Judiciário
STF discute se casar após 70 anos obriga regime de separação de bens
O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou, em 18/10/2023, a experiência de nova metodologia que divide os julgamentos de casos relevantes em duas partes. Na primeira, o Plenário apenas ouve o relatório e as sustentações orais das partes envolvidas e de terceiros admitidos no processo, para, em sessão posterior a ser marcada, os votos sejam proferidos.
O novo formato foi adotado no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1309642, com repercussão geral (Tema 1.236), em que se discute se é constitucional o regime da separação obrigatória de bens no casamento de pessoas maiores de 70 anos e se a regra se aplica também às uniões estáveis ( entenda o caso).
Presidente do STF e relator do recurso, o ministro Luís Roberto Barroso salientou que essa organização do julgamento permite que os diferentes argumentos e pontos de vista apresentados na sessão plenária possam ser considerados de forma mais aprofundada pelos integrantes da Corte. Outro ponto positivo é a ampliação do debate sobre o tema na sociedade antes da tomada de decisão.
Separação de bens – No processo em julgamento, a companheira de um homem com quem constituiu união estável quando ele tinha mais de 70 anos, já falecido, pretende que seja reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, que exige a separação de bens nesse caso, para que possa participar do inventário e da partilha de bens.
Expectativa de vida – Em nome dos herdeiros do falecido, o advogado Heraldo Garcia Vitta sustentou que as estatísticas favorecem a tese de constitucionalidade do dispositivo, uma vez que a taxa de mortalidade é mais alta entre homens e pessoas acima de 60 anos, que, geralmente, apresentam doenças crônicas.
A seu ver, a expectativa de vida deve ser levada em consideração no início de uma relação, e, no caso concreto, o falecido tinha 72 anos quando iniciou a união estável, em 2002. O advogado informou, ainda, que a companheira não ficará desamparada, porque, de acordo com o inventário, ela tem direito a quase R$ 1 milhão.
Proteção à pessoa idosa – A advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, representante da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), argumentou que a maior longevidade justifica a constitucionalidade da regra, porque a maior parte das pessoas idosas no Brasil tem patrimônio suficiente apenas para viver com dignidade, e seu bem-estar deve ser assegurado até o fim de suas vidas. Para a entidade, a norma não é discriminatória e protege a pessoa idosa.
Autonomia privada – Por outro lado, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) defendeu a inconstitucionalidade da regra. Para a advogada Maria Luiza Póvoa Cruz, a intervenção do Estado é excessiva e invade a autonomia privada, tolhendo a capacidade dos idosos. Segundo esse argumento, a idade cronológica não deve ser parâmetro absoluto para definir a incapacidade de dispor sobre o regime de bens.
Discriminação – De igual forma, o Ministério Público do Estado de São Paulo, representado por Mário Luiz Sarrubbo, defendeu que a norma é excessiva, inadequada e desproporcional, pois discrimina a pessoa maior de 70 anos e atenta contra o princípio da dignidade humana, ao retirar sua livre escolha sobre os seus próprios atos. Também considerou que a norma é incompatível com o Estatuto do Idoso no que diz respeito à autonomia das pessoas com mais de 60 anos.
“Golpe do baú” – Mesmo posicionamento foi adotado pela Defensoria Pública da União (DPU), representada por Gustavo Zortea da Silva. Segundo ele, não pode haver presunção absoluta de que o idoso seria vítima de um “golpe do baú”, e não destinatário de afeto. Sob pena de preconceito e violação ao princípio da liberdade, ele defendeu que se leve em consideração a autonomia da vontade do idoso e sua capacidade de exercer direitos.
O caso concreto – “O julgamento surge como repercussão de um caso que ocorreu na cidade de Bauru, no interior de São Paulo, no qual um homem e uma mulher mantiveram uma união estável de 2002 a 2014, ano em que ele morreu. Em primeira instância, o juízo reconheceu a companheira como herdeira. No entanto, os filhos do homem recorreram e, embora tenha confirmado a união estável, o Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP aplicou o regime de separação de bens, já que ele tinha mais de 70 anos quando a relação foi selada, seguindo o exposto no artigo 1.641, II, do Código Civil.
Os autos foram encaminhados para o Superior Tribunal de Justiça – STJ e, então, para o STF, já com parecer favorável da Procuradoria Geral da República – PGR. Ao julgar a repercussão geral da matéria, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou considerar que a questão ultrapassa interesses subjetivos do caso ocorrido em Bauru por apresentar relevância social, jurídica e econômica.”Sem dúvida, a matéria envolve a contraposição de direitos com estatura constitucional”, avaliou.”( site IBDFAM).
Nota nossa 1: A Lei nº 12.344/ 2010 alterou o inciso II do artigo 1.641 do Código Civil, aumentando de 60 para 70 (setenta) anos a idade a partir da qual se torna obrigatório o regime da separação de bens no casamento.
Nota nossa 2: No regime de separação obrigatória, previsto no art. 1.641 do CC/2002, que independe da vontade das partes. O cônjuge sobrevivente não é herdeiro, mas meeiro dos bens adquiridos na constância da união, aplicando a Súmula nº 377, do STF (“No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”). Importante lembrar que o esforço não é presumido, mas precisa ser provado. Precedente: STJ, AgInt no REsp 1637695/ MG ( leia nosso artigo sobre inventário).
Leia mais:
18/10/2023 – Entenda a discussão no STF sobre se paração de bens em casamento de pessoa maior de 70 anos
1/10/2022 – STF vai discutir obrigatoriedade de separação de bens em casamento de pessoa maior de 70 anos
Fontes: Setor de Comunicação do STF e IBDFAM.