Nacional
A minirreforma eleitoral e o sistema proporcional
Texto preliminar que se esboça na Câmara cria o retrocesso do retrocesso
Antes da reforma eleitoral de 2017 o acesso ao Parlamento estava circunscrito aos partidos que ultrapassassem o quociente eleitoral (QE) da eleição. Tais legendas garantiam vagas diretamente pelo quociente partidário e somente eles participavam da distribuição das sobras de voto.
Essa restrição amesquinhava a essência do sistema proporcional, era injusta e antidemocrática, afetando especialmente os partidos menores e os estamentos sociais com déficit de representação.
A reforma de 2017 democratizou a ascensão ao Legislativo, permitindo que todos os partidos pudessem disputar vagas e sobras, mesmo os que não tivessem atingido o QE.
Essa abertura não era um “passe livre” ao Legislativo como se propagou na ocasião. Na verdade, a evidência empírica das eleições de 2018 e 2020 mostrou que para eleger parlamentares sem atingir o QE os partidos teriam que exibir votação de certa densidade: (1) nas cercanias do QE e (2) entre as maiores médias de repartição das sobras de voto.
Sob a justificativa de evitar acesso ao Legislativo de partidos e candidatos com votações insignificantes, a Lei 14.211/21 modificou a legislação de 2017, estatuindo a famosa “regra dos 80-20”: somente poderiam concorrer às sobras de voto partidos ou federações com votação de pelo menos 80% do QE e com candidatos com votos de no mínimo 20% desse quociente.
A aplicação da regra dos 80-20 na eleição de 2022 gerou situações eleitorais deveras inusitadas, expondo o caráter de improviso que embalou sua apressada formulação em 2021. Tanto assim é que existem atualmente três Ações Diretas de Inconstitucionalidade impetradas por partidos no STF, impugnando dispositivos da lei sob invectiva por visível colisão com a norma constitucional.
Em apertada síntese, nessas ações os demandantes argumentam que na 3ª etapa da distribuição de vagas (a fase da “sobra das sobras”) poderão concorrer aos lugares remanescentes, pelo critério das maiores médias, todas as siglas que participaram do pleito, dispensadas as exigências da regra dos 80-20.
O julgamento de tais ações está suspenso por pedido de vista, mas com provimento aos requerentes nos três votos coletados, havendo divergência apenas quanto à modulação dos efeitos temporais da decisão: um voto estatui vigência ex-nunc, a partir do pleito de 2024, e dois votos pugnam por efeito ex-tunc, retroativo à eleição de 2022.
Já no texto preliminar da minirreforma eleitoral que se esboça atualmente na Câmara dos Deputados perpetra-se o retrocesso do retrocesso.
Com efeito, sugere-se revogar a regra dos 80-20 e restabelecer o modelo dos 100-10 (votação partidária e individual de 100% e 10% do QE, em respectivo). Noutro dizer, reinstitui-se a legislação anterior à reforma de 2017 em que somente os partidos que fizessem o QE tinham direito a todas as vagas disponíveis.
A única coerência esculpida na proposta da minirreforma é a de dispensar a exigência dos 100-10, na eventualidade de haver uma (rara) 3ª fase da distribuição remanescente de vagas (a fase da sobra das sobras).
É sob todos os títulos imprescindível reformar a legislação dos 80-20, devido a suas inúmeras distorções empíricas e as ofensas ao princípio da igualdade de chances, ao pluralismo político e à representação das minorias. Mas, ao fazê-lo, carece de sentido ressuscitar normas já revogadas que ferem a lógica e os fundamentos do sistema proporcional.