Judiciário
O STF pode substituir a competência do Poder Legislativo?
“O que o Brasil mais precisa nesse momento é de segurança jurídica”, Ives Gandra.
O advogado e professor, Ives Gandra da Silva Martins, afirmou que o país está a precisar, nesse momento, de segurança jurídica. A declaração ocorreu durante uma reflexão sobre entrevista do ministro Barroso, na qual, ele afirmou que trará matérias de competência do Legislativo para discussão no STF, quando assumir a presidência do Supremo, em 28 de setembro.
Pacto federativo, sistema tributário, harmonia entre poderes
“Tenho pelo ministro Luís Roberto Barroso uma longa amizade e uma permanente admiração. Trabalhamos juntos naquela comissão que o ex-presidente Sarney, então presidente do Senado, em 2012, chamou de a Comissão dos Notáveis para repensar o Pacto Federativo. Éramos apenas 13 membros. O presidente da comissão era o ministro Nelson Jobim, participavam, entre outros, o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel (relator) e tínhamos elementos como Paulo Barros de Carvalho, Bernardo Appy, João Paulo dos Reis Velloso (que tinha sido ministro na época do governo militar), enfim, pessoas que estavam dando uma bela colaboração no repensar o Pacto Federativo e o sistema tribut ário brasileiro.
Escrevemos livros juntos, participamos de palestras juntos, divergimos muito, mas a divergência sempre em termos bastante elevados.
Certa vez, o ministro Marco Aurélio nos convidou para falarmos sobre a eutanásia, ele defendendo a eutanásia, eu contra a eutanásia, com respeito ao direito à vida, em palestra presidida pelo ministro Carlos Ayres Britto, e foi muito agradável no Rio, em Brasília, na faculdade dirigida pelo ministro Marco Aurélio de Mello.
Faço essa introdução para dizer o quanto gosto do ministro Barroso. O tratado de direito constitucional eu e o ministramos Gilmar Mendes coordenamos pela editora Saraiva, do qual, o primeiro estudo substancial, foi apresentado e escrito pelo ministro Barroso, um estudo pelas diversas constituições do Brasil sobre a evolução do direito constitucional no Brasil, é ótimo.
Por que estou dizendo tudo isso?
Porque li recente entrevista, na qual o ministro Barroso declarou que, ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal, colocará em pauta diversos temas que ele considera relevantes, mas matérias para serem discutidas no Poder Legislativo.
Estou convencido da função do Poder Legislativo como eu vi, como participei, como senti, durante a Constituinte de 1987-1988. Essa constituição é exclusiva do Legislativo. Eu vi os debates, conversava com Bernardo Cabral, o relator, com o presidente Ulisses Guimarães, com os diversos presidentes de subcomissões e de comissões, José Serra, Dornelles, Delfim Neto, Roberto Campos, e todos eles queriam ter, pela primeira vez, um equilíbrio entre os Poderes.
Todos os Poderes harmônicos e independentes. Nós tínhamos saído de um regime em que havia um poder dominante, que era o Poder Executivo, e dois poderes menores, que, enfim, eram levados pelo Poder Executivo. Então, os constituintes debateram para que cada Poder exercesse as suas funções, por essa razão é que puseram do artigo 44 a 135 da Constituição, o mais longo título da Constituição, exclusivamente para definir, de forma exaustiva, a competência de cada um dos Poderes.
Função do STF e do Legislativo
“Então, há certos assuntos que o Legislativo pode decidir e outros que não pode decidir, porque se o Legislativo sentir que a vontade popular é que aquela matéria apresentada não seja decidida, o Poder Legislativo não decide.
E não cabe, a meu ver, ao Supremo Tribunal Federal, substituir o Poder Legislativo e dizer que, como os senhores não legislam, nós vamos legislar; essa competência não foi dada ao Supremo Tribunal Federal. O artigo 49, inciso 11, declara explicitamente que cabe ao Poder Legislativo zelar por sua competência normativa, de fazer leis, perante os outros dois Poderes, isto é, o Poder Judiciário e o Poder Executivo, não permitindo que eles invadam a competência do Poder Legislativo. Vamos dizer, por exemplo, drogas, MST, invasões de terra, aborto.
Discussão sobre o aborto
“Eu, e minha filha Ângela Gandra Martins, compusemos um grupo de 141 juristas de todo o mundo que fomos admitidos na Suprema Corte dos Estados Unidos para discutir o problema do aborto. Eles nos admitiram, apesar de estarmos fora, de sermos de outros países dos cinco continentes do mundo inteiro. Nós fomos admitidos para dizer algo muito simples. Diversas constituições do mundo dizem que a vida começa na concepção. Nenhuma constituição no mundo diz que o aborto é um direito da mulher.
O que vale dizer, tinha razão o Estado do Mississippi ao apontar que a matéria não teria que ser discutida no Supremo, não era matéria de direito constitucional. Nós demos apoio, portanto, ao Estado do Mississippi que provocava de novo para reformular, e foi reformulada a jurisprudência de 1973.
STF e Poder Legislativo
Então, assuntos como esses, em que o Supremo diz “vocês não estão legislando, nós vamos legislar”. É inadequado o Supremo legislar; eles não foram eleitos pelo povo.
O artigo primeiro da Constituição Federal é muito claro ao dizer que a soberania é exercida pelo povo, e só dois Poderes representam o povo, aqueles eleitos pelo povo, o Executivo e o Legislativo, essa é a razão pela qual, apesar da grande admiração que tenho pelo ministro Luís Roberto Barroso – e ele sabe disso porque eu tenho reiterado isso em livros, em pareceres, em palestras -, não posso concordar que, ao assumir a presidência do STF, em 28 de setembro, ele vá pretender considerar que o Poder Legislativo mais importante do país é o Supremo. E, afirmar que “sempre que o Legislativo não legislar, nós vamos legislar no lugar”. Não.
Não acredito que ele pense assim.
Tenho a sensação de que, enquanto nós não voltarmos para aquilo que os constituintes de 1988 desejaram, de fazer com que os Poderes sejam harmônicos, independentes de cada um, dentro dos exatos limites das suas competências, nós não teremos segurança jurídica no país.
E por mais brilhantes que sejam, e são brilhantes os ministros da Suprema Corte, creio que, no momento que eles se transformam em Poder Legislativo, nesse momento,
Conheço o valor, o mérito extraordinário com o ministro Luís Roberto Barroso, que considero um dos maiores constitucionalistas do Brasil. Gostaria muito de refletir sobre isso.
Estou convencido de que enquanto o Supremo não voltar a ser o que era na época do ministro Moreira Alves, do ministro Sidney Sanches, do ministro Cordeiro Guerra, do ministro Ilmar Galvão, dos ministros Oscar Correia, dos ministros que fizeram a história do Supremo, nós não teremos segurança jurídica. Não teremos segurança jurídica. Afirmo: o que o Brasil mais precisa nesse momento é de segurança jurídica.”
Ives Gandra da Silva Martins é advogado tributarista/constitucionalista, professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).