Saúde
Cientistas brasileiros melhoram projeto de válvula cardíaca inovadora
Modelos da válvula aórtica de Wheatley, que os pesquisadores brasileiros conseguiram modelar em computador.
Estenose aórtica
Pesquisadores da USP e da Unicamp conseguiram aprimorar o projeto de uma válvula cardíaca que pode revolucionar a vida de milhões de pessoas afetadas pela estenose aórtica, uma degeneração da válvula aórtica que dificulta a saída do sangue do coração para a aorta – principal vaso sanguíneo do coração – e compromete a circulação.
Conhecida como válvula aórtica de Wheatley, o implante dispensa o paciente de fazer tratamentos adicionais com anticoagulantes, normalmente adotados nestes casos após a inserção da prótese, via transplante.
Em quadros graves de estenose aórtica, a única alternativa viável para garantir uma melhoria na qualidade de vida do paciente é um transplante. Esta operação consiste em substituir a válvula natural disfuncional por uma artificial (ou prótese). Há vários tipos de próteses disponíveis, e a escolha vai depender do cenário vivido por cada paciente.
Assim, os pacientes com estenose aórtica na atualidade têm três alternativas de tratamento: Válvulas mecânicas, válvulas poliméricas e os dispositivos com componentes biológicos. No último caso, não há a necessidade de medicamentos anticoagulantes, mas o custo disso é a obrigação de se trocar a válvula, em média, a cada dez anos.
No geral, as válvulas poliméricas são as que possuem maior vida útil, mas elas requerem tratamento com medicamentos anticoagulantes na fase pós-operatória. Os anticoagulantes são utilizados para “afinar” o sangue, ou seja, impedem a formação de coágulos e facilitam a circulação sanguínea. Esse tipo de tratamento medicamentoso requer extremo cuidado e atenção do paciente, sobretudo com sangramentos, para evitar risco de complicações.
Os experimentos vão no sentido de garantir que a válvula abra e feche rapidamente e que a tensão de cisalhamento (forças em sentidos opostos, mas na mesma direção) no fluxo sanguíneo esteja sempre acima de um limite crítico. Com isso, o sistema evita a formação de trombos (coágulos, que podem originar trombose) e garante uma vida útil maior do que a válvula convencional.
[Imagem: Hugo Oliveira]
Válvula aórtica de Wheatley
A melhor opção no momento é a válvula polimérica desenvolvida pelo professor escocês David J. Wheatley, que, em 2012, decidiu empenhar seus próprios recursos para custear os protótipos que iniciaram a criação de uma válvula polimérica com folhetos em forma “S”.
Mas faltava aprimorar o comportamento mecânico do dispositivo, um problema intrinsecamente de matemática e engenharia. Foi neste cenário que os pesquisadores brasileiros entraram.
“Trata-se de um modelo matemático bastante complicado de se fazer. É necessário compatibilizar várias necessidades e funções disciplinares. David Wheatley, como cirurgião cardíaco, possui uma experiência fisiológica, cirúrgica, funcional do dispositivo. A válvula se abre quando o sangue emerge do ventrículo esquerdo (quando o coração contrai) e se fecha para evitar que o sangue retorne da aorta quando o coração relaxa. Estas observações da realidade precisam ser traduzidas em equações matemáticas passíveis de serem resolvidas por um computador,” conta o professor Hugo Oliveira.
Testes no computador
A dinâmica do movimento da válvula cardíaca envolve conceitos da Mecânica dos Sólidos, Mecânica dos Fluídos, métodos numéricos não lineares, técnicas de remalhamento automático, contato de corpos flexíveis e computação de alto desempenho. “Mesmo com todas essas complexidades envolvidas, nós conseguimos implementar um modelo que está em fase operacional, inclusive sendo capaz de reproduzir com fidelidade os dados observados experimentalmente,” disse Hugo.
Dispor de um modelo computacional de alta-fidelidade reduz não apenas o tempo empregado na concepção da válvula e de seus mecanismos intrínsecos, como também os custos envolvidos na produção física de protótipos e testes experimentais.
Ainda há etapas a se cumprir para conseguir a aprovação dos mais importantes órgãos reguladores de saúde, já que antecipar situações adversas futuras da válvula pode ser muito importante para os pacientes. Contudo, com a modelagem computacional realizada pela equipe, agora quaisquer melhoramentos eventualmente sugeridos por pesquisadores de todo o mundo poderão ser testados virtualmente, sem a necessidade de produção de novas peças a cada alteração proposta.