Internacional
Morte de líder do Hamas eleva risco de guerra regional?
Ao enviar drones ao Líbano para matar número 2 do grupo palestino, Israel quebrou as regras do jogo no conflito do Oriente Médio, abalando o “equilíbrio de dissuasão”. Agora depende de como o poderoso Hisbolá reagirá
Em Beirute, a sensação de segurança sempre foi relativa, comenta a contadora Aliyah, de 55 anos: “Mesmo antes do atentado desta semana, aviões de reconhecimento israelenses estavam sempre sobrevoando. Mas esse ataque foi doloroso, porque foi numa área residencial.”
A moradora da capital libanesa se refere ao ataque com drones da noite da terça-feira (02/01), que matou o vice-líder do Hamas Saleh al-Arouri. Israel não assumiu diretamente a autoria, mas admitiu ser parte de sua batalha contra o Hamas em Gaza, e que tentaria “eliminar” os líderes da organização islamista palestina onde quer que eles se encontrem.
“A gente se sente menos seguro agora. Não sabemos se podemos ser bombardeados a qualquer momento”, reforça o professor Christian, de 30 anos. Assim como os demais, ele falou à DW sob condição de anonimato, devido à natureza sensível do assunto em sua cidade. Apesar de seus medos, nenhum dos entrevistados deseja que a poderosa milícia Hisbolá do Líbano entre em guerra com Israel, em represália, e tampouco quer uma guerra regional.
Para a assistente de vendas Samira, de 45 anos, o Hisbolá constitui um elemento dissuasor útil, impedindo que as forças militares israelenses invadam o Líbano: “Eles são os únicos que trabalham para nos proteger.” “Mas ninguém gosta de guerra”, rebate Christian. “Eu gostaria que eles [do Hisbolá] fossem cautelosos.”
Por isso, todos os olhos estavam sobre o líder da milícia libanesa, Hassan Nasrallah, durante discurso na noite da quarta-feira, em Beirute: ele classificou o suposto assassinato como “um grave crime perigoso”, mas não fez qualquer ameaça de escalada.
Não é fácil interpretar os comentários de Nasrallah. Segundo alguns observadores do Hisbolá de longa data, seu tom era mais agressivo do que em falas anteriores. Para outros, porém, como o ministro do Exterior libanês, Abdallah Bou Habib, parece improvável que uma das mais importantes forças políticas do país vá declarar guerra total a Israel.
“Esperamos que eles não se engajem numa guerra mais ampla […] Temos diversas razões para achar que isso não vai acontecer”, comentou Bou Habib à emissora americana CNN. Ninguém no Líbano quer isso, acrescentou, inclusive o próprio Hisbolá.
A próxima jogada cabe ao Hisbolá
Em 2006, as forças armadas de Tel Aviv e o Hisbolá travaram uma destrutiva guerra de 34 dias no Líbano, em reação ao sequestro de soldados israelenses pela milícia. O resultado foram mais de mil mortos, milhões de desalojados e sérios danos à infraestrutura libanesa. A luta terminou com um impasse e a retirada israelense.
Desde então, “o Hisbolá expandiu maciçamente seu arsenal e a sofisticação de seus armamentos”, comentava em novembro Jeffrey Feltman, do think tank Brookings Institution: “O propósito irredutível dos estimados 150 mil mísseis do Hisbolá é dissuadir Israel de uma ofensiva em massa contra o Irã – ou retaliar uma eventual ofensiva do gênero.”
Também desde 2006 os dois inimigos declarados vêm se alternando em ataques retaliatórios na fronteira norte do Líbano. Trata-se de uma ocorrência regular e, segundo analistas, um sinal de que ambos os lados aceitam as regras de combate centradas na dissuasão.
Em meados de 2023 – portanto vários meses antes dos atentados de 7 de outubro, do Hamas contra Israel – o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, ameaçou explicitamente mandar matar Al-Arouri, do Hamas. O líder Nasrallah, do Hisbolá, replicou que esse tipo de assassinato constitui uma linha vermelha para seu grupo, não importando quem seja o alvo.
O recente suposto assassinato aéreo israelense – em pleno subúrbio populoso, a mais de 100 quilômetros da fronteira e conhecido como reduto do Hisbolá – tanto ultrapassa a “linha vermelha” de Nasrallah quanto é uma ruptura com as regras de engajamento inoficiais.
Como define Amal Saad, professora de política da Universidade de Cardiff, no País de Gales, e estudiosa do Hisbolá, esse atentado abala o “equilíbrio da dissuasão”. Segundo ela, para restaurar esse equilíbrio a organização libanesa precisará reagir: “O que quer que ocorra, tem que ser rápido. Eles não podem permitir que se passe muito tempo, pois Israel já declarou sua intenção de empreender uma campanha de assassinatos” de membros do Hamas.
O editor-chefe do jornal libanês L’Orient-Le Jour, Antony Samrani, partilha essa opinião, como deixou claro num editorial: “Se o Hisbolá não fizer nada, abre o caminho para mais ataques desse tipo em sua fortaleza. Mas se a reação for forte demais, abre o caminho para a guerra total.”
Israel e sua “caixa preta”
Até o momento, o Hisbolá não parece querer expandir suas operações militares nem responder com dureza excessiva a qualquer provocação. Samrani lembra que a milícia nunca reagiu radicalmente a assassinatos semelhantes. A rigor, é antes Israel que constitui uma “caixa preta”, aponta Saad: está difícil saber quais são suas intenções, sob o governo mais extremista de direita de sua história, e também pelo fato de as opiniões políticas estarem muito divididas no país.
Há outras questões em aberto em torno do atentado da terça-feira em Beirute. Apesar de um total de mais de 22 mil mortes em Gaza desde o 7 de Outubro, Israel não conseguiu matar a maioria dos líderes do Hamas no território palestino. Enquanto a população israelense começa a questionar suas próprias vítimas, observadores especulam que o país estaria agora se voltando para operações mais garantidas, como o assassinato de Saleh Al-Arouri no Líbano.
Em seu discurso, o líder do Hisbolá Hassan Nasrallah sugeriu que esse atentado era uma forma de os políticos israelenses alegarem uma espécie de vitória. Segundo a especialista Saad, isso pode indicar que o conflito está entrando numa nova fase, menos intensa.