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Saúde

Mais um passo para a retomada das PDPs

Minuta de norma do Ministério da Saúde resolve os erros do passado?

No dia 8 de dezembro, foi dado mais um passo para a retomada das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs). Foram publicadas no DOU a consulta pública sobre a minuta da nova portaria[1], a qual, se aprovada, substituirá a atual regulamentação do Ministério da Saúde prevista no Anexo XCV da Portaria de Consolidação GM/MS 5/2017; e a Portaria GM/MS 2.261/2023, que lista os produtos que poderão ser objeto de novas PDPs.

Formalmente, a retomada se iniciou em setembro deste ano, com a instituição da Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), sendo as PDPs um dos seus programas estruturantes (Decreto 11.715/2023 e Portaria GM/MS 1.354/2023).

Criado em 2008, o programa das PDPs atingiu seu auge em 2017, quando foram formalizadas as mais recentes parcerias. Todavia, durante o último governo, o programa, apesar de não ter deixado de existir (vide os R$ 9 bilhões gastos com compras de medicamentos entre 2019 e 2022), certamente perdeu intensidade. Nenhuma nova PDP foi celebrada, e 19 das existentes foram suspensas para reavaliação da sua conformidade com a legislação (pelo menos 9 por recomendações do TCU e da CGU).

No dia 8 de dezembro, foi dado mais um passo para a retomada das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs). Foram publicadas no DOU a consulta pública sobre a minuta da nova portaria[1], a qual, se aprovada, substituirá a atual regulamentação do Ministério da Saúde prevista no Anexo XCV da Portaria de Consolidação GM/MS 5/2017; e a Portaria GM/MS 2.261/2023, que lista os produtos que poderão ser objeto de novas PDPs.

Formalmente, a retomada se iniciou em setembro deste ano, com a instituição da Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), sendo as PDPs um dos seus programas estruturantes (Decreto 11.715/2023 e Portaria GM/MS 1.354/2023).

Criado em 2008, o programa das PDPs atingiu seu auge em 2017, quando foram formalizadas as mais recentes parcerias. Todavia, durante o último governo, o programa, apesar de não ter deixado de existir (vide os R$ 9 bilhões gastos com compras de medicamentos entre 2019 e 2022), certamente perdeu intensidade. Nenhuma nova PDP foi celebrada, e 19 das existentes foram suspensas para reavaliação da sua conformidade com a legislação (pelo menos 9 por recomendações do TCU e da CGU).

A necessidade de correção de rumo ficou evidente quando, no mesmo dia da instituição da nova Estratégia Nacional, o TCU recomendou que o Ministério da Saúde “abstenha-se de celebrar novas PDP até que sejam estabelecidos mecanismos para avaliar objetivamente a conclusão e a eficácia da transferência e da internalização de tecnologia das PDP”[2].

Assim, era esperado que a nova regulamentação resolvesse fragilidades já apontadas pelos órgãos de controle. Essa foi inclusive a intenção do ministério. Ao se debruçar sobre a minuta, nota-se que, pelo menos no plano normativo, foram endereçadas algumas dessas fragilidades, mas não todas. Não foram solucionadas fragilidades estruturais responsáveis pelo não atingimento dos objetivos relacionados à autonomia tecnológica produtiva. Afinal, das 131 PDPs celebradas, apenas 23 chegaram à Fase IV, das quais somente 8 foram 100% concluídas, com a Instituição Pública fabricando o produto e o IFA nacionalizado pela Entidade Privada[3].

A minuta submetida à consulta pública reflete um esforço do governo para aprimorar o monitoramento do processo de transferência de tecnologia, um dos principais pontos de crítica dos órgãos de controle. A começar pelo estabelecimento de marcos mais claros para cada uma das etapas da PDP, com melhores definições do início e fim de cada uma das fases e seus respectivos escopos (art. 6º).

Outro exemplo é a previsão no art. 54, que estabelece marcos temporais para o desenvolvimento do IFA nacional pelo parceiro farmoquímico (até o ano II da Fase III) e para a inclusão da IP como o local de fabricação do produto e de sua efetiva produção (no mínimo 12 meses antes do fim da Fase III). Há, também, a previsão do art. 38 no sentido de que a PDP será automaticamente suspensa ao final do prazo aprovado para a Fase II, para que a viabilidade da continuidade da parceria seja reavaliada.

