Internacional
O que Coreia do Norte pretende com lançamento de satélites?
Apesar de fracasso em lançamento de dispositivo espião, país deve continuar investindo na tecnologia. Comunidade internacional acusa Pyongyang de usar satélites para testar mísseis balísticos
A Coreia do Norte confirmou nesta quarta-feira (31/05) que uma tentativa de colocar em órbita o primeiro satélite espião do país fracassou. O foguete que transportava o dispositivo militar caiu no mar a oeste da Coreia do Sul. As causas da falha ainda estão sendo analisadas.
Embora essa seja a primeira tentativa do país de lançar um dispositivo destinado ao reconhecimento militar, esse foi o sexto lançamento de satélite já realizado por Pyongyang. Sob o programa Kwangmyongsong, a Coreia do Norte já conseguiu colocar no espaço com sucesso dois satélites, mas não há confirmações oficiais se esses dispositivos estão em operação.
Apesar da falha desta quarta-feira, essa deverá ser somente a primeira de muitas tentativas de lançar um satélite espião. A Coreia do Norte considera seu espaço e programas de foguetes militares um direito soberano.
Especialistas avaliam que esse tipo de satélite é fundamental para o país melhorar a eficácia de suas armas. O foco nesse objetivo mostraria ainda uma mudança de direção no sentido mais prático do que político.
“Mesmo que esse lançamento tenha falhado, o líder norte-coreano, Kim Jong-un, deixou claro que esse satélite é o primeiro de muitos. Esse não será o fim destes esforços”, destaca Atsuhito Isozaki, professor de estudos norte-coreanos na Universidade Keio, no Japão.
Lançamentos anteriores do programa Kwangmyongsong
Desde o fim dos anos 1990, a Coreia do Norte lançou seis satélites, incluindo a tentativa desta quarta. Os lançamentos anteriores eram amplamente vistos pela comunidade internacional como testes de armas velados.
Em 31 de agosto de 1998, a Coreia do Norte anunciou que colocou seu primeiro satélite em órbita: o Kwangmyongsong-1, usando o foguete Paektusan-1. Apesar das afirmações do país, o satélite não entrou em órbita, aparentemente devido a uma falha no terceiro estágio do foguete. A comunidade internacional, liderada por Washington, disse que a ação foi um exercício para testar mísseis balísticos.
Outros dois lançamentos mal-sucedidos foram realizados em 2009 e em abril de 2012. Em 12 dezembro de 2012, o país fez sua quarta tentativa. Autoridades americanas confirmaram o sucesso do lançamento, porém, especialistas de diversos países apontaram que o satélite não apresentava condições operacionais.
A última tentativa havia ocorrido em 2016. O satélite de observação também foi colocado em órbita. Especialistas afirmam que o dispositivo exibe condições operacionais parciais, mas nenhuma comunicação foi detectada.
O lançamento mais recente
Batizado de Malligyong, o satélite militar foi lançado nesta quarta-feira no foguete Chollima, nomeado em homenagem a um cavalo alado místico que aparece frequentemente na propaganda de Pyongyang.
Logo após o lançamento, o foguete caiu no mar. O regime norte-coreano disse que investigará as causas da falha para repará-las e realizar um novo lançamento o mais breve possível.
O Exército da Coreia do Sul rapidamente localizou e resgatou parte dos destroços. O lançamento norte-coreano levou a ordens de evacuação na Coreia do Sul e no Japão. A capital sul-coreana, Seul, emitiu alertas através aos residentes para estarem preparados para deixarem as suas casas. Como não foram registados danos ou perturbações, o alerta foi cancelado.
Autoridades japonesas também ativaram o sistema de alerta de mísseis para a prefeitura de Okinawa, no sudoeste do Japão, que se acreditava estar na trajetória do foguete.
Testes velados?
A comunidade internacional acusava a Coreia do Norte de tentar esconder teste de tecnologia de mísseis balísticos em seus lançamentos de satélites. Os Estados Unidos afirmaram que o lançamento desta quarta apresentou tecnologias relacionadas aos banidos mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs).
Em resposta às acusações, Pyongyang sempre defendeu o direito de desenvolver sua indústria aeroespacial. Tanto o lançamento de mísseis balísticos quanto o de satélites exigem conhecimentos altamente avançados, segundo especialistas.
O regime de Kim está impedido de usar qualquer tecnologia de míssil balístico sob uma série sanções da ONU. Pyongyang, porém, desrespeita regularmente essas restrições e já testou vários armamentos do tipo somente neste ano.
Desde 2016, a Coreia do Norte desenvolveu e lançou três tipos de ICBMs, e agora parece estar genuinamente comprometida a colocar satélites funcionando em órbita.
“A Coreia do Norte disparou um míssil após o outro nos últimos anos sem qualquer justificativa”, lembra Park Won-gon, professora de Estudos Norte-Coreanos na sul-coreana Universidade para Mulheres Ewha.
Segundo analistas, possuir um satélite em órbita funcionando não aperfeiçoaria somente a inteligência da Coreia do Norte sobre os inimigos, mas também seria uma prova de que o país pode acompanhar as outras potências espaciais em desenvolvimento na região.
Para Ankit Panda, do think-tank americano Fundo Carnegie para a Paz Internacional, Pyongyang poderia usar os satélites para atingir mais efetivamente a Coreia do Sul ou o Japão, além de verificar se os Estados Unidos e seus aliados estariam se preparando para um ataque.
Mais tecnologia e menos política
Segundo Takeshi Watanabe, pesquisador do Instituto Nacional para Estudos de Defesa do Japão, a Coreia do Norte mostrou nos últimos anos estar aparentemente mais focada em tecnologia do que em mensagens políticas, lembrando que no passado o país fez lançamentos em dias específicos independentemente das condições.
“A Coreia do Norte não pode manter a credibilidade de seus recursos contra o Japão, Estados Unidos e Coreia do Sul sem um lançamento bem-sucedido de satélite. Assim não pode ignorar seus cientistas”, avalia Watanabe. O especialista acredita que Pyongyang não se apressará para efetuar um novo lançamento.
Devido ao seu isolamento, a Coreia do Norte não possui estações de base ao longo do mundo para se comunicar com seus foguetes e satélites, o que, segundo Brian Weeden, da ONG Fundação Mundo Seguro, é um desafio.
“Isso pode ser feito somente quando os satélites passam pela Coreia do Norte, o que para um satélite de órbita terrestre baixa seriam poucas vezes por dia”, acrescenta.