, para potencializar uma atividade que supre as principais necessidades e dúvidas sobre os conceitos estudados pelos alunos no processo.
Com essas informações em mãos, o professor as analisa e consegue modificar seu planejamento de aula a partir das dúvidas dos alunos, corrigindo a rota de aprendizagem em sala para que todos aprendam mais e melhor.
Claro que o processo pode ser desafiador. “Temos salas grandes, com 35 alunos cada, e trabalhar com a diversidade é muito difícil. Na mesma turma do ciclo de alfabetização, por exemplo, temos crianças em diferentes fases de desenvolvimento”, comenta Vastí.
A heterogeneidade das turmas, no entanto, não é vista como um impeditivo para a personalização. Pelo contrário, é considerada um caminho para fomentar o protagonismo dos alunos. “Vemos o quanto eles se apropriam dessas múltiplas possibilidades de aprendizagem, o quanto ganham autonomia na prototipagem de suas soluções”, finaliza a gestora.
Consultoria pedagógica: Fernando Trevisani, docente e formador de professores em metodologias ativas.
Nova Escola