Houve, ainda, um aprimoramento na fiscalização pelo Ministério da Saúde com a instituição de dois novos relatórios. O art. 58 prevê o “Relatório de Transferência e Internalização da Tecnologia”, que deverá ser encaminhado pela IP ao ministério ao final da Fase III, comprovando documentalmente a internalização da tecnologia e a produção do produto pela IP, bem como a nacionalização do IFA pela EP.

O segundo relatório é aquele previsto no art. 59, “Relatório de Verificação da Transferência e Internalização da Tecnologia”, a ser elaborado pelo ministério após uma verificação in loco nas IPs e “quando necessário” nas EPs. Tais relatórios somam aos periódicos já utilizados, que devem ser enviados pela EP ao ministério demonstrando a evolução da PDP, semestralmente durante a Fase II (art. 40, §1º) e quadrimestralmente durante a Fase III (art. 53).

Outra novidade relevante é que a minuta prevê que as unidades do ministério responsáveis pelas aquisições devem consultar a área técnica que monitora a PDP especificamente quanto ao estágio da transferência de tecnologia (arts. 51 e 52, IV, e). O objetivo parece ser assegurar que as aquisições estejam condicionadas ao cumprimento do cronograma da transferência de tecnologia.

Essa vinculação já é exigida na atual regulamentação[4], mas o que a CGU observou na prática foi uma completa desconexão, motivo pelo qual recomendou que, se constatado que a transferência de tecnologia não está evoluindo, o Ministério da Saúde deve rapidamente adotar medidas que impeçam que a parceria continue sendo executada normalmente e que recursos públicos continuem sendo gastos sem contrapartida.

Ainda no que se refere às aquisições, o TCU e a CGU criticavam a falta de critérios objetivos para a definição dos percentuais da demanda do ministério para cada PDP, especialmente nos casos de aprovação de mais de uma PDP para o mesmo produto. A minuta não traz solução, prevendo apenas que a demanda será dividida conforme critérios estabelecidos pela CTA (art. 24).

No entanto, mais preocupante para os órgãos de controle era a situação em que o percentual era aumentado ao longo da execução da PDP. Nesse ponto a minuta buscou atender à recomendação no sentido de que, se aumentado o percentual, deve haver renegociação do preço já previsto devido ao ganho de escala (arts. 46, §2º e 86, §2º).

Aliás, sobre o preço praticado nas aquisições, não fica claro se a minuta mantém ou pretende alterar a prática vista em algumas PDPs em que o preço indicado na proposta serve apenas como um referencial, já que é definido anualmente o preço praticado em cada aquisição[5]. A minuta até prevê a apresentação de uma “estimativa de preço de venda” na proposta (art. 9º, XI), que pode ser posteriormente ajustado em decorrência de variações no mercado (art. 49, III, a e b).

Contudo, dando a entender que privilegiará o preço proposto inicialmente, o art. 9º, §6º, da minuta determina que, se o preço proposto for superior ao de mercado no momento da formação da parceria, a IP e a EP deverão justificar essa superioridade em termos de aporte tecnológico, o que só faz sentido se a intenção for respeitar o preço inicialmente proposto. No mesmo sentido, o art. 86, VII, permite a apresentação de pedido para alteração do preço proposto, o que não faria sentido se tal preço fosse apenas um referencial.

Além disso, foi uma preocupação dos órgãos de controle a falta de transparência no processo de seleção das EPs pelas IPs. Sobre isso, a nova minuta repete previsão que constava no revogado Decreto 9.245/2017, no sentido de que as IPs deverão conduzir um processo de seleção público, que respeite os princípios constitucionais da administração pública, em especial, os de publicidade, legalidade e moralidade.

Concretamente, isto significa oportunizar a participação de todos os interessados, dando-lhes tratamento isonômico, utilizando critérios objetivos para a seleção do vencedor, entre outros cuidados que assegurem que a escolha não se dará por motivos não republicanos. A falta de transparência ocorreu de forma sistêmica no início do programa e passou a ser corrigida após recomendações dos órgãos de controle, quando se tornou comum a condução de chamadas públicas pelas IPs para convocação de interessados.

