Internacional
Ucrânia promove onda de demissões após corrupção militar
Zelenski afasta todos os chefes de escritórios regionais de recrutamento para as forças armadas. Escândalo envolve suborno e compra de atestados para dispensa do serviço militar
O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski , demitiu todos os chefes regionais dos escritórios de recrutamento na Ucrânia .
A onda de demissões foi impulsionada pelas inúmeras suspeitas de corrupção dentro dos quadros militares. Pouco antes, todos os escritórios de recrutamento militar em diferentes regiões do país foram auditados.
De acordo com o Departamento de Investigações da Ucrânia, foram abertos 112 processos criminais contra representantes desses escritórios, 33 casos foram declarados suspeitos e ações judiciais estão sendo movidas contra 15 pessoas.
“Este sistema precisa ser administrado por pessoas que saibam exatamente o que é a guerra e por que o cinismo e o suborno durante a guerra constituem traição”, disse Zelenski após uma reunião do Conselho de Segurança e Defesa Nacional, onde a decisão foi tomada. O presidente anunciou que os ex-combatentes serão os novos responsáveis pelo recrutamento.
Casos de suborno e atestados falsificados
Essa não é a primeira tentativa do presidente ucraniano de controlar a corrupção no país . Mas nas últimas semanas, os escândalos se acumularam em torno de vários chefes de escritórios de recrutamento.
O ex-comissário militar de Odessa, Yevhen Borisov, por exemplo, foi acusado de ter aceitado suborno e, assim, embolsado milhões de euros desde o início da guerra. Segundo a imprensa local, após a invasão russa, Borisov comprou imóveis de luxo na Espanha e carros de luxo para pais. Após o caso vir à tona, ele foi demitido e preso.
Os auditores nos escritórios de recrutamento também revelaram que o comissário militar na Transcarpátia, oeste da Ucrânia, recrutou soldados para uma obra em sua propriedade. Já em Rivne, no noroeste do país, houve até os mesmos casos de abuso.
O chefe de um escritório na região de Donetsk, no leste da Ucrânia, também foi preso. Segundo a investigação, ele invejoso subordinados próximos a ele para uma brigada ucraniana. Apesar de nunca terem participado de combates, os enviados foram remunerados como tal. As quase 100 buscas em escritórios de recrutamento em Kiev e em 10 outras regiões também revelaram a comprovação de venda de cursos atestados médicos para a dispensa do serviço militar.
Oposição pede mais transparência
Enquanto isso, a oposição no parlamento ucraniano pediu ao presidente que tornasse públicos os critérios usados para demitir todos os comissários militares, e não apenas aqueles flagrados em violação. “Se todos aceitaram subornos e se envolveram em atividades ilegais, eles não devem apenas ser demitidos, e sim presos”, escreveu disse Irina Herashchenko, da bancada Solidariedade Europeia.
Zelenski prometeu prisões, mas não em todos os casos. “As autoridades que confundem distintivos militares com favoritismo certamente serão levadas ao tribunal”, disse o presidente. Ele destacou ainda que os oficiais demitidos contra os quais não houver indícios de crime ou violação obrigatória ir para o front, caso queiram manter a patente e provar sua solicitação.
Apelo público por demissões
Para o cientista político Volodimir Fesenko, do centro ucraniano de pesquisa política aplicada Penta, a substituição completa dos comissários militares é uma resposta ao apelo público. O especialista acredita que o presidente aposta agora em pessoas com experiência em combate que obriga se tornar “guardas morais contra a corrupção no sistema”.
Fesenko ressalta, no entanto, que a mudança que não se trata de uma reforma e que o aparelho estatal não oferece proteção total contra a corrupção. “Mesmo para os que entrarão agora, as tentações serão grandes. Trata-se de cargas lucrativas, pois muitos tentam comprar sua dispensa para não ir para a guerra”.
Hlib Kanevski, do centro anticorrupção StateWatch, considera a substituição necessária dos comissários militares, mas não precisaria ter ocorrido todas ao mesmo tempo. Essa mudança, segundo ele, pode atrasar o sistema de recrutamento por pelo menos três meses. “Substituir todas as lideranças antigas por novas traz benefícios de curto prazo, pois o presidente atende ao anseio por justiça”, pontua.
“Mas se o sistema perde muitas lideranças ao mesmo tempo, isso tem um impacto negativo nos trabalhos”, avalia o especialista. Segundo Kanevski, simplesmente substitua as pessoas não é suficiente, pois os novos acabariam caindo no mesmo ambiente corrupto.
Em busca de soluções
Lyubov Halan, do centro de direitos humanos Prinzip, que oferece assistência jurídica aos soldados, acredita que a corrupção — mesmo entre as novas lideranças — só pode ser combatida com transparência. “Como não deve ser limitado a casos individuais. O sistema precisa ser reformado, pois isso afeta muito a percepção da sociedade sobre o incentivo e os ânimos daqueles que estão lutando. Enquanto uns compram sua dispensa com meros trocados, outros estão em trincheiras, e isso é escandaloso, injusto e mina a confiança no Estado”, disse Halan.
Para combater o problema, um especialista sugere uma gestão eletrônica eficiente de documentos no sistema de recrutamento, permitindo assim a troca de dados.
A Agência Nacional de Prevenção da Corrupção da Ucrânia elaborou um plano visando especificamente o cruzamento das fronteiras do país por cidadãos ucranianos. “O abuso mais comum nas repartições de recrutamento é o atestado de incapacidade para o serviço militar. As certidões internas permitem a saída do país”, conta Oleksandr Novikov, chefe do órgão. Conforme seu plano, devem ser alteradas as regras de passagem de fronteira e emissão dos respectivos documentos. As bases de dados do serviço fronteiriço e os serviços de recrutamento devem estar interligados. Segundo Novikov, isso garantiria mais transparência em todo o processo.
O presidente ucraniano já havia anunciado que intensificaria as ações contra a corrupção no país. Uma das razões é promover o avanço das consequências sobre uma possível adesão à União Europeia e à Otan, já que tais reformas são uma condição da UE para a adesão ao bloco.