Nacional
Lula divide o Mercosul e pode causar fim do bloco
Lula assume a presidência do Mercado Comum do Sul até dezembro e precisará contornar crises internas no bloco que se acentuam a cada dia, sob riscos reais de rompimento: a entrada do ditador venezuelano no grupo é a principal razão da discórdia
Lula está ficando cada vez mais isolado no Mercosul. O petista assumiu, na última terça-feira, 4, a presidência temporária do bloco até dezembro deste ano, sob uma série de pressões dos vizinhos, em especial do Uruguai e do Paraguai, ambos governados por líderes de centro-direita que discordam das aspirações do líder brasileiro no que diz respeito à política e economia dos países membros da aliança comercial.
Em mais de 30 anos, essa é a primeira vez que a crise diplomática coloca em risco real a existência do grupo.
O Mercosul surgiu em 1991, depois de décadas de negociações entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, mas outros países da região juntaram-se ao bloco.
O mais recente foi a Bolívia, que tenta a adesão, mas ainda não foi aprovada pelos demais membros. O principal ponto de discordância, que coloca Lula em choque com os presidentes do Paraguai e Uruguai, no entanto, está na estratégia do petista de incluir, a todo custo, a Venezuela no bloco.
O país governado pelo ditador Nicolás Maduro, contudo, está suspenso da entidade desde 2017, por causa da “ruptura na ordem democrática”, mediante violações aos direitos políticos e humanos a opositores venezuelanos, mas o petista quer mudar esse cenário, mesmo sem ter apoio dos colegas.
Os presidentes Mario Abdo Benítez, do Paraguai e Luis Lacalle Pou, do Uruguai, rechaçam, com veemência, a disposição de Lula na inclusão de Maduro no grupo.
Lacalle Pou chegou a ameaçar deixar o Mercosul e fechar acordos paralelos de livre comércio com a China, por exemplo.
Na abertura da 62ª reunião de cúpula do bloco, realizada em Puerto Iguazú, na Argentina, na terça-feira, Lacalle Pou foi contundente. “O Mercosul tem que dar sinal claro para que o povo venezuelano caminhe para uma democracia plena.”
Benítez endossou a posição do uruguaio. “O único limite razoável para a integração dos países deve ser o respeito à democracia e aos direitos humanos”, declarou o dirigente paraguaio.
Lula estende o tape a Maduro
Em maio, quando Lula recebeu Maduro com pompa em Brasília, acompanhando-o na subida à rampa do Planalto, Lacalle já havia ficado indignado com a deferência concedida por Lula ao venezuelano.
O que mais irritou o uruguaio e o paraguaio naquela oportunidade foi o fato de o petista ter dito que a Venezuela era vítima de narrativas de que o país vive sob uma ditadura. Na época, até o presidente do Chile, o esquerdista Gabriel Boric, rebateu o brasileiro, argumentando que a questão “não é uma construção de narrativa, é uma realidade, e é séria”.
Lacalle Pou chegou a ameaçar deixar o Mercosul e fechar acordos paralelos de livre comércio com a China, por exemplo.
Na abertura da 62ª reunião de cúpula do bloco, realizada em Puerto Iguazú, na Argentina, na terça-feira, Lacalle Pou foi contundente. “O Mercosul tem que dar sinal claro para que o povo venezuelano caminhe para uma democracia plena.”
Benítez endossou a posição do uruguaio. “O único limite razoável para a integração dos países deve ser o respeito à democracia e aos direitos humanos”, declarou o dirigente paraguaio.
Lula estende o tape a Maduro
Em maio, quando Lula recebeu Maduro com pompa em Brasília, acompanhando-o na subida à rampa do Planalto, Lacalle já havia ficado indignado com a deferência concedida por Lula ao venezuelano.
O que mais irritou o uruguaio e o paraguaio naquela oportunidade foi o fato de o petista ter dito que a Venezuela era vítima de narrativas de que o país vive sob uma ditadura. Na época, até o presidente do Chile, o esquerdista Gabriel Boric, rebateu o brasileiro, argumentando que a questão “não é uma construção de narrativa, é uma realidade, e é séria”.
No encontro em Puerto Iguazú, onde está localizada a tríplice fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai, Lula evitou falar em Maduro para impedir que a reunião azedasse de vez.
Mesmo assim, o assunto foi mantido revigorado por Lacalle e Benítez, que protestaram contra a decisão da ditadura de Maduro ter declarado a inelegibilidade da opositora Maria Corina Machado, na última sexta-feira, 30.
Corina tem o maior potencial para enfrentar Maduro nas eleições do ano que vem.
“Está claro que a Venezuela não vai virar uma democracia saudável, e quando há um indício de possibilidade de uma eleição, uma candidata como Maria Corina Machado, que tem um enorme potencial, é desqualificada por motivos políticos, não jurídicos”, disse Lacalle.
Lula, no entanto, preferiu desconversar, dizendo que não sabia dos detalhes que barraram a candidatura de Corina.
Antes dela, Maduro já havia vetado as candidaturas presidenciais de Henrique Capriles e Juan Guaidó. “Em relação à Venezuela, todos os problemas que a gente tiver de democracia, a gente não se esconde, a gente enfrenta. Não conheço os pormenores dos problemas com os candidatos, mas pretendo conhecer”, disse Lula, esquivando-se.
“O Mercosul tem que dar sinal claro para que o povo venezuelano caminhe para uma democracia plena.”
Luis Lacalle Pou, presidente do Uruguai
Uma Amazônia no calcanhar de Lula
Além do mal-estar por causa da Venezuela, Lula tem outro grande desafio para enfrentar. Ele precisa destravar o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, cujas negociações estão paralisadas desde 2019.
O texto que prevê a cooperação entre os dois blocos de comércio está sendo negociado há duas décadas, mas, até agora, não saiu do papel, por causa de exigências que acabaram de ser feitas, de forma unilateral, pela União Europeia.
Para assinar o acordo, os europeus exigem que o Brasil assuma o compromisso de preservar a Amazônia.
Lula ficou revoltado com essa exigência. O presidente brasileiro criticou, durante a reunião de Puerto Iguazú os termos impostos pelos europeus, afirmando que se tratavam “de cláusulas abusivas”.
A União Europeia não quer só atingir o Brasil, mas também os demais países sul-americanos, exigindo que invistam em políticas efetivas de preservação ambiental, sob pena de sanções aos produtos vendidos com base no acordo.
Por outro lado, não haveria nenhum tipo de compensação, caso as nações do Velho Continente descumprissem algum acordo internacional no mesmo sentido. Para o petista, é inaceitável assinar um acordo sob essas circunstâncias.
Acordo com a União Europeia
O posicionamento de Lula, contudo, não é acompanhado pelos demais presidentes, em especial Lacalle Pou. O uruguaio defende que o bloco realize logo o acordo com os europeus e flexibilize as regras para novos entendimentos bilaterais
Há dois anos, o governo de Montevidéu tenta firmar uma parceria com a China, mas é impedida por cláusulas do Mercosul, nas quais ou entram todos ou não entra ninguém.
Lacalle Pou tem afirmado que o Uruguai está disposto a deixar o Mercosul, caso as demandas do país não sejam atendidas. Ele defende que o bloco precisa se modernizar, além de reclamar que a balança comercial do Uruguai com os vizinhos está em déficit.
Ao final do encontro, ele se recusou a assinar um documento em que Brasil, Argentina e Paraguai se colocam dispostos a perseguir um entendimento com os europeus, mas não cita os pedidos de Montevidéu.
No Uruguai, a imprensa local elogiou a postura do presidente em defender os interesses nacionais e criticar a demora do bloco em firmar acordos internacionais. O jornal El País afirmou que um eventual “Uruexit” não seria algo caprichoso, muito pelo contrário.
Para o professor de Relações Internacionais da USP, Amâncio Jorge de Oliveira, a situação em que Lula assume o Mercosul é bastante desfavorável.
Ele acredita que será muito difícil para o brasileiro reverter a situação nos seis meses que terá à frente do Mercosul e que, provavelmente, não encerrará o acordo com os europeus, a principal demanda do bloco no momento.
“Lula considerou que é uma carta protecionista e que o Mercosul deveria dar uma resposta contundente, mas não tem o respaldo do Paraguai e Uruguai. Existe um desalinhamento no interior do bloco, com posições heterogêneas. A realidade de Lula nos primeiros governos tinha uma harmonia maior. Hoje temos dois governos de centro-direita, que desalinham o bloco”, explica Oliveira.
Fonte: IstoÉ