Judiciário
Lei federal das organizações sociais precisa ser revisitada
Aprovação do PL 10720, que tramita na Câmara, seria avanço significativo na disciplina jurídica das OSs
A Lei Federal 9.637, de 15 de maio de 1998, foi pioneira ao dispor sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos como organizações sociais e instituir o contrato de gestão – instrumento a ser firmado entre aquelas entidades e o Poder Executivo federal, destinado à formação de parceria para fomento e execução de atividades de natureza social e interesse público.
O modelo das organizações sociais surgiu no contexto da reforma gerencial do Estado, levada a efeito nos anos 1990, inaugurando a chamada publicização: cuidam-se de parcerias nas quais atividades antes executadas pela Administração Pública direta, autárquica ou fundacional, passam a ser desempenhadas por organizações sociais, mediante fomento estatal.
É induvidoso que, ao tempo em que foi promulgada, a Lei 9.637/98 cumpriu seu papel de inaugurar forma de estímulo do Estado às entidades privadas sem fins lucrativos. Suas disposições serviram de base a diversas leis estaduais e municipais, que buscaram implantar o modelo das organizações sociais nos respectivos entes subnacionais.
Apesar de seus méritos, a Lei 9.637/98 “envelheceu” e tem se revelado insuficiente para disciplinar, de forma adequada e segura, as relações entre o Poder Público e as organizações sociais, considerando sobretudo a ampliação e a diversificação das parcerias firmadas no âmbito da publicização.
Questões fundamentais, como o regime próprio do contrato de gestão, estão disciplinadas muito sucintamente na lei. Outras, como o chamamento público para a formação da parceria, estão ausentes do texto legal. Finalmente, encontramos na Lei 9.637/98 disposições concebidas ou voltadas exclusivamente à realidade do Poder Executivo federal (como, por exemplo, as diversas referências a atos de ministro de Estado e a exigência, como requisito para a qualificação, da participação de representantes do Poder Público no Conselho de Administração da organização social), o que dificulta sua aplicação ou observância por estados, Distrito Federal e municípios.
Por isso, é fundamental e urgente revisitar o tema e revisar o texto da Lei 9.637/98 para transformá-la numa verdadeira lei geral das organizações sociais.
Nesse sentido, alguns desafios se apresentam, aqui indicados sem a pretensão de exaurir a questão:
- incorporar ao texto da Lei os parâmetros fixados para sua interpretação e aplicação pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI 1923/DF, a fim de garantir sua adequação à Constituição Federal;
- abarcar no texto legal os avanços obtidos a partir da prática das parcerias com as organizações sociais e da atuação dos órgãos de controle aos longos dos últimos 25 anos;
- detalhar o regime jurídico do contrato de gestão, prevendo, por exemplo, obrigações fundamentais das partes, a vigência, a prorrogação, as hipóteses de rescisão, as sanções, etc., e particularizá-lo em face de outros instrumentos de fomento estatal (como o termo de parceria com OSCIPs e os termos de colaboração e de fomento) e dos contratos administrativos, em geral;
- e não menos importante, criar uma margem segura para que estados, municípios e o Distrito Federal possam estabelecer, em suas leis e dentro dos quadrantes gerais traçados na lei federal, disposições específicas para seus programas de fomento às organizações sociais, adequadas à sua realidade e necessidades, conforme sua autonomia federativa.
Por esse caminho segue o PL 10720/2018, de autoria do então senador José Serra (PSDB-SP), e que atualmente tramita na Câmara dos Deputados. A propositura objetiva alterar a Lei 9.637/98 para dispor sobre critérios e requisitos para a qualificação das organizações sociais e regras para a celebração, gestão, controle e rescisão dos contratos de gestão.
Ainda que algumas de suas disposições comportem melhoramentos, consideramos que a aprovação do PL 10720 representará significativo avanço na disciplina jurídica das organizações sociais, pois aprimorará substancialmente o texto da Lei 9.637/98, sendo capaz de torná-la nossa autêntica lei geral das organizações sociais.
Urge, porém, dar a devida celeridade à questão. O Poder Público destina expressivas quantidades de recursos financeiros às organizações sociais e milhões de usuários utilizam seus serviços. Além disso, não são raras as interpretações apressadas e desacertadas sobre a Lei 9.637/98, adotadas inclusive por órgão de controle, que ameaçam a eficácia ou mesmo a continuidade da atuação das organizações sociais. É imperioso, pois, avançar no tema, preservando o modelo da publicização e promovendo as alterações e correções necessárias ao aprimoramento do regime jurídico das organizações sociais.