Saúde
Após impasse, resolução que libera teste rápido em farmácia entra em vigor em 1º/8
Ministério havia pedido suspensão da regra alegando impacto negativo à saúde pública
A resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que permite a realização de testes rápidos nas farmácias entra em vigor em 1º de agosto. A agência vai ainda organizar um grupo de trabalho para avaliar os impactos da regra, criada após mais de um ano de discussão.
Uma nota deverá ser em breve divulgada pela agência. O texto deve, assim, encerrar uma discussão que iniciou na última terça-feira (18), quando a secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, Ethel Maciel, solicitou a suspensão da RDC 786/23, alegando que a permissão poderia trazer um impacto negativo para a saúde pública.
No texto de três páginas enviado à agência, a secretária dizia ainda que um grupo de trabalho seria criado no ministério para amadurecer o tema. O ofício provocou críticas imediatas, não apenas do setor de farmácias e drogarias, como era esperado, mas também entre especialistas de saúde pública e de farmacêuticos.
O pedido de Ethel foi recebido também com surpresa entre técnicos da Anvisa. O texto acordado entre diretores da agência havia sido amplamente debatido não apenas entre técnicos, mas também em audiências públicas.
Foi apurado que Ethel reuniu-se nesta quinta-feira (20) com representantes de farmacêuticos, insatisfeitos com o pedido de adiamento. Integrantes da Anvisa também teriam sido recebidos.
Durante o entendimento, ficou acertado que o grupo de trabalho seria conduzido pela agência com participação de equipe do ministério. O objetivo será monitorar a implementação das novas regras. O acompanhamento auxiliará a avaliar o alcance dos objetivos da resolução e o impacto no SUS e na sociedade.
Desgaste
O desfecho reduz em parte o desgaste da secretária provocado durante a semana. O que mais chamou a atenção foram os argumentos usados para sugerir a suspensão da resolução, como a dificuldade do encaminhamento de pacientes, caso os exames feitos nas farmácias indicassem um quadro grave ou, ainda, as dificuldades para notificação compulsória – quando testes para doenças infecciosas têm resultado positivo, obrigando o profissional da saúde a alertar autoridades sanitárias.
O ofício expôs, ainda, a divisão no próprio ministério. Integrantes da pasta já haviam afirmado publicamente que a liberação de testes rápidos nas farmácias ampliaria o acesso ao diagnóstico, sobretudo em regiões de difícil acesso.
As críticas de Ethel à RDC surgiram às vésperas de a norma entrar em vigor, o que provocou estranheza. O texto discutido pela Anvisa foi aprovado em abril. Daria, portanto, tempo para que o ministério fizesse sugestões e amadurecesse os questionamentos ao longo desses meses.
Pandemia
A discussão sobre testes rápidos ganhou força durante a pandemia, sobretudo depois da liberação para exames de Covid-19. Desde então, a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) ampliou o esforço de convencimento para que testes para outras patologias, como diabetes, sífilis e hepatite, pudessem também ser feitos em salas mantidas em suas unidades, por profissionais de saúde ligados aos estabelecimentos, como farmacêuticos.
A estimativa é de que pelo menos 50 exames possam ser feitos a partir de gotas de sangue, saliva ou urina. Esses exames diferenciam-se dos autotestes – kits para serem usados em ambiente diverso da farmácia e não regulados pela RDC.
A RDC questionada pelo ministério não trata apenas de testes rápidos em farmácias. A norma publicada pela Anvisa também traz regras para funcionamento de laboratórios clínicos, de anatomia patológica e outros serviços de análises clínicas. Mais um motivo, diziam integrantes da agência, para não alterar a data do início da vigência da resolução.
Vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz de Brasília, Cláudio Maierovitch disse que a RDC traça limites precisos sobre testes rápidos em estabelecimentos. Para ele, as regras aprovadas pela agência são até restritivas, em alguns aspectos. “No caso de exames em farmácias, traz uma série de requisitos que nem todas as unidades podem cumprir.”
Maierovitch está convicto de que testes rápidos podem ampliar o acesso ao diagnóstico. Ele afirma ainda que muitos deles são tão precisos quanto os de laboratório. “Há uma resistência a esses testes, em parte provocada por questões culturais, em parte por pressões de mercado.”
Para o pesquisador, alguns setores podem se sentir prejudicados com a ampliação da possibilidade da realização de exames. Ele argumenta, contudo, que a medida pode em muitos casos ajudar a reduzir vazios assistenciais. “Há em alguns lugares dificuldades para realizar exames para o Sistema Único de Saúde”.
O vice-presidente da Abrasco observa ainda que a interpretação do exame rápido será feita por profissional habilitado. “A orientação não muda. Seja feita no laboratório ou numa unidade móvel. Todos os profissionais têm formação e o que se pressupõe é de que saibam fazer a orientação sobre os próximos passos a tomar: seja procurar um médico, um serviço de saúde.”
Algumas dúvidas apresentadas pela secretária, diz o pesquisador, podem ser solucionadas pela própria equipe do ministério, como a forma para se garantir que a notificação compulsória seja de fato realizada no caso das farmácias. “Não há justificativa para reduzir o acesso. Caso haja dificuldades para atendimento, o ideal seria que os próprios gestores encontrassem alternativas para solucioná-las. Saber da sua condição de saúde é essencial para buscar tratamento adequado”, diz Maierovitch.
Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou.