Saúde
Atividades fora da rotina desregulam nosso relógio biológico
A duração da luminosidade influencia no centro regulador do ritmo circadiano e ajuda também a ajustar o organismo.
Relógio biológico
O conjunto de atividades biológicas que se repetem em cerca de 24 horas é chamado de ritmo circadiano, envolvendo o que comumente chamamos de relógio biológico. Ele é importante porque regula o funcionamento das células, o metabolismo e até o nosso sono e concentração.
Contudo, apesar de a descoberta do relógio biológico ter ganho o prêmio Nobel de Medicina em 2017, ainda não compreendemos totalmente como ele é controlado.
Algo que sabemos é que os núcleos supraquiasmáticos, que ficam na região anterior do hipotálamo, são responsáveis por receber a informação do grau de luminosidade, enviada pela retina, e, assim, ajustar o ritmo circadiano. “Ele ajusta a atividade das nossas células para que elas saibam os momentos apropriados de ter mais atividade ou estar em repouso,” explica o professor José Donato Júnior, da USP.
Mas esta não é a história toda. Por exemplo, embora seja muito influenciada pela luz, estudos comprovaram que a duração do ciclo circadiano se mantém em torno de 24 horas mesmo na ausência completa da luz solar, que mede o dia geográfico e a noção de tempo. Estudos feitos em cavernas, longe da luz externa e da identificação da passagem dos dias, mostraram que a média do ciclo se mantém.
Acontece que, com nosso estilo de vida, nós acabamos interferindo com esse processo. “Nós temos a capacidade de ignorar um pouco esse ajuste, porque você vai numa festa ou você vai trabalhar à noite, embora seu ritmo fale ‘Olha, este é o momento de repouso, de você dormir’, você tem a necessidade de fazer outra tarefa. Voluntariamente, a gente pode ignorar essa informação, só que a consequência disso é que as nossas células não vão estar trabalhando na sua condição ideal,” comenta o professor José Donato.
As dores de cabeça também são fortemente influenciadas pelo relógio biológico.
Comportamento regular
A boa notícia é que, sendo tão importante para nossa saúde, nós temos certo controle sobre as atividades que ocorrem durante os ciclos diurno/noturno, e podemos usar isso a nosso favor, estabelecendo rotinas mínimas de comportamento para atender às necessidades de descanso.
Embora esta não precise ser rígida, quando não se segue uma rotina o corpo tende a entrar em dessincronia: “O que é crítico é a gente ser regular. Não adianta a pessoa acordar às 7 horas da manhã de segunda a sexta, e, no fim de semana, dormir 4 da manhã e acordar meio-dia. Isso causa uma dessincronia, você acaba nunca adaptando o organismo direito e ele não sabe o que é o ideal. Acho que é muito importante, independentemente dessas preferências individuais, que as pessoas consigam seguir um ritmo regular de sua atividade,” explica o pesquisador.
As telas, sobretudo dos celulares, além do contato excessivo com a luz artificial, tornaram-se “ferramentas” ótimas para desregular o ritmo circadiano. Mesmo o aumento da incidência de muitas doenças metabólicas pode estar relacionado com isso.
“Os seres humanos herdaram todos esses mecanismos [biológicos], só que a gente vive num momento em que você acende a luz, você olha para o celular: A quantidade de luz que a tela do celular, o computador ou a televisão emitem é enorme. Ela chega na nossa retina e, de certa maneira, atrapalha o centro dos ajustes. É interessante que existem algumas hipóteses que falam que essa exposição excessiva à luz afeta o ritmo circadiano e, por isso, tem a ver com a epidemia de doenças metabólicas, como obesidade e diabetes, que vemos. A gente vê essa epidemia crescer justamente num momento em que as pessoas naturalmente têm muito mais acesso à luz no período noturno,” disse José Donato.
O pesquisador ressalta que, para atrapalhar o mínimo possível aquilo que nosso corpo faz muito bem, é necessário ajustar nossas atividades, levando ainda em conta as variações naturais do ambiente.
“Você pode considerar esse ritmo de 24 horas, mas você tem até uma sazonalidade baseada nas estações do ano: no inverno, você tem menor exposição à claridade e, no verão, os dias são mais longos. Essa duração da luminosidade também influencia no centro regulador do ritmo circadiano e ajuda também a gente a fazer ajustes no nosso organismo baseados no grau de luminosidade,” concluiu o pesquisador.