AGRICULTURA & PECUÁRIA
Banco reúne 28 mil amostras com dados biológicos dos solos brasileiros
Amostras são mensuráveis, verificáveis e rastreáveis e foram coletadas em 960 municípios das 27 unidades da federação.Por ser rastreável, o banco de dados é capaz de subsidiar estratégias e políticas públicas para recuperação, planejamento de uso e conservação dos solos.Além dos atuais 33 credenciados, outros 30 laboratórios vão iniciar testes de proficiência em 2024.Expansão da rede permitirá que serviço fique disponível para agricultores de todo o País.BioAS: é uma tecnologia que permite monitorar de forma inédita a saúde dos solos do Brasil ao considerar também parâmetros biológicos, além dos atributos físicos e químicos, usados nas análises convencionais. |
Lançada em 2020, a tecnologia de Bioanálise de Solo (BioAS) reúne hoje o maior banco de dados de atividade enzimática de solos do mundo, com informações de 28 mil amostras das cinco regiões brasileiras. São todas mensuráveis, rastreáveis e verificáveis (MRV) e coletadas em 960 municípios de todos os estados brasileiros e do Distrito Federal. Desenvolvida pela Embrapa Cerrados (DF) e Embrapa Agrobiologia (RJ), a BioAS inovou ao agregar o componente biológico à análise de solo, antes limitada aos atributos químicos e físicos, e colocou o Brasil na vanguarda desse tipo de trabalho.
A análise envolve medições de enzimas relacionadas aos ciclos de enxofre e carbono, que são capazes de indicar a saúde do solo. A técnica combina propriedades químicas e biológicas do solo, avaliando a matéria orgânica presente nele, o que gera um resultado mais completo que as análises convencionais (veja detalhes no quadro no fim da matéria).
Com base no universo amostral já coletado, é possível constatar que mais da metade dos solos é considerada saudável (53,7%); 14,7% estão em recuperação; 23,5%, adoecendo; 2,5%, doentes e 5,6%, com resultados indefinidos. “O fato de que 68,4% das amostras já cadastradas no banco de dados representam ambientes de solos saudáveis ou em recuperação é altamente positivo, mas também mostra que há grande espaço para melhoria”, afirma a pesquisadora da Embrapa Ieda Mendes, líder do projeto Bioindicadores. Ela destaca que esse trabalho em rede tem permitido monitorar de forma inédita os solos do País.
Rede em expansão
A BioAS tem ganhado escala no Brasil. A rede de laboratórios habilitados pela Embrapa a oferecer a tecnologia foi ampliada e passou de 7 para 33 em todo o País. Outros 30 laboratórios iniciarão testes de proficiência em 2024. A Rede Embrapa BioAS, formada pela empresa pública de pesquisa e pelos laboratórios comerciais, permite que a tecnologia esteja de fato disponível para todos os agricultores do Brasil.
Mendes explica que a BioAS é uma ferramenta que permite ao agricultor alcançar avanços significativos na saúde dos solos das lavouras, uma vez que facilita a identificação das melhores práticas de manejo e, também, daquelas que podem vir a degradar o solo e comprometer a produtividade futuramente. Hoje, o Brasil é o único país do mundo que possui parâmetros biológicos, calibrados em função do rendimento de grãos e da matéria orgânica, nas análises de solo.
“Por ser um banco de dados totalmente rastreável, a partir desses resultados, várias estratégias eficazes podem ser aplicadas para garantir lavouras produtivas em solos saudáveis, abrindo enormes oportunidades para políticas públicas de conservação e saúde do solo em nível municipal, estadual e nacional”, explica a pesquisadora.
Plantio da safra 2023/2024 evidencia a importância de solos saudáveis
Um dos setores produtivos mais afetados pelas mudanças climáticas é a agropecuária. A ocorrência de eventos extremos, como as ondas recentes de calor e de frio, longos períodos de estiagem e a alteração no regime de chuvas, influencia diretamente no desempenho das lavouras. No entanto, propriedades que possuem solos saudáveis estão conseguindo enfrentar essas adversidades climáticas e manter altas produtividades.
É o caso da Fazenda Santa Helena, em Guaíra (SP), que adota o sistema de plantio direto há mais de três décadas e utiliza as plantas de cobertura de forma sistemática na propriedade. “O planejamento de rotação da fazenda é o seguinte: metade da área fica na terceira safra em pousio com as plantas de cobertura. A outra metade fica na produção agrícola mesmo. A gente faz essa rotação em anos alternados. Temos áreas que vão para o terceiro ano em rotação com plantas de cobertura”, conta a produtora rural Maira Lelis, que gerencia a fazenda Santa Helena, ao lado do seu irmão José Eduardo Lelis e do filho Persio Augusto.