Ainda relacionada à formação das PDPs, uma das recomendações dos órgãos de controle foi a instituição de critérios objetivos para análise das propostas. Entretanto, não se vê essa objetividade nos critérios definidos para a avaliação do mérito (art. 14) e para classificação das propostas (art. 15), o que pode gerar dificuldades na disputa entre interessados a firmar parcerias.

Ainda em relação à análise de propostas, a ausência de restrição patentária ou a demonstração de que tal restrição termina em até 24 meses da apresentação da proposta foram incluídos como critérios para elegibilidade de um produto (art. 4º, II). A regulamentação atual prevê como critério para análise da proposta apenas a observância da legislação de propriedade intelectual[6].

Assim, a referida inclusão da minuta deixa mais clara a necessidade de que as PDPs respeitem os direitos de propriedade industrial dos titulares de patente. Esse é um ponto sensível que foi apontado pelo TCU e pelo Judiciário em repetidas ocasiões. Por outro lado, a previsão parece partir da premissa de que seria aceitável apresentar uma proposta de PDP para um produto cuja proteção patentária terminará em até 24 meses, esquecendo que tal ato pode configurar infração por oferta à venda, assim como também podem estar configurados outros atos de infração por uso da tecnologia (art. 42 da Lei 9.279/96).

Como se vê, houve avanços, mas eles parecem incapazes de solucionar as principais fragilidades já apontadas pelos órgãos de controle. Relativamente às aquisições de medicamentos, que caracterizam a forma de remuneração das EPs pela transferência de tecnologia, a principal crítica é a falta de clareza sobre quanto do preço unitário pago pelo ministério se refere ao medicamento e quanto se refere à tecnologia sendo transferida. Entendem os órgãos de controle que a falta dessa transparência impede uma avaliação da economicidade da PDP, especialmente frente às aquisições de medicamento realizadas via pregão.

A minuta não resolve essa questão, o que já era esperado considerando as manifestações do ministério apresentadas ao TCU alegando a impossibilidade de se estabelecer um critério para tal diferenciação[7]. O que a minuta fez foi estabelecer mais marcos em que o Ministério da Saúde avaliará se o preço proposto para as aquisições está de acordo com os preços já praticados pelo SUS (arts. 9º, §6º e 49, III) e, caso não esteja, que os parceiros terão que justificar “com evidências econômicas que embasem o valor em termos de aporte tecnológico” (art. 9º, §6º).

Outra relevante fragilidade não solucionada é o intencional distanciamento que o ministério busca colocar em relação aos parceiros da PDP, o que acaba refletindo em incompatibilidades entre o termo de compromisso (entre a IP e o ministério) e o contrato administrativo (entre a IP e as EPs).

No revogado Decreto 9.245/2017, tentou-se solucionar esse ponto por meio da previsão da participação do ministério no contrato a ser celebrado pela IP e EP. Contudo, a minuta não incorporou tal disposição e manteve a regulamentação atual no sentido de que o contrato entre a IP e as EPs é celebrado “sem interveniência do Ministério da Saúde” (arts. 2º, I, 39 e 44).

Para tentar evitar tais incompatibilidades, a minuta dispõe que “o contrato deve ser compatível com o Termo de Compromisso” (art. 44, §3º). Prevê também a “participação” da EP na celebração do termo de compromisso (arts. 2º, XX, e 6º, I), sem, contudo, detalhar o que isto significa na prática. Até pelo fato da regulamentação atual já tratar da “participação” da EP no termo de compromisso ao exigir que assine uma declaração de concordância com os seus termos[8].

Assim, tais previsões não parecem ser suficientes para evitar a repetição dessa fragilidade, já que, ao que parece, as obrigações entre a IP e a EP continuarão sendo disciplinadas no contrato, não no termo de compromisso, e a minuta não exige, tal como sugerido pelo TCU, uma análise da compatibilidade do contrato com o termo de compromisso antes da assinatura.

Em resumo, apesar de importantes avanços normativos, a minuta da nova regulamentação não resolve as principais fragilidades do programa das PDPs apontadas pelos órgãos de controle nos últimos anos. Importante acompanhar qual será a reação do TCU ao analisar a minuta. Considerando a “recomendação” feita pelo órgão no Acórdão 2015/2023 no sentido de o ministério não celebrar novas PDPs até a correção das fragilidades apontadas, a pasta deveria submeter a minuta para apreciação do TCU antes de concluir a consulta pública e publicar a versão final da norma.

De todo o modo, mais determinante para que o programa atinja os objetivos almejados é a sua correta condução, com foco na formação criteriosa de PDPs e com rigorosa fiscalização pelo Ministério da Saúde do andamento da transferência de tecnologia. E, para isso, é fundamental que os órgãos de controle mantenham sua atenção voltada para o programa de modo a evitar a repetição dos erros do passado.


[1] A abertura da Consulta Pública 54/2023 foi publicada no Diário Oficial da União em 8 de dezembro de 2023. A minuta da portaria está disponível em: Disponível em: Governo Federal – Participa + Brasil – Consulta Pública nº 54/2023 DECEIIS/SECTICS/MS – Programa de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo – PDP (www.gov.br).

[2] TCU, Processo TC 034.653/2018-0, Acórdão 2015/2023, Relator Ministro Benjamin Zymler, 27/set/2023.

[3] Das 15 PDPs restantes em Fase IV, 10 foram parcialmente concluídas, já que houve a nacionalização do IFA, mas a IP não fabrica o produto e em 5 PDPs a IP não fabrica o produto, nem o IFA foi nacionalizado, apesar de constarem como PDPs de fase IV. Há ainda 63 PDPs extintas, 11 suspensas, 1 em Fase I, 15 em Fase II e, por fim, 18 em Fase III. Tudo isso a partir de dados extraídos da tabela publicada pelo MS em 23/out/2023 (disponível em: Medicamento, Vacina e Hemoderivados – Parcerias – Vigentes (At. 23.10.2023) — Ministério da Saúde (www.gov.br)).

[4] O art. 54 da Portaria de Consolidação GM/MS 5/2017 prevê que: “Após 1 (um) ano da primeira aquisição do produto objeto da PDP, o Ministério da Saúde apenas efetuará novas aquisições mediante comprovação pela instituição pública de que possui o registro sanitário do referido produto junto à ANVISA e da evolução das etapas de desenvolvimento, transferência e absorção de tecnologia, conforme cronograma aprovado no projeto executivo e eventuais alterações.

[5] Conforme previsto no art. 55, III, §1º da Portaria de Consolidação GM/MS 5/2017.

[6] Essa previsão está no art. 22, VIII da Portaria de Consolidação GM/MS 5/2017. A regulamentação atual também exige sejam apresentadas na proposta informações sobre as patentes e pedidos de patente relevantes (art. 14, III, b). Essa exigência parece ter sido mantida na minuta quando exige que proposta deve ser apresentada considerando “propriedade intelectual, incluindo-se informações sobre a eventual existência de acordo de licenciamento de tecnologia” (art. 9, V).

[7] Em suas manifestações, o MS afirmou que, segundo o IPEA, haveria uma “não factibilidade de aplicação de um modelo para precificação de transferência de tecnologia no âmbito das PDP” e que “qualquer processo de negociação de tecnologia envolve elementos idiossincráticos e outros tipos de custos, sujeitos a inúmeras incertezas e nem sempre mensuráveis. Em suma, não existe, em qualquer processo de comercialização de tecnologia, uma fórmula ou método padrão de precificação.”.

[8] O art. 2º, XIV da Portaria de Consolidação GM/MS 5/2017 prevê que o termo de compromisso é o “documento firmado entre a instituição pública, que se responsabiliza pelo investimento, desenvolvimento, transferência e absorção de tecnologia de produtos estratégicos para o SUS, e o Ministério da Saúde, que se responsabiliza pela aquisição dos produtos objetos da PDP, contendo em anexo declaração de concordância com o referido documento subscrita pelos parceiros privados;”.

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