Segundo a agricultora, o benefício que as plantas de cobertura trazem é muito significativo. “O banco de sementeiras da fazenda diminuiu, a ciclagem de nutrientes é alta, bem como a descompactação no solo. Em alguns talhões vamos zerar o uso de potássio porque o nosso potássio em solo está elevado”, relata. Ela conta que a produtividade também está aumentando safra a safra, de forma sustentável. “Conseguimos atingir os três dígitos tão almejados”, comemora. Na safra 2022/2023, a fazenda Santa Helena produziu 100 sacos de soja por hectare, sendo que em vários talhões não houve aplicação de fósforo e potássio.”
Todo esse esforço no uso de plantas de cobertura também impactou positivamente o plantio da safra 2023/2024. Ao utilizar o plantio no verde, no qual as plantas de cobertura são roladas com rolo faca e em seguida é efetuado o plantio da soja, ela tem conseguido enfrentar os problemas causados pela ausência de chuva e pelas altas temperaturas registradas nesse início de safra. “É um ano desafiador, mas temos conseguido fazer nossa parte que é proteger o solo, ter os bons organismos ativos para tentar minimizar os impactos da falta de chuva. Por isso precisamos muito difundir as boas práticas de manejo que mantêm o solo coberto”, enfatiza.
As boas práticas agrícolas adotadas na Fazenda Santa Helena se refletem nos laudos obtidos a partir da bioanálise do solo da propriedade. O laudo da fazenda é quase completamente verde, o que indica solo saudável, com alto teor de enzimas e alto teor de matéria orgânica (veja figura abaixo). “A tecnologia da bioanálise veio para certificar o trabalho que a gente vem desenvolvendo já há algum tempo na nossa fazenda. É a certeza de mais uma ferramenta para agregar ao nosso manejo. Os resultados demonstraram que temos vida ativa no solo em quase 100% da nossa área. Isso nos enche de orgulho e é motivo de muita alegria”, comemora a produtora.
BioAS: um “exame de sangue” do solo A tecnologia Embrapa de Bioanálise de Solo (BioAS) é pioneira no mundo e tem por objetivo avaliar a saúde dos solos por meio da análise da atividade das enzimas arilsulfatase e β-glicosidase, relacionadas aos ciclos do enxofre e do carbono, respectivamente.“Com as determinações dessas enzimas é possível a detecção de problemas assintomáticos de saúde do solo, antes que eles impactem o rendimento das lavouras, de forma análoga a um exame de sangue, que pode indicar que um indivíduo está doente, ainda que este não apresente sintomas”, explica Mendes.Segundo a cientista, todo solo saudável é produtivo, mas nem todo solo produtivo é saudável. “Isso ocorre porque o conceito de saúde do solo ultrapassa a questão da produção de grãos, carne, energia e fibras. Além de produtivo, um solo saudável é um solo biologicamente ativo, capaz de infiltrar e armazenar água, sequestrar carbono, ciclar nutrientes e promover a degradação de pesticidas, dentre vários outros serviços ambientais. Todos esses aspectos reforçam a importância da avaliação de atributos relacionados à saúde do solo entre agricultores e tomadores de decisão no meio rural”, observa.De acordo com a pesquisadora, embora seja possível ter lavouras produtivas em solos doentes ou em processo de adoecimento, essa condição só pode ser alcançada com a utilização intensiva de adubos e pesticidas, o que é insustentável no longo prazo. “A perda de saúde do solo é ocasionada pelo uso de práticas de manejo não-conservacionistas como a monocultura, o uso excessivo de maquinários agrícolas pesados e ausência de cobertura vegetal. Por outro lado, solos saudáveis são formados por meio da adoção de boas práticas de manejo em longo prazo, o que os torna produtivos e resilientes, capazes de manter uma boa produtividade em situações adversas, como a falta de chuva durante o período de desenvolvimento das lavouras.””Uma das principais vantagens do uso das enzimas reside no fato de que elas são mais sensíveis que indicadores químicos e físicos, funcionando como eco sensores que antecipam alterações na saúde do solo, em função de seu uso e manejo”, explica o pesquisador da Embrapa Fábio Bueno. Segundo ele, valores baixos desses bioindicadores servem de alerta para o agricultor reavaliar o sistema de produção e adotar boas práticas de manejo. Por outro lado, quantidades elevadas indicam sistemas de produção ou práticas de manejo do solo adequadas e sustentáveis. À esquerda, aspecto da lavoura de soja em fazendas que não investem em manejos que favorecem a saúde do solo, em comparação à Fazenda Santa Helena, que utilizou o plantio no verde |